Anualmente, o presidente dos EUA oferece a Medalha Presidencial da Liberdade para americanos ilustres. É a honra mais alta para civis daquele país. Em 2016, a lista de vinte e uma pessoas incluiu celebridades como Bill e Melinda Gates, Robert de Niro, Ellen Degeneres, Tom Hanks, Diana Ross e Bruce Springsteen, mas foi uma senhora de 80 anos que chamou a atenção.
Trata-se de Margaret Hamilton, cientista da computação e engenheira de software que dirigiu a equipe que criou o código utilizado pelo programa espacial Apollo, que levou o primeiro homem a pisar na lua, em 1969.
Glenn Leibowitz, head de comunicação da consultoria McKinsey na China, fez questão de destacar sua premiação em um post no LinkedIn e contar por que é importante que a cientista ganhe, enfim, o reconhecimento do grande público por sua participação em um dos feitos mais importantes da história da humanidade.
Afinal, o espaço de quase cinquenta anos não torna menos reais as palavras da astrofísica brasileira Thaisa Bergmann ao Na Prática: “Todas as mulheres têm condições de serem boas cientistas”. Confira abaixo:
Em 20 de julho de 1969, minutos antes do pouso histórico que os astronautas do módulo lunar Apollo 11 fariam na lua, os alarmes soaram.
O computador do módulo lunar estava tentando mudar um sistema de radar. Se o sistema permitisse essa troca, a missão precisaria ser abortada e os astronautas precisariam manobrar a espaçonave e retornar à Terra.
Felizmente, um conjunto diferente de instruções assumiu o controle do computador e a missão continuou. O módulo lunar Apollo 11 pousou e o astronauta Neil Armstrong se tornou o primeiro homem a pisar na superfície da lua.
No verão passado, o código de computador dos sistemas responsáveis por levar Armstrong e seu colega Buzz Aldrin à lua foram publicados na íntegra no Github, uma famosa plataforma de código aberto usada por desenvolvedores de software para publicar e editar os códigos uns dos outros.
O código foi desenvolvido no Laboratório de Engenharia de Software do MIT [Massachussetts Institute of Technology] por uma equipe de engenheiros do software liderada por Margaret Hamilton.
Margaret Hamilton ao lado do código do software de voo do Apollo 11 [MIT]
Hamilton foi honrada pela NASA em 2003, quando ganhou um prêmio especial que reconhecia o valor de suas inovações no desenvolvimento do software do Apollo. O prêmio incluía o maior valor financeiro que a NASA havia dado a qualquer indivíduo, de acordo com seu site.
Em 22 de novembro, o presidente Obama premiou Hamilton com uma das 21 Medalhas Presidenciais da Liberdade. A mais alta honraria civil dos EUA é oferecida “àqueles que fizeram contribuições especialmente louváveis aos interesses nacionais e de segurança dos EUA, à paz mundial ou a empreendimentos culturais ou de outra significância, sejam públicos ou privados”, de acordo com a Casa Branca.
Durante a cerimônia na Casa Branca, o presidente Obama disse que Hamilton representa “uma geração de mulheres não celebradas que ajudaram a enviar a raça humana ao espaço”.
De fato não celebradas.
Desde a infância, os únicos nomes que associei com o primeiro pouso na lua são Neil Armstrong e Buzz Aldrin. Eles foram – e ainda são – os nomes instantaneamente reconhecíveis de um esforço que envolveu até 400.000 pessoas, de acordo com o site da NASA.
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Hamilton e Apollo 11 [reprodução]
Até ler a história da publicação do código de computador do Apollo 11 no Github, um artigo no Quartz publicado durante o verão, eu nunca tinha ouvido falar de Hamilton. Talvez as pessoas encarregadas de fazer a seleção do prêmio esse ano na Casa Branca tenham visto a mesma história e decidido reconhecer suas conquistas esse ano.
O fato de que levou quase meio século para que a contribuição de Hamilton ao programa espacial da Apollo 11 fosse reconhecida indica um problema maior que as mulheres enfrentam nos campos de ciências da computação e engenharia: há uma lacuna entre gêneros séria que só tem piorado com o tempo.
De acordo com estatísticas compartilhadas pelo Girls Who Code, 37% de todos os formados em ciências da computação em 1984 eram mulheres. Hoje, são apenas 18%. Até 2020, 1.4 milhões de empregos estarão disponíveis em campos relacionados à computação nos EUA, mas as mulheres estão a caminho de preencher apenas 3% dessas posições.
Não faltam programas em anos recentes que têm como objetivo atrair garotas para as ciências da computação, como programas de STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) em escolas americanas.
Como parte de uma iniciativa ampla, muitas escolas agora ensinam habilidades básicas de programação graças a linguagens de código divertidas e visuais como Scratch. Diversos programas excelentes como o Girls Who Code apareceram em anos recentes e focam em ensinar às garotas os fundamentos da ciência da computação.
Além desses programas, no entanto, as garotas precisam de mais exemplos visíveis, mulheres que podem lhes servir de inspiração para imaginar possibilidades de carreira e vida diferentes.
Minha filha de 10 anos já ouviu falar de Neil Armstrong, mas que livro escolar ou site ensina a ela e outras garotas sobre Margaret Hamilton, que não apenas escreveu o código que ajudou a colocar os primeiros homens na lua mas também é creditada como pioneira da indústria de software?
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Ou sobre mulheres como a falecida Admiral Grace Hopper, conhecida como “a primeira dama do software” por seu trabalho pioneiro de programação de computadores dos anos 1940 aos 1980. Hopper inventou o primeiro compilador de linguagens de programação de computador e promoveu a ideia de linguagens de programação independentes de máquinas, que levaram ao desenvolvimento do COBOL – uma das primeiras linguagens de programação de alto nível.
Seu trabalho inspirou a fundação da maior organização do mundo de mulheres de tecnologia, o Grace Hopper Celebration of Women in Computing. Hopper foi uma dos 21 premiados com a Medalha Presidencial de Liberdade – e uma de apenas duas pessoas que já a receberam postumamente.
Hamilton estudando na biblioteca [Smithsonian]
Ao premiar essas duas mulheres impressionantes, o presidente Obama finalmente reconhece o papel crucial que essas mulheres tiveram nos campos de exploração espacial e ciência da computação.
Mas isso não é suficiente.
Além das aulas de ciências, tecnologia, engenharia e matemática que meninas como minha filha devem ter, educadores precisam garantir que garotas (e garotos) também estudem histórias inspiradoras como as de Margaret Hamilton, Grace Hopper e muitas outras mulheres “não celebradas” que estão mudando nosso mundo.
Isso, porém, pode levar um tempo. Então enquanto esperamos escolas atualizarem seus livros e sites, os pais deveriam começar a compartilhar essas histórias com suas crianças hoje. Nossas crianças precisam aprender como o “pequeno passo para um homem” de Neil Armstrong foi possibilitado – em grande parte – por uma mulher.
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Artigo originalmente publicado no LinkedIn.