Quando o Snapchat começou, nos arredores da Universidade Stanford, a função de criar fotos temporárias (que desaparecem pouco tempo após serem postadas) era mesma, mas o nome era outro: Peekaboo. Para Juan David Borrero, atual gerente de parcerias que chegou a dividir um apartamento com o fundador da startup Evan Spiegel, a mudança de nome foi uma das primeiras decisões acertadas.
Quase cinco anos depois e às vésperas de um IPO possivelmente multibilionário nos EUA (fontes ouvidas pela Bloomberg estimam que o valor da companhia pode chegar a 40 bilhões de dólares e que o IPO possa levantar 4 bilhões), ele acompanhou o chefe e diretor de parcerias do Snapchat, Ben Schwerin, ao Brasil para conhecer um pouco mais sobre o mercado nacional.
Ambos participaram de um encontro com jovens universitários, promovido pelo Na Prática e mediado por Gabriel Benarrós, bolsista da Fundação Estudar que foi colega de Spiegel em Stanford e fundador da plataforma Ingresse.
Inicialmente um app em que fotos e vídeos desapareciam, o Snapchat é baseado em constantes (e criativas) inovações. Acertou enormemente pela primeira vez em outubro de 2013, quando introduziu as Stories, que possibilitam a criação de uma história fotográfica das últimas 24 horas do usuário. Depois, aumentou seu alcance e sua receita ao introduzir anúncios customizados, que possuem uma taxa de interação cinco vezes maior que cliques convencionais, segundo os executivos.
Leia também: Como funciona a maior aceleradora de startups da América Latina
Na mesma época, recusaram uma oferta de aquisição de US$ 3 bilhões por parte do Facebook. “Éramos jovens, tanto a empresa quanto nós, e isso foi resultado de realmente acreditarmos no produto”, lembra Juan. “Se é algo em que você realmente acredita, não é fácil se despedir.”
Achavam também que talvez não fosse a hora de vender. E estavam certos. Ao longo dos próximos anos, o Snapchat se tornaria uma das maiores companhias de capital fechado do mundo, ao lado de companhias na vanguarda da inovação, como Uber, Xiaomi e Airbnb. A visão da companhia, segundo os executivos ouvidos pelo Na Prática, é que o Snapchat é uma empresa de fotografia, de câmera, e não apenas um app.
Desde então, ganhou desenhos, legendas, filtros (inclusive customizados, que qualquer um pode fazer gratuitamente através do link snapchat.com/geofilters) e se prepara para ir além com os Spectacles, óculos de sol capazes de fazer snaps. São passos em ritmo ágil e determinados por um objetivo: divertir.
Diversão é o ponto
Há quatro anos na empresa, Ben – que é formado em psicologia pela Universidade Cornell e já trabalhou com Bill Clinton e Bono Vox – diz que liderança e cultura fortes foram fundamentais para o sucesso. “Não importa se são engenheiros ou publicitários, os novos funcionários passam algumas semanas conosco em Los Angeles e outra em Nova York”, conta. “Todo mundo mergulha na cultura.”
A cultura em si gira em torno da criação de uma experiência divertida e espontânea para os usuários, que hoje somam mais de 150 milhões, em sua maioria jovens de até 34 anos que chegam a gastar 30 minutos por dia no aplicativo. “Fazemos basicamente coisas que achamos divertidas”, resume, sobre a criação de novas ideias e a forma como a companhia se mantém criativa.
Leia também: ‘Criatividade é a alma do negócio’, diz CEO do Cirque du Soleil
“Somos uma empresa em que o negócio surgiu a partir do produto e não inversamente”, explica Ben, destacando que o fundador Evan Spiegel é formado exatamente em design de produtos. Segundo ele, a ideia sempre foi criar uma experiência divertida para os usuários, e Spiegel já tinha um conceito claro para o produto desde o início. Todo o resto do negócio (processos, estrutura, equipe) foi construído em cima disso, em um processo inverso do que acontece em muitas startups.
Evan Spiegel, fundador do Snapchat [Snapchat]
Spiegel já foi considerado pelo CEO do Twitter, Dick Costolo, como um dos maiores pensadores de produtos da atualidade. E, segundo o próprio Spiegel, o sucesso de seu produto vem exatamente do fato de ser divertido. “Por alguma razão, na hora de construir produtos para mídias sociais, esquecem-se que a principal razão pela qual gostamos de nos comunicar com nossos amigos é porque é divertido”, ele disse, em uma entrevista para a CBS.
Cultura criativa
Para ele, a conformidade é uma das principais vilãs da criatividade: “Uma das coisas mais tristes que acontece com a criatividade … Acho que às vezes ela não é expressada por causa do medo. Todo mundo nasce muito, muito, muito criativo, mas em algum ponto pode ser assustador tentar fazer algo novo, algo diferente”. Despojado e extremamente jovem (ele tem 26 anos), já chegou a questionar porque todo mundo na indústria da tecnologia era “tão sério”.
Na mesma fala, que proferiu para uma pequena audiência durante o Festival de Cannes, ele disse que a pressão por resultados a curto prazo também inibe a criatividade – e isso se torna mais grave ainda no mundo digital, onde tudo é muito rapidamente mensurável.
Leia também: Conheça a Perestroika, escola brasileira que ensina inovação até no Vale do Silício
“Uma das partes mais difíceis das mídias sociais é que são tão quantificadas, que existe essa pressão real para fazer algo que vai ter apelo com o maior número possível de pessoas. Não tenho muita certeza sobre a relação disso com criatividade, mas acho que a maior parte do tempo ser criativo é fazer coisas incomuns, inesperadas e não imediatamente percebidas como populares”, disse. Durante seis meses, ele revelou, pouquíssimos usuários utilizaram o recurso das ‘stories’.
Juan e Ben, os dois executivos que participaram do encontro promovido pelo Na Prática, pareciam saber muito bem se divertir. Também bastante jovens e casuais, os dois confessaram rindo que o evento, marcado para começar às 8h da manhã, era um dos compromissos mais cedo de que tinham participado na empresa.
Tiago Mitraud e executivos do Snapchat em evento do Na Prática [NP]
Conselhos para os jovens
Juan, que começou na empresa fazendo “o que precisasse” (condição que acaba sempre envolvendo tarefas aleatórias como pedir almoços e enviar senhas por email), reconhece que a própria juventude da equipe às vezes é um obstáculo – como para muitos outros jovens empreendedores.
“Ainda há desconfiança quando eu, um moleque de 26 anos com cara de 19, entro numa sala com alguém que tem décadas de experiência em sua área e falo que as coisas têm que ser feitas de maneira diferente”, conta. “Mas explicar porque fazer diferente é uma das coisas mais emocionantes. Ser capaz de olhar para trás e apontar o que você já fez é realmente o ponto chave, então não desanime.”
Entre as preocupações da equipe está justamente o que trará o futuro. “Qual é a próxima grande coisa que alguém de 19 ou 20 anos vai inventar? O que vocês estão pensando aqui? Me contem!”, riu Juan.
Para a dupla, não há nada que substitua o trabalho duro. “Seja suficientemente motivado para construir e resolver as coisas e mantenha uma mente aberta”, resume Juan. A importância de mentores é outro ponto que destacam. “Encontre alguém que você realmente respeite e com quem possa aprender”, completa Ben. “Cerque-se de pessoas que são mais espertas que você, coloque-se em boas situações e as portas vão aparecer.”
Baixe o ebook: 10 dicas para quem quer empreender