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“Não pensamos em empreendedorismo como uma habilidade que pode ser ensinada nas escolas e acredito que seja hora de mudar essa imagem.”
Essa é a principal crença de Saras D. Sarasvathy, a mulher por trás da effectuation, uma lógica de ação empreendedora que se espalhou pelo mundo. O termo poderia ser livremente traduzido para efetuação, o ato de realizar as coisas, e também é uma das ferramentas abordadas no Laboratório, curso de formação de lideranças do Na Prática.
Em uma aula recente transmitida no Brasil pela Aliança Empreendedora, Sarasvathy, que é professora da Darden School of Business, na University of Virginia, explicou que a lógica da efetuação é o oposto da lógica causal, o modelo padrão do mundo dos negócios.
Neste último, uma trajetória de sucesso exige ter uma ideia brilhante, mostrar que há um mercado, criar um ótimo plano de negócios, captar investimento, fazer o negócio crescer e prosperar e, por fim, vendê-lo ou abrir o capital. Em resumo, se essa previsão do futuro estiver errada e um dos passos fracassar, os outros também desaparecem.
Na lógica de effectuation, a ideia é controlar um futuro imprevisível. Como isso é possível? Ao se cocriar o futuro ao invés de tentar prevê-lo, explicou ela.
A estrutura de Sarasvathy é básica e vai muito além do empreendedorismo, podendo envolver qualquer projeto na carreira: é preciso usar o que está sob seu controle (quem é você, o que você sabe, quem você conhece, que recursos tem) para criar ideias factíveis em parceria com quem se interessar.
Em seguida, as ideias são colocadas em prática investindo somente aquilo que o empreendedor pode perder, o que torna um potencial fracasso mais palatável. São as chamadas perdas acessíveis.
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A professora usa a cozinha como analogia. Segundo a lógica causal, se quiser cozinhar, é preciso primeiro escolher o prato, depois comprar os ingredientes e instrumentos necessários e então acender o fogão.
O outro jeito é ver o que tem na geladeira e pensar no que dá para fazer. Se a pessoa não souber nada sobre cozinhar – ou seja, se não souber nem o básico sobre como montar um negócio –, as chances de dar errado são altas.
Se souber um pouco sobre o assunto, ela vai conseguir fazer o que queria. Pode não ser exatamente do jeito que imaginou e pode exigir mudanças, mas será algo diferente. E ela só usou os ingredientes que já tinha em casa.
“Não se trata de aumentar as chances de sucesso, mas de diminuir o custo do fracasso para que você possa tentar muitas vezes”, resumiu a professora. “E se você tiver sucesso, há uma boa chance de ter criado algo novo.”
Origens
A ideia do lógica de effectuation surgiu quando Saravasvathy, uma cientista cognitiva, fazia sua pós-graduação na instituição Carnegie Mellon.
Ela era orientada por Herbert Simon, vencedor do prêmio Nobel de Economia, e tinha um projeto de tese ambicioso: entrevistar empreendedores bem sucedidos e entender como eles encaravam problemas.
Vinte e sete deles – pessoas com mais de 15 anos de experiência que tinham fundados diversas empresas e aberto o capital de pelo menos uma – aceitaram participar da pesquisa, que envolvia entrevistas, um case de estudo de uma startup e uma série de decisões hipotéticas que precisavam ser tomadas.
Saravasvathy descobriu que eles eram ótimos de improviso, sabiam lidar com surpresas, tinham objetivos que permitiam flexibilidade e estavam sempre usando seus recursos de maneira criativa. Basicamente, sabiam fazer as coisas acontecerem.
As descobertas viraram um livro, Effectuation: Elements of Entrepreneurial Expertise, em que a autora explica teoria e técnicas em ambientes de controle não preditivo, e passaram a ser refinadas e difundidas pelo mundo.
“Algumas teorias dizem que empreendedores são, de algum jeito, diferente de nós”, disse ela em uma TEDx Talk, em 2010. “Minha teoria é que excelentes empreendedores não começam com ideias brilhantes ou insights e previsões extraordinárias. Eles começam como eu ou você poderíamos começar: com quem são, o que sabem e quem conhecem.”
Como funciona o effectuation
Os princípios de effectuation são cinco – pássaro na mão (bird in hand), perda acessível (affordable loss), manta de retalhos (patchwork quilt), limonada (lemonade) e piloto do avião (pilot in the plane) –, e servem para guiar o pensamento do empreendedor.
1. Pássaro na mão: comece com o que tem
“Comece com o que está na sua mão: quem é você, o que você sabe, quem você conhece? O que aprendeu, que recursos tem, qual é sua rede de contatos?”
Durante sua palestra na aula global, Sarasvathy usou a criação do Airbnb para mostrar cada parte na prática.
O “pássaro na mão” do Airbnb veio em 2007, quando os fundadores Brian Chesky e Joe Gebbia, que moravam juntos, estavam tendo problemas para pagar seu aluguel em São Francisco.
Notando que uma conferência de design tinha lotado os hotéis nos arredores, eles tiveram a ideia de cobrar por um espaço dentro da própria casa. Com três colchões de ar e a promessa de um café da manhã fresco por US$ 80, nascia o Airbed & Breakfast.
2. Perda acessível: gaste só o que puder
“Não perca mais do que pode perder e pergunte-se: o que eu posso fazer?”
Chesky e Gebbia investiram pouquíssimo na empreitada: só precisaram do colchão e de alguns ingredientes.
Não houve plano de negócios nem visitas a investidores, só um website simples – o que faz sentido, já que o problema que tinham era justamente falta de verba.
3. Manta de retalhos: forme parcerias
“Trabalhe com todo mundo que quiser vir.”
Depois, chegou a hora de provar que a ideia tinha mercado. A situação inicial, compreensivelmente, não era promissora: quem pagaria para dormir na sala de um estranho?
Acontece que, num mundo com quase oito bilhões de pessoas, há gosto e necessidade para tudo. Surgiram os primeiros três clientes e a dupla percebeu que a ideia poderia crescer.
Sem experiência com programação, eles convidaram um amigo, o engenheiro Nathan Blecharczyk, para participar da ideia e criar um website mais sofisticado.
4. Limonada: lide com contingências
“É como diz o ditado: quando a vida te dá limões, faça limonada. Você terá muitas surpresas, então trabalhe com elas.”
Em idos de 2008, a ideia exigia mais dinheiro para se desenvolver e a dupla deu um jeito criativo no problema.
Aproveitando a corrida presidencial americana daquele ano, eles decidiram arrecadar fundos e simultaneamente marcar sua presença nacionalmente durante a convenção nacional do partido democrata.
Para chamar a atenção e arranjar fundos, compraram mil caixas de cereais genéricos, personalizaram com desenhos dos dois candidatos, Barack Obama e John McCain, e foram até Denver, onde acontecia a convenção, para vendê-las por US$ 40 cada.
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Era a primeira eleição de Obama, que o transformou em uma celebridade global mesmo antes da vitória, e o evento tinha lotado os hotéis da cidade – uma oportunidade perfeita para oferecer outros colchões e listar novas residências na plataforma.
Voltaram com US$ 30 mil dólares, presença na mídia e algumas caixas de sobra, que serviram de alimento pelos próximos meses.
Em 2009, ainda lutando para sobreviver e um pouco mais atraentes, conseguiram uma vaga em uma aceleradora de startups, a Y Combinator, reduziram o nome para Airbnb e se dedicaram a refinar o conceito.
5. Piloto do avião: controle, não preveja
“Foque em atividades sob seu controle e cocrie o futuro.”
O Airbnb agora tinha diversas casas cadastradas e era suficientemente interessante para investidores para ganhar capital de alguns fundos de peso, como o Sequoia Capital. O que ele ainda não tinha ainda uma clientela crescente.
Em 2010, três anos após a ideia original, Chesky e Gebbia foram a campo em Nova York – “gastaram a sola do sapato e não dinheiro”, destacou Sarasvathy, aprovando a iniciativa –, onde conversaram com parceiros e usuários pré-existentes e potenciais.
O objetivo era construir esses relacionamentos e entender o que fazer para deixar as pessoas confortáveis listando suas moradias e fazendo reservas no site. (Chesky já tinha passado alguns meses morando exclusivamente em casas do Airbnb e o feedback foi extremamente útil.)
Foi em Nova York que tiveram a grande sacada: fotografar profissionalmente, eles mesmos, cada um dos espaços na cidade e deixá-los mais atraentes.
Logo notaram que esses apartamentos tinham entre duas e três vezes mais reservas. O Airbnb disponibilizou então uma equipe gratuita de vinte fotógrafos para todas as moradias listadas na plataforma, o que fez com que os clientes se interessassem muito mais e o negócio crescesse 800% em um ano – assim como os investimentos, agora na casa dos milhões.
Dez anos depois da ideia inicial, o Airbnb é um unicórnio, termo utilizado no Vale do Silício para descrever startups com avaliações bilionárias. Atualmente, ele é avaliado em 29,3 bilhões de dólares.
Effectuation e inovação
Ao final da palestra de Sarasvathy, uma aluna trouxe uma dúvida: se todo mundo seguir a mesma trilha, como um empreendedor poderia evitar se perder num mar de mesmice?
A resposta da professora revelou a simplicidade eficaz da ferramenta. “Você terá uma variedade porque o ponto inicial [o pássaro na mão] sempre será diferente e pessoas inesperadas vão se juntar à ideia e participar do processo”, disse.
Nessa segunda fase, em que há outros participantes, o ato de empreender se torna coletivo – quem somos nós, o que nós podemos fazer, quais são nossos recursos – e novas oportunidades se abrem.
Ou seja, o effectuation funciona também como uma maneira de potencializar a inovação em larga escala. “A inovação está dentro do processo porque você e todas as outras pessoas são únicas e é assim que criamos coisas novas.”
Outro ponto positivo de ver o empreendedorismo sob a luz da effectuation, explicou ela, é desmistificar a ideia do empreendedor de sucesso como alguém solitário, genial ou sortudo e tornar o empreendedorismo como um todo mais acessível e o mundo, mais inovador.
Afinal, se todo mundo é capaz, por que não tentar?