• Home
  • >
  • Inteligência Emocional
  • >
  • Esta epidemia silenciosa está matando 871 mil pessoas por ano — e atingindo principalmente pessoas jovens

Esta epidemia silenciosa está matando 871 mil pessoas por ano — e atingindo principalmente pessoas jovens

pessoa mexendo no celular

Na era da hiperconectividade, em que a vida acontece na palma da mão e o mundo parece estar a um clique de distância, cresce uma epidemia que atinge justamente aqueles que mais usam a tecnologia: os jovens.

Um novo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) revela que entre 17% e 21% dos jovens de 13 a 29 anos se sentem solitários. Os índices mais elevados estão entre adolescentes de 13 a 17 anos, e o cenário é ainda mais grave em países de baixa renda, onde a taxa atinge 24%, mais que o dobro da observada em nações ricas (11%).

“A solidão na juventude pode ir desde o sentimento de não pertencimento a um grupo social até a ausência de relações próximas e de confiança”, explica a psiquiatra Maria Francisca Mauro, mestre e doutora em psiquiatria pela UFRJ e fundadora do Portal da Mente.

De acordo com a especialista, o alerta vale principalmente para pessoas que não conseguem desenvolver estratégias de conforto emocional: “Há uma carência persistente de atenção e troca afetiva. Os sinais incluem autocrítica severa, baixa autoestima social, sentimentos de tristeza ou raiva, e a crença de que se é inadequado para manter relações satisfatórias“.

Afinal, o que está acontecendo com os jovens?

Leia também: Inteligência Emocional: entenda o que é, a importância e como desenvolver

A geração do vazio

Apesar de estarem conectados o tempo todo, os jovens convivem com um paradoxo: quanto mais tempo passam online, menos se sentem conectados de forma significativa. As redes sociais, que prometem aproximar pessoas, muitas vezes reforçam um sentimento de inadequação. Fotos de viagens, corpos perfeitos, e amizades aparentemente eternas compõem um cenário de performance que, segundo especialistas, intensifica a solidão ao criar expectativas irreais.

“Existem os que são hiperativos nas redes, mas não têm com quem contar de verdade. Outros vendem uma rotina de felicidade performática — o combo ‘gratidão e produtividade’— que alimenta a ambivalência entre persona digital e realidade. E há ainda quem consome tudo passivamente, como se fosse incapaz de conquistar algo bom para si”, destaca Maria Mauro.

Um estudo de 2021 reforça esse cenário. Pesquisadores analisaram dados de mais de mil jovens e concluíram que o uso frequente e passivo de redes sociais (ou seja, navegar sem interagir ativamente) está diretamente associado a níveis mais altos de solidão e sintomas depressivos. Segundo os autores, o comportamento passivo nas redes aumenta a comparação social negativa e reduz o sentimento de pertencimento, dois fatores muito ligados à solidão.

O estudo também sugere que a solidão pode ser tanto causa quanto consequência de um uso problemático das redes: jovens mais solitários tendem a buscar refúgio nas plataformas digitais, mas esse refúgio, quando pouco engajador ou pautado pela comparação, apenas aprofunda o isolamento emocional.

Essa realidade se reflete também em novos modos de buscar afeto: aplicativos como o Replika, que simulam parceiros românticos com inteligência artificial, registram milhões de usuários que relatam desenvolver vínculos profundos com seus avatares digitais.

É um cenário que se encaixa com as descobertas recentes de pesquisadores do mundo todo. Uma pesquisa de especialistas da Universidade de Stanford examinou interações intensas com companheiros de IA e constatou que, quanto maior a autodeclaração e dependência emocional do usuário, menor seu bem‑estar psicológico, especialmente na ausência de suporte humano forte

Outro trabalho destaca que, embora chatbots proporcionem respostas empáticas e constantes validações (promovendo uma espécie de “amor incondicional” digital), essas interações podem mimetizar padrões emocionais tóxicos, incluindo dependência e retração de laços reais.

O ciclo da solidão, ansiedade e depressão

A solidão raramente anda sozinha. Diversos estudos apontam uma relação direta entre o isolamento social e o aumento de transtornos mentais, como depressão e ansiedade. Um levantamento da revista The Economist já alertava, em 2019, que a chamada Geração Z é “estressada, deprimida e obcecada por desempenho acadêmico”. A pressão por sucesso, amplificada pelas redes, alimenta sentimentos de fracasso e desconexão.

O psicólogo Jonathan Haidt, autor do livro A Geração Ansiosa, argumenta que a ascensão dos smartphones e das redes sociais teve um impacto profundo e negativo sobre o bem-estar dos jovens, especialmente a partir de 2012. Em sua análise, o tempo excessivo diante das telas — sobretudo em atividades passivas, como rolar o feed do Instagram ou do TikTok — está diretamente relacionado ao aumento nos índices de depressão, ansiedade e isolamento entre adolescentes.

Ao mesmo tempo, práticas que tradicionalmente promovem saúde mental, como dormir bem, interagir presencialmente com amigos e praticar atividades físicas, diminuíram. Segundo Haidt, a substituição das interações presenciais por conexões digitais superficiais contribuiu para o enfraquecimento de habilidades sociais e para a sensação de desconexão.

O relatório da OMS traz essa mesma visão, apontando que a solidão está associada a riscos mais altos de doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, depressão, ansiedade e até mortalidade precoce. Entre 2014 e 2019, estima-se que cerca de 871 mil mortes anuais estejam ligadas à solidão.

O que está na raiz do problema?

A resposta passa por vários fatores. Além da digitalização excessiva, existe um enfraquecimento dos espaços de pertencimento tradicionais, como a família, a religião e as trajetórias profissionais previsíveis, como explica Maria Mauro: “A realidade atual lançou os jovens num cenário mais complexo e inseguro, que favorece o pessimismo e sentimentos de inadequação”.

A psiquiatra observa ainda que o início da vida adulta, antes marcado por ritos de passagem sociais, como sair de casa, conseguir um emprego estável ou formar uma família, hoje se tornou mais fragmentado. A sensação de “não estar no lugar certo, na hora certa” intensifica os sentimentos de inadequação e solidão.

Além disso, as experiências de solidão são mais frequentes e intensas entre grupos socialmente marginalizados. Pessoas com deficiência, migrantes, jovens LGBTQIA+ e moradores de comunidades periféricas relatam índices significativamente mais altos de isolamento. Não só por fatores individuais, mas por barreiras estruturais, como discriminação, exclusão social e falta de acesso a espaços de convivência.

Esses grupos muitas vezes enfrentam obstáculos adicionais para estabelecer relações de confiança e pertencimento, seja por preconceito, seja por limitações econômicas ou geográficas.

Como mostra uma análise do jornal Deutsche Welle, a solidão não é um fenômeno restrito aos países ricos. Em países de baixa e média renda, ela aparece com frequência ainda maior, agravada por desigualdades socioeconômicas, conflitos e sistemas de apoio fragilizados.

Nesses contextos, o sentimento de isolamento pode surgir não apenas pela ausência de vínculos afetivos próximos, mas também pela exclusão de redes institucionais e comunitárias, como escolas, serviços de saúde mental ou programas culturais. A solidão, assim, revela não só uma crise emocional, mas também um reflexo das desigualdades sociais.

E como podemos reagir?

Apesar do cenário preocupante, existem caminhos possíveis para reverter a epidemia de solidão — e muitos deles passam por um esforço coletivo de reconexão. A OMS propõe uma ação global baseada em cinco frentes: políticas públicas, pesquisa, intervenções práticas, monitoramento e campanhas de engajamento. Países como o Japão e o Reino Unido já implementaram estratégias nacionais contra a solidão, com investimentos em infraestrutura social, centros comunitários, programas escolares e redes de apoio para populações vulneráveis.

No cotidiano, pequenas mudanças também podem ter impacto profundo. Na visão da psiquiatra Maria Mauro, “os elos de socialização enfraqueceram nas últimas décadas, com aceleração durante a pandemia. Hoje há um movimento de reconexão: valorização dos encontros presenciais, menor fé no virtual e mudanças no uso das redes sociais”.

Ela destaca que é justamente no início da vida profissional que esse resgate do pertencimento afetivo é mais necessário, e os ambientes de trabalho têm papel importante nesse processo. “Ambientes corporativos que ofereçam capacitação, troca de experiência e um ambiente mais seguro emocionalmente, podem criar um cenário mais propício para o amadurecimento dos jovens em início de carreira”, ressalta.

Leia também: 3 passos para amenizar a ansiedade sobre trabalho 

A psiquiatra chama atenção para os efeitos da cultura da performance, que muitas vezes domina o imaginário profissional dos jovens. “Com a velocidade de comunicação das redes, muitos jovens acreditaram que a performance ao invés da consistência técnica, e persistência seriam suficientes para suas carreiras, o que os lançou num grande vácuo de construção em longo prazo.”

Por isso, ela defende que empresas que contratam jovens devem investir não só em competências técnicas, mas também em suporte emocional e coerência institucional: “Reconhecer as habilidades dos jovens, mesmo com suas limitações naturais devido à falta de experiência ou treinamento, é fundamental para empresas que desejam contratar profissionais em início de carreira. Nesse processo de desenvolvimento, as organizações que sabem estimular a autonomia emocional e alinhar discurso e prática têm um papel importante na promoção da saúde emocional desses jovens.”

Reconexão como missão

O relatório da OMS termina com um chamado claro: “A conexão não é apenas uma boa ideia. É fundamental. Sem ela, não conseguiremos enfrentar os grandes desafios da saúde pública, da economia ou da estabilidade social”. A epidemia de solidão é, sim, um problema coletivo, e precisa ser enfrentado como tal.

Nesse sentido, “precisamos resgatar a empatia e os valores que não sejam apenas altruístas nas redes, mas reais, vivos, fora delas”, defende Maria Mauro.

Os melhores conteúdos para impulsionar seu desenvolvimento pessoal e na carreira.

Junte-se a mais de 1 milhão de jovens!

O que você achou desse post? Deixe um comentário ou marque seu amigo:

MAIS DO AUTOR

No results found.

Os melhores conteúdos para impulsionar seu desenvolvimento pessoal e na carreira.

Junte-se a mais de 1 milhão de jovens!