Muitos mitos cercam os primeiros dias da Apple, companhia fundada em 1976 por Steve Jobs e Steve Wozniak que se tornou uma das mais valiosas do mundo. “Não acredite nos filmes”, disse Wozniak mais de uma vez em sua palestra na HSM Expo, evento em São Paulo.
É certeira, no entanto, a divisão de papeis e personalidade dos dois, que foram melhores amigos por anos. “Jobs era um vendedor nato e sempre quis ser fundador de uma companhia com dinheiro. Era seu objetivo na vida. Eu só quero estar num laboratório inventando e programando minhas coisas.”
Apesar de ser um funcionário honorário da Apple até hoje, ele deixou a empresa em 1981, desiludido com o jeito que os negócios eram tocados – um lado que nunca o interessou. Wozniak é, acima de tudo, um empreendedor. “Empreendedores são as pessoas que têm ideias e querem criá-las e mostrá-las para a sociedade”, resumiu.
Nos anos 1970, quando estudava engenharia na UC Berkeley, na Califórnia, ele se interessou pela mudanças ao seu redor, tanto culturais quanto tecnológicas. “Tínhamos o microprocessador e uma revolução social acontecendo e eu sabia que dali viriam melhorias na educação, na comunicação”, contou. “Então fui para casa, construí um computador em algumas semanas e comecei a circular meus designs de graça e ajudar outros a construírem seus computadores. Eu queria que as pessoas tivessem a motivação.”
O design tinha sido rejeitado pela HP, onde Wozniak trabalhava, cinco vezes. Steve Jobs disse apenas: “Deveríamos começar nossa empresa”. Era o Apple I. “Eu fiz aquilo por diversão”, riu Wozniak, sempre jovial.
O Apple II, primeiro grande hit e vendido às dezenas de milhares, veio um ano depois. Entre 1977 e 1980, ano em que se tornou uma empresa de capital aberto, a receita anual da Apple subiu de US$ 774 mil para US$ 118 milhões.
A invenção mais importante da Apple
Questionado sobre a criação da Apple que mudou sua vida, Wozniak responde rapidamente: “Foram os aplicativos terceirizados”. As fases iniciais de desenvolvimento do iPhone, lançado em 2007, não previam esse tipo de coisa. Com o lançamento da Appstore, no entanto, a empresa resolveu apostar na economia colaborativa e abrir a possibilidade de que outras pessoas desenvolvessem aplicações para o smartphone.
“Daí surgiram coisas que nunca poderíamos ter imaginado”, empolga-se ele, que até hoje desmonta, remonta e conecta sistemas eletrônicos para se divertir. “A Siri foi um app terceirizado e eu achei, no começo, que era só para chamar um táxi! Não entendi – e depois me impressionei.”
Inteligência artificial é um ponto de muito interesse para ele. Machine learning, que está por trás de invenções como a Siri, é um aspecto desse universo. “Pode ser algo muito útil: aqui está algo que conhecemos e eu quero que a máquina faça isso melhor”, fala. “Quero viver num mundo humano e ter uma máquina que me entenda.”
Seja jogar xadrez melhor que um campeão mundial ou dirigir sem um motorista, o processo de machine learning é algo que o empolga. E o desenvolvimento desse futuro segue totalmente em mãos humanas. “São as pessoas que decidem que tarefa o computador deveria executar. Ele não está lá pensando: ‘Hum, o que eu deveria fazer hoje?’”
A importância da curiosidade
Para Wozniak, a curiosidade é fundamental na vida de um empreendedor e deve ser incentivada desde a infância. (Ele sugere que interessados em sua área, sejam eles crianças ou não, adquiram um Raspberry Pi, um computador minúsculo de US$ 25 inventado justamente para incentivar o aprendizado de programação.)
“Eu poderia ter crescido em qualquer lugar e ainda descobriria o que me intrigava”, disse ele, que frequentemente ganhava prêmios de ciência na escola e construía projetos de graça para os outros. “Meu amor por computadores é uma paixão de vida inteira e eu queria criá-los melhor do que qualquer outro ser humano.”
É a mesma curiosidade e busca pelo novo que está por trás da disrupção e das grandes invenções, o santo graal da indústria tecnológica. Para que as empresas não o percam de vista, Wozniak sugere a criação de um novo cargo: Chief Disruption Office (CDO).
“Ele responderia apenas para o conselho diretor e não para o CEO e sua responsabilidade seria buscar novas direções, construir protótipos e ver se sua equipe acha ouro”, disse. “Ele precisa buscar em todos os lugares: o que as pessoas estão fazendo em suas garagens agora?”
Conselhos de empreendedorismo
Na história da tecnologia recente, grandes invenções nasceram justamente em garagens californianas, como o primeiro computador da Apple, o primeiro computador da Microsoft e o começo do Google e da HP.
E como criar um Vale do Silício fora dos EUA? Embora seja o primeiro a dizer que é uma tarefa difícil – em poucas palavras, Wozniak acha que a área deu sorte historicamente –, ele diz que tornar um espaço mais empreendedor passa necessariamente pela oferta de capital.
Por isso, aumentar o número de venture capitalists dispostos a investir em novas ideias é fundamental. “Os governos podem ajudar com incentivos”, opinou.
Mas não adianta ter milhões de reais disponíveis se não houver nada para mostrar. E para criar invenções verdadeiramente incríveis, diz Wozniak, é preciso escutar a si mesmo.
Uma das coisas que ele mais gosta é justamente aconselhar jovens empreendedores. À plateia, ele ofereceu três conselhos atemporais:
1. Construa sua ideia antes de vendê-la
“Se você tem uma ideia, você precisa de alguém para construí-la, como um engenheiro, não só de alguém para fazer o pitch e vendê-la.”
2. Não é preciso ser o pioneiro para dar certo
“Seja o primeiro a fazer um produto de maneira excelente, não o primeiro a fazer.”
3. Escute seu feeling, seu cérebro e seu coração
“Não escute as pesquisa de mercado: você pode estar criando algo que as pessoas ainda não sabem que querem. Eu criei o computador pessoal, Steve Jobs criou o iPhone e Elon Musk criou o carro elétrico da Tesla. Construa um produto tão lindo que você vai quere-lo para si mesmo.”
Aqui, Wozniak contradiz muito do que pregam alguns experts em empreendedorismo: você não deve criar um produto para os outros, e sim para você mesmo. “[Para Steve Jobs] o iphone tinha que ter a elegância e o detalhe de cada coisa do jeito que ele queria. Era um produto que tinha que estar bom para ele, mesmo que depois o mundo virasse a cara”, explica.