Em 2002, o Brasil vivia um momento em que a grande maioria da população não tinha acesso a bancos. À época, segundo pesquisa da FGV, apenas 28% das pessoas tinham uma conta e, consequentemente, o acesso a crédito era muito restrito no país.
Uma década depois, em 2012, mais da metade dos brasileiros (55%) já possuía um relacionamento com bancos. No período, o consumo cresceu, o uso de cartões de crédito explodiu e, de uma hora para outra, os brasileiros se viram em um cenário desconhecido até então: havia uma oportunidade de consumo como nunca antes vista ao mesmo tempo em que quase ninguém tinha acesso a educação financeira.
O resultado, nos anos seguintes, não poderia ser diferente: o brasileiro começou a se endividar e, nos últimos tempos, o cenário piorou devido à crise de Covid-19. No fim de 2021, 70,9% das famílias brasileiras estavam endividadas, 25% delas tinham contas atrasadas e 10,5% não tinha condições de quitar seus débitos, segundo pesquisa da Confederação Nacional de Comércio (CNC).
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Mas a que se devem essas características do Brasil? Para além da crise, o que se pode fazer para evitar o estrangulamento das contas mensais? E mais: como fazer tudo isso no início da carreira em um momento tão complexo?
As questão são complexas e é verdade que há forças que não podemos controlar, como a inflação e o desemprego, por exemplo. Ainda assim, há alguns caminhos para reduzir os efeitos da crise, organizar as contas e quem sabe até traçar metas para o futuro. Quem fala mais sobre isso é o professor Aquiles Mosca, economista professor da FGV. Confira a seguir.
Por que os brasileiros não aprendem sobre organização financeira?
Segundo o professor Aquiles, a educação financeira é um tema que faltou aos currículos escolares historicamente. “É uma matéria que até aparecia nos currículos, mas de forma muito específica, no ensino de matemática”, diz ele.
A falta de crédito e de contato com temas financeiros, para o professor, realmente tiveram impacto no modo como os brasileiros ingressaram na bancarização ao longo do século. Segundo ele, havia uma demanda de consumo reprimido até o início dos anos 2000, uma vez que o dinheiro das pessoas costumava ir somente para as despesas básicas.
Com a maior disponibilidade de crédito e o aumento da renda, gastos com “bens supérfluos” começaram a fazer parte da rotina das pessoas. “O Brasil é o único país do mundo em que as pessoas fazem dívidas para trocar de TV para a Copa do Mundo. A Argentina e a Itália também amam futebol, mas não fazem isso”, exemplifica o professor.
Atualmente, porém, Aquiles diz que a reformulação dos currículos da educação básica estão incluindo a educação financeira em todas as disciplinas, e não somente mais em matemática. Para ele, a discussão é mais humana do que exata na medida em que o consumo tem a ver com objetivos, crenças, preferências e outros fatores que não podem ser contabilizados friamente. “Tudo depende do comportamento das pessoas e das relações delas com a sociedade”, diz ele.
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Aquiles acredita que não existe uma fórmula mágica que sirva para todas as pessoas quando o assunto é organização financeira. Para ele, é preciso que as pessoas façam uma reflexão inicial sobre os exemplos de escolhas relacionadas a dinheiro que elas presenciaram ao longo da vida. Em alguns casos, é possível que a família do indivíduo seja uma boa opção sobre o que não fazer, inclusive.
Nesse sentido, o economista explica que é preciso condicionar essa tão almejada organização financeira a algum objetivo claro, uma meta, que possa ser alcançada em alguma data definida previamente. Guardar dinheiro, para ele, é o método utilizado para alcançar algo em algum momento.
Para o caso das pessoas que entram em dívidas, porém, o professor recomenda que seja feito um levantamento detalhado de todas as despesas da família. Assim, segundo ele, será possível identificar quais são os gastos fixos, que não podem ser evitados, e os gastos variáveis, que dependem se nós escolhermos fazê-los ou não. “Aí está a chave para encontrar uma saída para quitar as dívidas”, complementa.