– “Mas e se eu não gostar de gente, o que eu faço?”
– “Cara… trabalha no zoológico”
A anedota é do bem humorado Bernardo Hees, ex-bolsista da Fundação Estudar e sétimo CEO da história de 150 anos da gigante dos alimentos Heinz. Há menos de um ano ocupando o cargo, agora seus desafios prometem ser ainda maiores: a fusão com outra gigante, Kraft, transformará a empresa em The Kraft Heinz Company. Bernardo compartilhou experiências em uma conversa com 60 empreendedores no Encontro dos Empreendedores Endeavor, em Campos do Jordão (SP), dias antes no anúncio da fusão.
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Orgulho e humildade são palavras-chave para o executivo de apenas 45 anos de idade. Ele também já foi presidente da ALL (América Latina Logística) e do Burger King, além de ser sócio da 3G Capital Investimentos, fundada por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira.
Para traduzir a cultura da Heinz em apenas uma palavra, Bernardo escolheu ownership. Claro, em português seriam três palavras: cabeça de dono. E ele mesmo é exemplo disso, por ter chegado ao comando da companhia sem entender praticamente nada do negócio. Por isso, faz questão de exaltar a importância de botar a mão na massa e de ter se cercado de gente boa para ajudá-lo. Nas duas experiências anteriores à frente de grandes empresas, não foi muito diferente: tinha que correr atrás. Ambas acabaram agregando muito à experiência na Heinz, que se tornou seu projeto de vida.
Assista também ao bate-papo do Na Prática com Bernardo Hees
Confira as principais lições dessa inspiradora e descontraída conversa:
1. É preciso disciplina e responsabilidade para entregar o sonho de sua empresa
Quando criança, meu quarto vivia bagunçado. Na faculdade, eu era daqueles que só estudavam em véspera de prova. Não sou disciplinado por natureza, mas me tornei disciplinado. Por exemplo, eu me programo para me adaptar a fuso horários – trabalho, como e durmo no avião. Imagina se vou chegar na Austrália, com 500 pessoas querendo falar comigo, e em vez de atendê-los, eu vou dormir? Eu não posso deixar as pessoas me esperando.
Na 3G, a gente quer ser dono. Nossa visão é perenidade: quando pensamos Heinz, pensamos longo prazo. O Jorge Gerdau sempre diz que o principal agente social de mudança é o empresário. É ele o cara que transforma, toma riscos, não espera para fazer. O empreendedor coloca seus recursos, seu dinheiro e tempo, na linha de frente. Empreender é mudar o ambiente. Por isso eu sinto uma grande humildade para aprender e responsabilidade de construir o sonho da Heinz.
2. Antes de inventar, faça o óbvio e aprenda muito
Eu não entendia nada do negócio quando assumi o Burger King. Meus três primeiros dias como CEO eu passei dentro da loja, sendo certificado. Além disso, a história da rede é uma história de turnaround. A marca estava perdendo espaço no mercado americano e à beira de um colapso financeiro. Chegamos muito rapidamente a um plano de como revolucionar a marca, mas no primeiro ano e meio, só fizemos coisas de bom senso. Ou seja, não inventamos nada, tentamos copiar o que dá certo. Focamos em aplicar um sistema de meritocracia, passar regras claras aos colaboradores, controlar os números, fazer reuniões de performance.
Nosso time era muito pequeno. Fomos a mercado e convenci o melhor franqueado a vender a participação que ele tinha em Chicago e vir assumir o negócio comigo, como presidente para a América do Norte. Quando nós o conhecemos, ele tinha uma lista de 100 coisas que achava que nós fazíamos errado. Quando ele veio ser executivo, perguntamos: “Você ainda tem essa lista? Agora vai consertar!”
Se você assume uma postura em que acha que sabe de tudo e vai entrar em um negócio novo, você já era. Eu olhava para a loja do Burger King na operação, entendendo cada detalhe, com ajuda do franqueado. Eu me cerquei de gente boa e que conhecia o negócio para conseguirmos alavancar. A gente [na 3G] não acredita nisso de comprar uma empresa e deixar pra lá. Temos uma cultura de mão na massa. Na Heinz, a primeira semana foi entender da governança, da estrutura. Na segunda semana, eu estava na fábrica de Freemont, Ohio, sendo certificado como operador de ketchup.
3. Identifique, acredite e invista em gente boa
Gente boa pode fazer coisas extraordinárias. Na prática, isso significa que se o cara é talentoso, ele aprende. O primeiro ponto importante desse cara é ter vontade. Todo mundo tem um tempo de aprendizado, mas se tem que pedir para o cara fazer as coisas, não é bom sinal. Ver um olho brilhando é chave, independente do que seja que a pessoa quer fazer. Errar não tem problema, não pode ter medo de errar. Mas o cara bom, se errar, vai corrigir.
O segundo ponto é mirar as coisas que você pode aprender e melhorar, trabalhar em cima delas e entregar resultados. Vejo muita gente inteligente, capaz, mas que, em algum momento, para de trabalhar e começa a pensar demais no que incomoda. Não pode chegar ao ponto de ficar reclamando do chefe, do mundo… é como estar em um relacionamento e brigar toda sexta à noite, em vez de ir ao cinema. As pessoas boas acham seu caminho. E a gente realmente acredita em gente boa.
4. Aprender com seu negócio é aprender com você mesmo
No sistema de meritocracia, te dão desafios que você não espera. É como a pista ser menor que o avião. Você faz a pista ficar do tamanho certo e te dão um avião maior.
Sou bem crítico e duro comigo mesmo, talvez mais do que eu devesse. Posso ter dado sorte porque, desde a época de estagiário, tive chefes que fizeram avaliações bem claras de mim. Posso não ter concordado no momento com um feedback ou outro, mas depois passei a achar que me ajudava, porque eu pelo menos pensava no que me diziam. Era o caso de perceber, nem que só dois anos depois, que o meu chefe estava certo. É um processo de amadurecimento natural, mas que não tem nada a ver com idade. Reconheça em que você é bom, construa em cima disso e minimize os pontos em que não é tão bom assim. Não tente mudar o que você é. Aprender com seu negócio é aprender com você mesmo.
Na posição de dono, não tem jeito. Estamos liderando e desenvolvendo pessoas, então temos que nos tornar melhores todos os dias.
Este artigo foi originalmente publicado em Endeavor