O ano de 2023 promete ser histórico para a ciência médica brasileira.
No primeiro semestre de 2023, uma equipe liderada pelo pesquisador Luiz Fernando da Silva Borges, em parceria com a rede pública de saúde, deve realizar os primeiros testes clínicos de uma tecnologia que vai possibilitar a comunicação entre médicos e pessoas em estado de coma.
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A inovação, criada a partir da associação entre tecnologias de machine learning e eletroencefalograma, advém de estudos e pesquisas do jovem brasileiro que começaram no quarto de sua casa, em 2017, na cidade de Aquidauna, no Mato Grosso do Sul.
Ao lado dele, participam do projeto os também cientistas Lucas Galdino Bandeira dos Santos, doutorando em Psicobiologia (Laboratório de Eletrofisiologia da Visão) na Universidade Federal do Rio Grande no Norte (UFRN), e Felipe Nuti, mestrando em ciência da computação pela Oxford University.
A ideia é que a nova técnica permita que o médicos façam perguntas aos pacientes em coma e consigam obter respostas a partir de suas ondas cerebrais – captadas e decodificadas por duas máquinas que, até hoje, nunca haviam trabalhado juntas.
“O impacto que isso vai ter quando der certo é gigantesco”, avalia Luiz. “Pela primeira vez, do ponto de vista médico, você vai poder fazer perguntas que podem aliviar o sofrimento de uma pessoa”.
O método de Luiz Borges deve servir para suprir as limitações do atual método utilizado na medicina, no qual a classificação do coma leva em conta apenas responsividade motora. Isso porque, até então, os médicos definem se uma pessoa está em coma sem detectar respostas no órgão onde ela começa: o cérebro humano.
Alguns quadros clínicos, no entanto, impedem que o paciente responda aos estímulos, mesmo ouvindo e percebendo o que acontece à sua volta. Alguns traumas, como os provocados por um Acidente Vascular Cerebral (AVC), por exemplo, impedem que as pessoas mantenham os movimentos.
Em todas as partes do mundo, pessoas entram em coma diariamente por uma série de razões. Traumatismos cranianos, AVCs e até afogamentos, por exemplo, podem levar a esse estado no qual o paciente está vivo, mas sem funções motoras.
Em outro ponto, considerado de extrema importância para Luiz, está a dor das famílias, que, muitas vezes, ficam sem respostas sobre a consciência dos seus familiares.
“Do ponta de vista humanístico, existe o fato de você estabelecer o mínimo de dignidade de poder estar naquele estado, completamente paralisado, preso em uma prisão exatamente do tamanho do seu corpo, e poder dizer que você está lá”, explica o pesquisador. “Muitas pessoas foram do estado de completa paralisia, sem conseguirem dizer para seus familiares que estão os ouvindo, para a morte. Elas morreram, e seus últimos instantes em vida foram de extrema agonia porque elas simplesmente não conseguiam dizer que estavam lá.”
Como a técnica funciona na prática
Segundo Luiz, a tecnologia para fazer eletroencefalograma é hoje uma das menos invasivas para medir a atividade cerebral humana. Com ela, basta que os médicos pluguem pequenas moedas no couro cabeludo do paciente e que as liguem a uma máquina a partir de um conjunto de eletrodos. O método, explica o cientista, é capaz de medir as ondas cerebrais dos pacientes e, a partir das alterações, detectar uma série de doenças neurológicas.
A premissa da técnica de Luiz é manter a utilização do eletroencefalograma para medir ondas cerebrais, mas atrelar uma ferramenta de machine learning para compreender padrões de ondas para diferentes tipos de pensamento.
Segundo o cientista, cada pensamento, imaginação ou sentimento produz ondas cerebrais diferentes. Nesse caso, cada pensamento específico, portanto, repetido uma quantidade razoável de vezes, pode estabelecer um padrão capaz de se tornar um sinal ou uma mensagem específica.
Por exemplo: os médicos podem pedir a um paciente que ele imagine que está abrindo a mão esquerda e direita por pelo menos 30 vezes cada. Ao captar o padrão da onda cerebral criada com esse pensamento, esse padrão pode se tornar uma mensagem. A onda corresponde a “abrir e fechar a mão esquerda” poderia significar “sim”, por um lado, enquanto que a onda produzia pelo estímulo cerebral de “abrir e fechar a mão direita” poderia significar “não”.
De modo geral, no fim das contas, seria possível criar uma linguagem simples que possibilitasse aos médicos fazer perguntas ao pacientes e obter respostas a partir de diretamente do cérebro humano.
“Se acertamos perguntas pessoas dentro de uma certa margem de erro, como 7 de 10 perguntas, nós acreditamos que estatisticamente isso tem um grande nível de certeza”
Os próximos passos
A ideia de Luiz é, sem dúvidas, fazer história neste ano.
Entre março e maio, segundo os acordos fechados, os primeiros testes clínicos em um paciente real serão realizados em um grande hospital da rede pública de saúde.
“Minha grande meta é que, no primeiro semestre de 2023, uma pessoa acreditada estar em coma ou em estado vegetativo vai contar pro mundo e pra sua família que ela está lá”, projeta o jovem.
A expectativa para que seu método se torne um produto, porém, e que chegue aos hospitais do país, é freada por obstáculos distantes do laboratório.
“Fazer hardware médico no Brasil é difícil, burocrático e caro”, avalia Luiz. “É uma montanha de dinheiro, de tempo, de equipe qualificada e mais tempo para questões regulatórias para viabilizar essa tecnologia como um produto. Mas minha intenção é que isso chegue às pessoas.”
Luiz acredita que a viabilização mercadológica do seu método poderia ser feita com uma empresa parceira ou, quem sabe, criando sua própria. Ainda assim, o jovem não pensa muito no negócio. Para ele, desenvolver pesquisa científica que muda a vida das pessoas é seu grande objetivo de vida.