A saúde mental se tornou um dos principais pontos de atenção quando se fala no futuro do trabalho. Ao mesmo tempo, cresce a discussão pública sobre o tema, impulsionada por iniciativas como o Setembro Amarelo.
A entrada da Geração Z no mercado, marcada por contextos de instabilidade econômica, crises globais e um ambiente digital sempre conectado, expõe uma série de vulnerabilidades emocionais que não podem mais ser ignoradas.
Ansiedade, depressão e solidão aparecem com frequência nos levantamentos recentes e já impactam tanto a vida individual desses jovens quanto o desempenho de empresas e instituições.
Esse cenário revela não apenas a dimensão do problema, mas também a urgência de compreender como fatores sociais, tecnológicos e profissionais moldam o bem-estar da Geração Z — e o que está em jogo para o futuro do trabalho.
Geração Z e o futuro do trabalho
A Geração Z, formada, em geral, por pessoas nascidas entre 1997 e 2012, já está em peso no mercado de trabalho em muitos países, ou se preparando para ingressar em setores cada vez mais voláteis, digitais e interconectados.
Para esses jovens profissionais, a saúde mental não é um tema secundário: ela impacta diretamente a produtividade, a capacidade de inovar, o engajamento com o emprego e até mesmo o tipo de carreira que escolhem seguir.
Quando uma parcela significativa dessa geração convive com ansiedade, depressão ou outras condições emocionais debilitantes, o custo não é só individual, mas também institucional, atingindo empregadores, economias e sociedades inteiras.
O estiga em falar de saúde mental
Por isso, a saúde mental dessa geração de profissionais tem se tornado um tema cada vez mais urgente. Uma pesquisa da UNICEF mostra que quatro em cada dez jovens ainda sentem estigma ao falar sobre saúde mental em ambientes escolares e profissionais.
Além disso, apenas metade sabe onde buscar apoio adequado, e só 55% acredita ter mecanismos eficazes para lidar com dificuldades emocionais.
O cenário deixa clara a necessidade não só de ampliar o acesso à informação, mas também de construir uma cultura de acolhimento e diálogo aberto sobre o tema.
Solidão cresce entre os jovens
Um outro estudo conduzido pela Cigna, operadora de planos de saúde, revelou que a solidão é um problema crescente entre trabalhadores, e que afeta de forma ainda mais intensa os mais jovens. De acordo com o levantamento, três em cada cinco adultos dizem se sentir sozinhos com frequência, mas entre os profissionais de 18 a 22 anos, que compõem a Geração Z, o índice chega a 73%.
O dado reforça a percepção de que, além de lidar com a pressão profissional e acadêmica, essa geração também enfrenta um sentimento persistente de isolamento social, o que amplia a vulnerabilidade emocional no início da vida adulta.
Leia também: Esta epidemia silenciosa está matando 871 mil pessoas por ano
A alta no consumo de remédios
Já no Brasil, um levantamento da Vidalink, empresa de planos de bem-estar, mostra um reflexo preocupante desse quadro: os jovens da Geração Z e os Millennials são os que mais consomem medicamentos voltados à saúde mental, especialmente antidepressivos e ansiolíticos.
Em 2024, o estudo apontou um aumento expressivo de 7,9% no número de usuários de medicamentos dentro da Geração Z e de 6,6% no volume total de unidades consumidas.
Esses números revelam uma geração que, ao mesmo tempo em que enfrenta desafios emocionais crescentes, recorre cada vez mais a intervenções médicas para lidar com eles.
Por que a Geração Z enfrenta níveis elevados de ansiedade e depressão
Várias pesquisas recentes mostram que a Geração Z tem muitos sintomas de ansiedade e depressão. Esses problemas são causados por fatores externos. Veja os principais motivos identificados:
-
Exposição constante a crises globais
Problemas como mudanças climáticas, pandemias, tensões políticas e guerras têm impacto real na saúde mental. A pesquisa da UNICEF mostra que cerca de 6 em cada 10 jovens da Geração Z se sentem sobrecarregados. Eles se sentem assim por causa das notícias ou de eventos em sua comunidade, país ou no mundo. -
Rede social, tecnologia e comparação
Crescer praticamente “plugado” trouxe vantagens, mas também custos. Há uma pressão constante de exibição, comparação, de expectativas irreais, de manter uma imagem, de acompanhar fluxos de informação intensos. Uma pesquisa da McKinsey estudou como a tecnologia e as redes sociais afetam o bem-estar mental da Geração Z. A pesquisa mostrou que essas plataformas aumentam a ansiedade, a autoestima frágil e a busca por validação externa. -
Incerteza econômica, instabilidade no mercado de trabalho
Jovens profissionais muitas vezes entram em empregos com contratos frágeis, remuneração menor, expectativas altas, pouca segurança ou benefícios, ou ainda enfrentam desemprego ou subemprego. Essa instabilidade financeira é um estressor constante. -
Mudança de valores de trabalho
Muitas pessoas da Geração Z buscam sentido, propósito e equilíbrio; não estarão satisfeitas simplesmente com salário ou status. Elas valorizam ambientes de trabalho que ofereçam flexibilidade, reconhecimento, propósito social, aprendizado contínuo. Quando não encontram isso, cresce o sentimento de insatisfação, angústia, e desconexão com o trabalho. A pesquisa global da Deloitte de 2025 revela que bem-estar e significado são tão importantes quanto a remuneração para muitos jovens dessa geração. -
Estigma, falta de acesso ou de suporte real
Apesar de falarem mais abertamente sobre saúde mental do que gerações anteriores, muitos jovens ainda relatam que não sabem onde buscar ajuda, ou que não acreditam que seus mecanismos de enfrentamento são efetivos. Problemas de acesso a tratamento psicológico, psiquiátrico ou serviços de saúde mental também se mostram como barreiras persistentes.
Impactos para jovens, empresas e economia
Alguns dos riscos relacionados a essa crise da saúde mental entre jovens profissionais são:
-
Burnout precoce: jovens profissionais frequentemente enfrentam alta carga de trabalho, pouca clareza sobre expectativas ou trajetória de carreira, desequilíbrio entre vida pessoal e profissional, e, em muitos casos, pressões por performance intensivas. Esses fatores podem levar ao esgotamento mental — síndrome reconhecida pela Organização Mundial da Saúde.
-
Turnover elevado e faltas frequentes: quando alguém está mal de saúde mental, pode faltar mais dias de trabalho, funcionar abaixo da capacidade quando presente, ou até deixar o emprego mais cedo do que desejaria ou deveria.
-
Perda de talentos e inovação: em ambientes que não oferecem suporte psicossocial ou flexibilidade, jovens profissionais podem se desencantar, migrar de setor ou abandonar seus sonhos profissionais, o que reduz a diversidade de ideias e de inovação.
-
Impactos econômicos mais amplos: produtividade menor, mais custos com saúde, mais custos indiretos ligados a retrabalho, erros, turnover, afastamentos. Tudo isso pesa sobre empresas, setores, governos.
Fatores que contribuem para o problema
Além dos fatores pessoais, tecnológicos ou sociais, o ambiente profissional tem também características que agravam o estresse e comprometem a saúde mental dos jovens trabalhadores:
-
Alta pressão por produtividade e resultados imediatos
Startups, empresas de tecnologia, ou setores muito competitivos exigem metas altas, prazos curtos, mudanças frequentes. Jovens profissionais muitas vezes aceitam essa pressão por querer se provar, mas é um terreno fértil para ansiedade. -
Flexibilidade aparente vs. insegurança real
O trabalho remoto e híbrido, autônomo ou “gig work” oferecem flexibilidade, mas também podem significar jornadas imprevisíveis, falta de estrutura, sobreposições entre o pessoal e o profissional, dificuldade de desligar. Essa ambiguidade sobre quando, onde ou quanto trabalhar pode causar desgaste psicológico. -
Falta de suporte institucional
Muitas empresas não têm políticas claras de saúde mental, assistência psicológica, espaços seguros para falar de emprego, orientações ou treinamento para líderes lidarem com sofrimento emocional entre equipes. -
Cultura do “sempre ligado”
Smartphones, redes sociais, comunicação instantânea ampliam a sensação de estar sempre a um clique de responder, de produzir, de “não parar”. -
Incerteza de carreira ou progresso lento
Mesmo quando um jovem profissional trabalha bastante, muitas vezes não há clareza de trajetória, feedback insuficiente ou reconhecimento, o que leva à frustração, sensação de injustiça, ou desmotivação. -
Desigualdades sociais e pressão financeira
Dívidas estudantis, custo de vida, insegurança no emprego, limitação de acesso a recursos de bem-estar como terapias, tempo livre, espaços de lazer — tudo isso contribui para o estresse. Jovens em contextos menos favorecidos enfrentam múltiplas barreiras para cuidar da saúde mental.
O papel do Setembro Amarelo
O Setembro Amarelo é uma campanha de conscientização sobre a prevenção do suicídio, que acontece durante todo o mês de setembro.
O objetivo é abrir espaço para o diálogo sobre saúde mental, quebrar tabus e oferecer apoio a pessoas que estejam passando por momentos difíceis.
A cor amarela foi escolhida como símbolo porque representa luz, vida e esperança, reforçando a mensagem de que buscar ajuda é sempre um caminho possível.
A campanha começou em 2015, no Brasil. Ela foi criada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).
O que inspirou o setembro amarelo?
A inspiração veio dos Estados Unidos, onde, em 1994, a história de um jovem chamado Mike Emme marcou o início do movimento. Ele tinha apenas 17 anos quando tirou a própria vida e ficou conhecido pelo carro que possuía, um Mustang amarelo. Em sua homenagem, amigos e familiares distribuíram cartões com fitas amarelas e mensagens de apoio, que acabaram se tornando símbolo da causa.
Desde então, o Setembro Amarelo vem crescendo e ganhando espaço em todo o país, com prédios e monumentos iluminados de amarelo, além de campanhas educativas em escolas, empresas e mídias.
A data mais marcante do mês é 10 de setembro, o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, que reforça a importância de falar sobre o tema e de oferecer redes de apoio para salvar vidas.
Leia também: Como participar de grupos de apoio e iniciativas de saúde mental nas universidades
Como olhar para a saúde mental de jovens profissionais
Combinando o que sabemos sobre a Geração Z, sobre os determinantes do mercado de trabalho, e os limites atuais de campanhas como o Setembro Amarelo, fica claro que o momento exige ação integrada, especialmente em três frentes:
-
Prevenção ativa no trabalho
Empresas e organizações precisam incorporar saúde mental como parte das políticas de gestão de pessoas. Isso inclui:-
Oferta de apoio psicológico ou serviços de assistência mental para colaboradores;
-
Treinamento de líderes para identificar sinais de sofrimento emocional;
-
Respeito ao tempo pessoal, limites claros de carga de trabalho;
-
Iniciativas que promovam propósito, reconhecimento, desenvolvimento, sentido no trabalho.
-
-
Estrutura pública de saúde mental
Para muitos jovens, recorrer ao SUS (no Brasil) ou ao sistema público de saúde do seu país é a alternativa. É preciso que haja recursos suficientes, profissionais capacitados, políticas integradas que articulem prevenção, diagnóstico, tratamento e suporte contínuo. -
Educação e cultura de diálogo
Quebrar o tabu de falar sobre ansiedade, depressão e outros transtornos. E isso pode ser feito, por exemplo, com a inclusão de programas de educação emocional no ambiente escolar, nas faculdades e nos locais de trabalho. Além do estímulo a conversas abertas e a planos de saúde mental. -
Regulação e políticas públicas
Regulamentar jornadas de trabalho, contratos, garantir segurança no emprego ou nos direitos do trabalhador, financiamento de saúde mental, investimentos em infraestrutura de tratamento, legislação de prevenção ao suicídio, formação de protocolos de urgência para saúde mental podem ajudar. -
Ações colaborativas
Setembro Amarelo é um ponto de partida, mas o ideal é que suas ações sejam parte de uma rede de iniciativas contínuas, que sejam percebidas todos os dias. Empresas, governos, sociedade civil, mídia, organizações de saúde mental, escolas devem estar unidos nesse sentido.
Saúde mental no centro do debate
Para a Geração Z, o Setembro Amarelo aponta para uma necessidade estrutural: repensar como estruturamos políticas públicas, empresas e organizações para que cuidar do emocional seja tão natural e prioritário quanto cuidar da produtividade.
O futuro do trabalho depende de jovens profissionais não apenas sobrevivendo, mas prosperando. Ou seja: sendo capazes de garantir não só seu rendimento econômico, mas também sua saúde, seus relacionamentos, seu sentido de vida.
Ignorar isso é correr o risco de ver a saúde mental se tornar um gargalo para inovação, coesão social e crescimento sustentável.