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Procrastinação do bem: é possível ter bons resultados adiando tarefas?

uma jovem mulher deitada na cama ao lado de um notebook

Não é novidade para ninguém que a procrastinação é encarada como sinônimo de algo negativo. Afinal, inconscientemente ou não, ela nada mais é que o ato de adiar o cumprimento de uma tarefa que precisa ser realizada. Contudo, há quem acredite que ela não é algo necessariamente ruim – desde que seja sabido como trabalhá-la.

Leia também: Como parar de procrastinar definitivamente: técnicas, ferramentas, aplicativos e livros

Paul Graham, um dos fundadores e sócio da Y Combinator, escreve que a “procrastinação do bem” é aquela que evita afazeres pequenos e corriqueiros (mas que invariavelmente consomem tempo) para poder realizar trabalho de verdade.

O artigo original sobre o tema foi publicado em inglês e pode ser conferido na íntegra aqui. Mas para quem está pensando em procrastinar a leitura, o Na Prática trouxe a tradução para esta publicação.

A boa e a má procrastinação

As pessoas mais impressionantes que conheço são todas terríveis procrastinadoras. Será possível que a procrastinação possa não ser sempre ruim?

A maioria dos que escrevem sobre procrastinação, costumam falar sobre como curá-la. Mas, estritamente falando, isso é impossível. Há um número infinito de coisas que você pode fazer. Seja no que for que esteja trabalhando, você deixará de focar no resto. Então, a questão não é como evitar a procrastinação, mas como procrastinar bem.

Inclusive, há três variantes da procrastinação que podem depender do que é feito ao invés de focar em algo. Você pode trabalhar:

a) em nada;

b) em algo menos importante;

c) em algo mais importante.

Eu acredito que este último tipo seja a boa procrastinação. É mais ou menos como aquele “cientista distraído” que esquece de se barbear, comer e até mesmo de olhar para onde está indo, enquanto pensa num problema interessante.

Sua mente se desliga deste mundo pois está trabalhando duro em outro.

É nesse sentido que as pessoas mais incríveis que conheço são todas procrastinadoras. Elas são procrastinadoras do tipo c: deixam de fazer as pequenas coisas para focar no que é mais importante.

O que são essas “pequenas coisas”?

Basicamente, trata-se daqueles trabalhos que não têm qualquer chance de serem mencionados em seu obituário. É difícil dizer qual virá a ser sua obra prima – será sua magnum opus sobre a arquitetura dos templos sumérios ou o romance policial que você escreveu usando um pseudônimo?). Porém há toda uma classe de tarefas que você pode seguramente descartar: barbear-se, lavar a roupa, limpar a casa, escrever notinhas de agradecimento – qualquer coisa que possa ser considerada uma tarefa.

Deste modo, a procrastinação do bem é a que evita os afazeres para poder realizar trabalho de verdade. “Do bem” até certo ponto, isto é. Afinal, as pessoas que esperam que você cumpra com essas tarefas adiadas podem não pensar dessa maneira. Mas provavelmente seja necessário incomodá-las, se você quiser realmente fazer alguma coisa. Mesmo as pessoas mais gentis, quando querem realizar algum trabalho, tornam-se um tanto quanto rudes quando precisam evitar os afazeres.

Algumas tarefas, como responder mensagens e e-mails, desaparecem se você os ignorar – desaparecendo também com os amigos, talvez. Outras, como cortar a grama ou declarar do imposto de renda, porém, podem se complicar quando adiados. Em princípio, não deveria dar certo adiar o segundo tipo de tarefas. Você vai acabar tendo que fazê-los de qualquer jeito algum dia. Por que, então, não os fazer agora?

A procrastinação do bem

A razão que faz valer a pena postergar mesmo algumas destas tarefas é que, em geral, elas não demandam dois fatores importantes: longas horas de dedicação ininterruptas e a criatividade. Se você ficar inspirado por um projeto, pode ser vantajoso adiar tudo o que supostamente deveria fazer nos próximos dias para poder focar nele.

É claro, esses afazeres secundários podem custar um certo preço quando finalmente forem feitas. Mas, se você conseguir realizar o trabalho de verdade durante estes dias, o resultado final terá maior valor.

De fato, a diferença pode ser mais em espécie que em grau. Pode haver tipos de trabalho que só possam ser realizados em longos e ininterruptos estirões, quando a inspiração chega, ao invés de em curtas tarefas programadas.

Empiricamente, parece que as coisas realmente funcionam assim. Quando penso nas pessoas que conheço, que realizaram grandes coisas, não consigo imaginá-las organizadamente riscando itens das suas listas de tarefas. Muito pelo contrário: mas se escondendo para trabalhar em alguma nova ideia.

Evite interrupções

Por outro lado, forçar alguém a cumprir seus afazeres de maneira síncrona pode limitar sua produtividade. Inclusive, o custo de uma interrupção não é apenas o tempo que ela dura, mas é que a quebra do tempo pela metade. Você provavelmente só precisa interromper alguém umas duas vezes por dia para que ela se sinta incapaz de trabalhar em qualquer problema difícil.

Aliás, pensei um bocado sobre o porquê as startups são mais produtivas bem no início, quando consistem apenas nos sócios trabalhando num apartamento. A principal razão pode ser que não haja ninguém para interrompê-los ainda.

Em teoria, é bom quando os sócios fundadores finalmente conseguem dinheiro suficiente para contratar empregados para fazer parte do trabalho para eles. Contudo, pode ser melhor estar sobrecarregado do que ser superinterrompido. Afinal, depois que a startup passa a ser diluída com empregados assalariados – e sobretudo com procrastinadores do tipo B – toda a empresa passa a funcionar no ritmo deles. Eles são dirigidos por interrupções e logo você também acaba sendo.

Fuja das desculpas

As tarefas secundárias são tão efetivas no assassinato de grandes projetos que muitas pessoas os utilizam exatamente para isso. Alguém que tenha decidido escrever um romance, por exemplo, subitamente descobre que a casa precisa de uma faxina. Quem não está conseguindo produzir e não quer se distrair, provavelmente manterá a casa suja. Pois, após passar dias e dias sentados em frente a uma folha de papel em branco, sem conseguir escrever nada, o livro é a prioridade.

Porém, há aqueles que com certeza priorizam atividades secundárias – não que uma faxina não seja importante. Eles podem fazer pausas para alimentar o gato, saem para comprar alguma coisa para o apartamento, tomam café com um amigo, leem e-mails… “Eu não tenho tempo pra trabalhar”, eles dizem. E não têm mesmo; fizeram de tudo para não ter.

Eu mesmo já usei estas essas desculpas mais de uma vez. Aprendi vários truques para me fazer trabalhar nos últimos 20 anos, mas até hoje não consigo vencer consistentemente. Alguns dias eu consigo realizar trabalho de verdade. Outros dias são gastos com afazeres. E sei que é quase sempre minha culpa: deixo algumas tarefas secundárias consumirem o meu dia para não ter que enfrentar algum problema difícil.

Procrastinação do tipo B: focando nas coisas erradas

A forma mais perigosa de procrastinação é a do tipo B – que nem sempre é reconhecida como tal, pois ela não se parece com procrastinação. Afinal, você está “fazendo coisas”. Só que as coisas erradas.

Aliás, os conselhos sobre procrastinação que se concentram unicamente em riscar coisas da sua lista de tarefas é não apenas incompleto, mas positivamente enganoso. Esse método não considera a possibilidade de que a própria lista seja uma forma de procrastinação do tipo B.

De fato, possibilidade é uma palavra muito fraca. Quase toda lista é uma forma de procrastinação do tipo B. A menos que você esteja trabalhando nas coisas mais importantes em que poderia estar, é uma procrastinação do tipo B – independentemente do quanto você esteja realizando.

Em seu famoso ensaio You and Your Research (que recomendo para todos os que têm ambição, não importa no que estejam trabalhando), Richard Hamming sugere que as pessoas se façam três perguntas:

  1. Quais são os problemas mais importantes na minha área?
  2. Estou trabalhando em algum deles?
  3. Por que não?

Hamming trabalhava no Bell Telephone Laboratories quando começou a perguntar essas coisas. Em princípio, qualquer empregado da organização deveria ser capaz de trabalhar nos problemas mais importantes da sua área. Talvez nem todos possam causar uma marca igualmente dramática no mundo – não sei – mas sejam quais forem as suas capacidades, sempre existem projetos que podem ser esticados. Deste modo, o exercício de Hamming pode ser generalizado da seguinte forma:

Qual é a melhor coisa em que você poderia estar trabalhando e por que não está?

A maioria das pessoas se intimida com esta questão. Eu próprio me intimido; vejo-a ali na página e rapidamente sigo para a próxima sentença. Hamming costumava circular perguntando essas coisas para seus colegas – o que não fazia dele uma pessoa muito popular. Mas esta é uma questão que qualquer pessoa ambiciosa deveria se fazer.

O problema é que você pode fisgar um peixe muito grande com essa isca. Para realizar bons trabalhos é preciso fazer mais do que encontrar bons projetos. Depois de encontrá-los, deve-se conseguir trabalhar neles e isso pode ser difícil. Quanto maior o problema mais difícil é conseguir efetivamente trabalhar nele.

É claro, a principal razão que faz alguém achar difícil trabalhar num problema específico é que elas não o apreciam. Especialmente quando você é jovem e frequentemente se encontra trabalhando em coisas de que realmente não gosta. Pois elas parecem impressionantes, por exemplo, ou porque alguém o mandou trabalhar nelas.

A maioria dos estudantes de graduação ficam presos trabalhando em grandes problemas de que eles realmente não gostam – o que explica porque os cursos de graduação são sinônimos de procrastinação.

Projetos importantes costumam ser complicados

Mas mesmo quando você gosta daquilo em que está trabalhando, é mais fácil concentrar-se nos pequenos problemas que nos grandes. Por quê? Por que é tão difícil trabalhar nos grandes problemas?

Uma razão é que você pode não obter nenhuma recompensa no futuro próximo. Se você trabalha em algo que pode terminar em um dia ou dois, é esperada uma boa sensação de realização a curto prazo. Se a recompensa futura é distante e eventual, ela parece menos real.

Ironicamente, outra razão que leva as pessoas a não trabalharem nos grandes projetos é o medo de perder tempo. E se elas falharem? Então, todo o tempo que elas investiram terá sido em vão. (Na verdade, muito provavelmente não terá sido em vão porque o trabalho em projetos difíceis quase sempre leva à algum lugar.)

Mas o problema com os grandes projetos não se deve unicamente ao fato de eles não prometerem recompensas imediatas ou fazer as pessoas perderem tempo. Se fosse só isso eles não seriam piores que visitar o cunhado.

Há mais do que isso.

Grandes projetos são amedrontadores. Há uma dor quase física em enfrentá-los. É como ter um aspirador de pó grudado na sua imaginação. Todas as suas ideias iniciais são imediatamente sugadas e você não tem mais nenhuma, mas o aspirador continua a sugar.

Focando nas coisas certas

Você não pode encarar um grande problema diretamente nos olhos. Deve se aproximar dele com olhar oblíquo. Porém, em seguida, ajuste o ângulo: você precisa enfrentar o grande problema de modo suficientemente direto para, então, poder receber parte da excitação que ele irradia – mas não tanto que o medo o paralise. Você pode apertar o ângulo depois de começar, assim como um barco a vela pode velejar mais perto do vento depois de pegar velocidade.

Se você quer trabalhar em coisas grandes, vai precisar enganar a si próprio para fazê-lo. Você precisa trabalhar em pequenas coisas que possam crescer e se transformar em grandes coisas ou trabalhar em coisas sucessivamente maiores e repartir a carga moral com colaboradores. Não é um sinal de fraqueza depender desses truques. As obras mais importantes, aliás, foram feitas assim.

Quando eu falo com pessoas que conseguiram trabalhar em grandes projetos, descubro que todas elas descumpriam seus afazeres e todas se sentiam culpadas por isso. Eu não acho que elas devam se sentir culpadas. Há mais a fazer do que qualquer um poderia. Assim, alguém realizando o melhor trabalho possível vai inevitavelmente deixar inúmeras tarefas por fazer. Parece-me um erro se sentir mal por isso.

Por fim, acho que a maneira de “resolver” o problema da procrastinação é deixar o prazer puxá-lo, ao invés de fazer uma lista de afazeres empurrá-lo. Trabalhe num projeto ambicioso de que você realmente goste e veleje tão perto do vento quanto possível – e você deixará as coisas certas por fazer.

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