Sua Santidade Tenzin Gyatso é o atual Dalai Lama, líder espiritual do budismo tibetano (e, no caso, também o líder do Governo Tibetano no Exílio). No ano passado, se juntou a Rasmus Hougaard, fundador e diretor administrativo da Potential Project, uma empresa global de liderança e desenvolvimento organizacional, e coautor do livro “The Mind of the Leader: How to Lead Yourself, Your People, and Your Organization for Extraordinary Results”, para escrever um artigo na Harvard Business Review sobre as qualidades mais valiosas em um líder (e por que o são).
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Confira, abaixo, a tradução livre do Na Prática. O original, em inglês, você pode conferir aqui.
O Dalai Lama: por que os líderes devem ser cuidadosos, altruístas e compassivos
Nos últimos quase 60 anos, estive em contato com muitos líderes de governos, empresas e outras organizações e observei como nossas sociedades se desenvolveram e mudaram. Estou feliz em compartilhar algumas de minhas observações, caso outros possam se beneficiar com o que aprendi.
Os líderes, em qualquer campo em que trabalhem, têm um forte impacto na vida das pessoas e na forma como o mundo se desenvolve. Devemos lembrar que somos visitantes deste planeta. Estamos aqui há 90 ou 100 anos no máximo. Durante esse tempo, devemos trabalhar para deixar o mundo um lugar melhor.
Como seria um mundo melhor? Acredito que a resposta seja direta: um mundo melhor é aquele onde as pessoas são mais felizes. Por quê? Porque todos os seres humanos querem ser felizes e ninguém quer sofrer. Nosso desejo de felicidade é algo que todos temos em comum.
Mas hoje, o mundo parece estar enfrentando uma crise emocional. As taxas de estresse, ansiedade e depressão estão mais altas do que nunca. A diferença entre ricos e pobres e entre CEOs e funcionários atingiu um pico histórico. E o foco em obter lucro geralmente anula um compromisso com as pessoas, o meio ambiente ou a sociedade.
Considero nossa tendência de nos vermos em termos de “nós” e “eles” como decorrente da ignorância de nossa interdependência. Como participantes da mesma economia global, dependemos uns dos outros, enquanto as mudanças no clima e no meio ambiente global afetam a todos nós. Além do mais, como seres humanos, somos física, mental e emocionalmente iguais.
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Veja as abelhas. Eles não têm constituição, polícia ou treinamento moral, mas trabalham juntos para sobreviver. Embora possam ocasionalmente brigar, a colônia sobrevive com base na cooperação. Os seres humanos, por outro lado, têm constituições, sistemas jurídicos complexos e forças policiais; temos uma inteligência notável e uma grande capacidade de amor e carinho. No entanto, apesar de nossas muitas qualidades extraordinárias, parecemos menos capazes de cooperar.
Nas organizações, as pessoas trabalham juntas todos os dias. Mas apesar de trabalharem juntos, muitos se sentem solitários e estressados. Mesmo sendo animais sociais, existe uma falta de responsabilidade de uns para com os outros. Precisamos nos perguntar o que está errado.
Acredito que nosso forte enfoque no desenvolvimento material e na acumulação de riqueza nos levou a negligenciar nossa necessidade humana básica de bondade e cuidado. Restabelecer o compromisso com a unidade da humanidade e o altruísmo para com nossos irmãos e irmãs é fundamental para que as sociedades, organizações e indivíduos prosperem no longo prazo. Cada um de nós tem a responsabilidade de fazer isso acontecer.
O que os líderes podem fazer?
Serem cuidadosos
Cultive a paz de espírito. Como seres humanos, possuímos uma inteligência notável que nos permite analisar e planejar o futuro. Temos uma linguagem que nos permite comunicar o que entendemos aos outros. Visto que emoções destrutivas como raiva e apego obscurecem nossa capacidade de usar nossa inteligência com clareza, precisamos enfrentá-las.
O medo e a ansiedade facilmente dão lugar à raiva e à violência. O oposto do medo é a confiança, que, relacionada à cordialidade, aumenta nossa autoconfiança. A compaixão também reduz o medo, refletindo uma preocupação com o bem-estar dos outros. Isso, não o dinheiro e o poder, é o que realmente atrai amigos. Quando estamos sob o domínio da raiva ou do apego, somos limitados em nossa capacidade de ter uma visão completa e realista da situação. Quando a mente é compassiva, ela está calma e somos capazes de usar nosso senso de razão de forma prática, realista e com determinação.
Serem altruístas
Somos naturalmente movidos pelo interesse próprio; ele é necessário para sobreviver. Mas precisamos de um interesse próprio sábio, que seja generoso e cooperativo, levando em consideração os interesses dos outros. A cooperação vem da amizade, a amizade vem da confiança e a confiança vem da bondade. Uma vez que você tem um sentimento genuíno de preocupação com os outros, não há espaço para trapaça, intimidação ou exploração; em vez disso, você pode ser honesto, verdadeiro e transparente em sua conduta.
Serem compassivos
A principal fonte de uma vida feliz é a cordialidade. Até os animais demonstram algum senso de compaixão. Quando se trata de seres humanos, a compaixão pode ser combinada com inteligência. Por meio da aplicação da razão, a compaixão pode ser estendida a todos os 7 bilhões de seres humanos. Emoções destrutivas estão relacionadas à ignorância, enquanto a compaixão é uma emoção construtiva relacionada à inteligência. Conseqüentemente, pode ser ensinada e aprendida.
A fonte de uma vida feliz está dentro de nós. Os criadores de problemas em muitas partes do mundo costumam ser bem educados; portanto, não é apenas de educação que precisamos. O que precisamos é prestar atenção aos valores internos.
A distinção entre violência e não violência reside menos na natureza de uma ação particular e mais na motivação por trás da ação. Ações motivadas por raiva e ganância tendem a ser violentas, enquanto aquelas motivadas por compaixão e preocupação pelos outros são geralmente pacíficas. Não vamos trazer paz ao mundo simplesmente orando por ela; temos que tomar medidas para combater a violência e a corrupção que perturbam a paz. Não podemos esperar mudanças se não agirmos.
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Paz também significa não ser perturbado, estar livre de perigos. Relaciona-se com a nossa atitude mental e se temos uma mente calma. O que é crucial perceber é que, em última análise, a paz de espírito está dentro de nós; requer que desenvolvamos um coração caloroso e usemos nossa inteligência. As pessoas muitas vezes não percebem que cordialidade, compaixão e amor são, na verdade, fatores para nossa sobrevivência.
A tradição budista descreve três estilos de liderança compassiva: o pioneiro, que lidera desde a frente, assume riscos e dá o exemplo; o barqueiro, que acompanha os que estão sob seus cuidados e modera os altos e baixos da travessia; e o pastor, que coloca cada um de seu rebanho em segurança diante de si mesmo. Três estilos, três abordagens, mas o que eles têm em comum é uma preocupação abrangente com o bem-estar daqueles que lideram.