Algumas mudanças de carreira são planejadas a longo prazo, com cursos preparatórios e muita pesquisa. Esse não é o caso de Lucas Ferreira, tanto é que ele foi fazer uma entrevista procurando uma vaga para redator publicitário e acabou conseguindo um posto na cozinha de um restaurante em Portugal. E ele saiu feliz da vida com o novo emprego, optando por seguir a nova carreira como chefe de cozinha a partir desse momento. A seguir, veja como foi essa mudança de carreira:
Trajetória
A publicidade foi um caminho natural para Lucas, já que tanto seu pai quanto sua mãe trabalharam na área. “Sou filho de redatores publicitários. Para mim, viver de escrever sempre foi uma meta e, desde sempre, frequentava redações de jornais e as salas de criação nas agências onde meu pai trabalhava. Desta forma, quando entrei na faculdade, já tinha um projeto bem claro traçado na minha cabeça. Apesar da eterna crise em relação à publicidade e seus fins, que sempre me acompanhou, eu gostava do meu trabalho como redator”, explica ele, fazendo referência à polêmica sobre a relação entre sua função e o consumismo.
A carreira seguia bem e, aos 24 anos, trabalhava em uma grande agência de publicidade em São Paulo. Até que resolveu mudar de ares e buscar sua sorte em Portugal. Lá, por intermédio de um amigo, conseguiu uma entrevista de emprego no Jornal Expresso que mudaria seu destino. “A jornalista era a responsável pelo caderno de gastronomia e ficamos quase três horas conversando sobre comida. Na despedida ela falou que iria me arrumar um emprego, mas que não seria no jornal. Três dias depois eu começava, mais uma vez todo orgulhoso, na cozinha do restaurante Amo-te chiado. Sem experiência alguma, mas com muita motivação! Nunca mais saí da cozinha!”, diz.
Trabalhando na cozinha, ele se encontrou profissionalmente, mesmo diante das dificuldades e de um salário não tão alto fora de sua terra natal. “O meu salário como aprendiz de cozinheiro era suficiente para cobrir minhas despesas e pagar o aluguel que eu dividia com outro cara. Comer eu comia no restaurante, onde ficava desde as 8 ou 9 da manhã até 1 da madrugada. Eu chegava da cozinha as duas da manhã e ficava contando para meus amigos sonolentos curiosidades sobre como limpar uma lula ou a técnica para se cortar uma cebola perfeitamente. Os caras riam. Eu parecia um homem apaixonado, e era. As dificuldades não conseguiam vencer minha vontade de me tornar cozinheiro”, afirma.
Em Portugal conheceu Nicole, sua atual esposa e incentivadora. Trabalharam juntos em Barcelona, na Espanha, e decidiram retornar ao Brasil para abrir um restaurante com algumas economias que fizeram. Mas não seria tão simples assim. “Quando retornamos ao Brasil tínhamos ideia de abrir um restaurante em uma praia mais ao Norte, mas, antes de colocar a ideia em prática fomos roubados. Toda a grana que tínhamos trazido da Europa, que não era muita, estava dentro de um violão. Entraram na nossa casa e levaram o danado. Ficamos quase zerados”, lembra.
Recomeço
Depois do assalto e sem grana para montar o próprio negócio, o casal teve de buscar recursos de outra forma morando em Pipa, no Rio Grande do Norte. Nicole teve a ideia de vender sanduíches na praia. “Esse obstáculo foi determinante, pois os moradores mais antigos aqui na vila nos conheceram de isopor na mão, porta em porta, dia após dia, vendendo nossos sanduíches. Isso ajudou para que as pessoas da comunidade valorizassem o nosso esforço. Muita gente deu a maior força e somos gratos até hoje por isso”, ressalta ele.
Os sanduíches fizeram sucesso e levantaram a verba suficiente para arbir o restaurante Tapas, que já tem mais de dez anos de existência e um público cativo. “O Tapas começou sem funcionários, só eu e a Nicole, numa área de vinte metros quadrados, contando o banheiro e a cozinha. Hoje, ele tem mais de uma década e fizemos um duro e sério trabalho por aqui. Eu e minha esposa estamos lá todos os dias, ela no salão e eu dentro da cozinha. E não tem glamour não! A rotina é dura e sacrificante, mesmo estando a poucos metros de uma piscina natural. Acordar cedo, falar com o peixeiro, contas, fornecedores, problema na internet. Tudo isso tenho de lidar por aqui”, descreve.
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Quando perguntado se a criatividade de publicitário o ajuda na criação dos pratos que serve no Tapas, Lucas é enfático. “O trabalho em um restaurante é para quem gosta, porque é duro em São Paulo ou na praia da Pipa. Isso não muda. Muita gente pode fazer a associação entre a criatividade do cozinheiro e diversas outras profissões que exigem ideias novas constantemente. Mas vou te dizer uma coisa: se o cozinheiro é um artista, ele pinta todos os dias as mesmas telas. Um trabalho de repetição muito mais do que inspiração. O esforço é de precisão”, conta.
Ao comentar a mudança de profissão, Lucas encara como um processo natural. Como se o destino o tivesse guiado para sua paixão, sem que ele tivesse planejado completamente a guinada. “Quando resolvi me tornar um cozinheiro, eu não titubeei nem um segundo e as pessoas que estavam à minha volta sentiam essa energia em mim. Além disso, todos que me conheciam minimamente sabiam da minha paixão pela cozinha. Ninguém estranhou. Meu pai soltou um famoso ‘eu já sabia’. Foi tudo muito natural”, afirma.
Apesar dessa naturalidade, o chefe lembra que o caminho de uma mudança pode se mostrar mais complicado posteriormente. “Mudar de profissão é como parar de fumar. Você decide, dá um passo para o lado e pronto. Mudou. Amanhã não fuma mais. Mas é aí que as dificuldades começam. Como eu disse antes, quem quer de verdade segue o caminho. Pelo menos para mim foi assim”, finaliza.