Drauzio Varella: ‘O conforto é o seu inimigo’

drauzio varella falando

Drauzio Varella é hoje o médico mais conhecido do Brasil. É também escritor best-seller, com Estação Carandiru. Não bastasse, foi um dos fundadores do cursinho Objetivo, um dos pioneiros no combate à aids no Brasil e por 20 anos dirigiu o serviço de Imunologia do Hospital do Câncer, em São Paulo. Nesta entrevista, o cancerologista fala sobre o estresse permanente no ambiente corporativo, os avanços da medicina, o trabalho voluntário nas prisões e seu último livro.

O brasileiro está cuidando bem da saúde?
Não. Cuidar bem da saúde quando você fica doente não é cuidar da sua saúde. Nós temos uma visão da saúde como obrigação dos outros. O cara engorda 30 quilos, bebe, fuma e, quando passa mal, acha que os médicos precisam resolver.

Quais são hoje os piores problemas dos brasileiros?
A obesidade e o sedentarismo. Atualmente, 48% da população adulta está acima do peso. Qual o resultado? Metade dos brasileiros aos 50 anos é hipertensa. Aos 70 anos, são 70%. É gente dependendo da saúde pública para tratar de pressão arterial e dos problemas que ela gera: ataque cardíaco, insuficiência renal, derrame, diabete e cegueira. Não há sistema de saúde que aguente.

Quais os prejuízos à saúde quando se trabalha demais?
A maioria das pessoas que trabalha muito vive em estresse permanente. Falta tempo para descontrair e para fazer exercício. E a vida sedentária é uma tragédia. Um cara que trabalha 15 horas mal tem tempo de chegar ao trabalho e voltar para casa. Tem gente que me pergunta: como eu faço para fazer exercício? Problema seu. Se você não consegue tirar 30 minutos por dia para fazer exercício, está vivendo errado.

Reprodução (Foto: Reprodução)

Como os executivos podem cuidar da saúde?
Tem de achar um jeito de fazer exercício. Subir a escada, pelo menos. Qualquer escritório tem uma escada. Parar o carro longe, para andar um pouco mais. Lutar contra a preguiça. Você considera que o esforço físico é uma desvantagem, mas é o conforto que é o seu inimigo. Ao contrário de outras máquinas, o corpo humano não se desgasta com o exercício físico, ele se aprimora. A circulação fica mais eficiente, oxigena melhor os tecidos, o coração, o cérebro. Ajuda a ter uma função cognitiva mais completa. O segundo conselho é não comer tudo o que lhe oferecem.

Como aliviar o estresse?
Fazer meditação e ioga pode ajudar alguns. Para quem não quer isso, a única alternativa é exercício. O estresse é um mecanismo sem o qual nós não estaríamos conversando agora. Se você dá de cara com um animal no meio da floresta, reage por causa do estresse. O problema do estresse moderno é que você não encontra um animal na floresta. O estresse é permanente. Ao fazer exercício, você libera diversas substâncias que dão a sensação de paz e tranquilidade que falta no mundo moderno.

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O trabalho pode se tornar um vício?
Ele pode se tornar uma compulsão. Acontece muito. Você vê gente para quem a vida só tem sentido no trabalho. Tem aqueles que têm compulsão por compras, por jogo, pela internet. As compulsões têm mecanismos muito semelhantes, que são mecanismos de recompensa, em que você aposta e tem a recompensa imediata. É isso que causa dependência.

Isso pode ser tratado com remédio? A medicina não sabe como tratar compulsões. Não sabe tratar usuário de droga, nem alcoólatra. Quem mais cura alcoólatra no Brasil? Os Alcoólicos Anônimos. Se um grupo de autoajuda cura mais do que a medicina, é porque a medicina está mal.

Que grandes avanços da medicina veremos no futuro? O que teremos serão tratamentos muito mais específicos. Não tem cabimento fazer quimioterapia que funciona só em 40% dos casos. Teremos medicamentos adaptados ao organismo dos pacientes e especialmente ao mecanismo que está na origem da doença. Será possível tratar com o mesmo remédio enfermidades muito diferentes, como câncer, artrite reumatoide e lúpus, porque o mecanismo a ser atacado é o mesmo.

O senhor faz trabalho voluntário em prisões há 23 anos. Como isso começou? Foi no Carandiru, quando fui fazer um filme sobre aids, em 1989. Quando entrei lá fiquei muito interessado por aquele ambiente. Testamos os presos e verificamos que 17,3% estavam infectados pelo HIV, principalmente porque usavam cocaína injetável. Eu me interessei por fazer um trabalho educativo com eles, me envolvi, acabei atendendo doentes e fui ficando. Quando o Carandiru fechou, passei para outras penitenciárias.

O senhor já publicou o best-seller Estação Carandiru, acaba de lançar o livro Carcereiros e está escrevendo mais um. Ele vai se chamar As Prisioneiras. Quero mostrar como funciona uma cadeia de mulheres. Quando uma mulher é presa, o marido larga, o namorado esquece e a mãe desaparece. Se a mãe tem um filho e uma filha presos, ela vai visitar o filho, mas não a filha.

O senhor foi um dos fundadores do Objetivo… Eu cursava a faculdade de medicina da USP e dava aula num cursinho. Naquela época, os cursinhos terminavam em dezembro e só voltavam em fevereiro. Eu e o Di Genio [João Carlos, atual dono do Objetivo], que também estudava na USP e dava aulas, tivemos a ideia de fazer um cursinho de férias. Eu dei o nome de Objetivo, porque era para o curso ser objetivo. No dia em que abrimos as inscrições, cheguei às 8h e tinha uma fila de umas 400 pessoas. Nós tínhamos só duas salas para 50 alunos. Eu liguei para o Di Genio e perguntei: ‘somos só dois, como vamos dar aula para tantos?’. Ele me disse: ‘matricula todo mundo e depois damos um jeito’. Daí você vê a cabeça do empresário. Foi assim que começou o Objetivo. Continuei dando aula lá por 16 anos, mas fiz bem em sair. Não teria dado certo, eu teria me frustrado. Nunca pensei em fazer outra coisa além da medicina.

 

Este artigo foi originalmente publicado em Época Negócios

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