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Liderança ou autoridade? Professor de Harvard explica a diferença ao Na Prática

Ron Heifetz

O professor Ronald Heifetz ministra um curso (bastante disputado) de liderança na universidade mais reconhecida do mundo: Harvard. Por essas e outras, pode ser considerado um expert no tema.

Foi ele que fundou o Center for Public Leadership da Universidade de Harvard nos anos 2000, quando já tinha quase vinte anos de experiência no assunto e já havia publicado Leadership without Easy Answers (sem edição em português, pode ser traduzido como Liderança sem respostas fáceis), um dos 10 livros mais recomendados da universidade. Desde então, tornou-se referência na “prática da liderança”, frase que ele emprega com frequência.

Para o professor – que é médico, físico e músico – ser um líder não basta. É a prática contínua, em todo e qualquer nível organizacional, que faz a liderança existir. É esse o raciocínio por trás do conceito de ‘liderança adaptativa’, de sua autoria. “Fundei o centro para aprimorar a qualidade e a quantidade da liderança praticada ao redor do mundo para torná-lo melhor”, resumiu. “Meus cursos são de liderança, não apenas sobre liderança.”

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Entre seus muitos ex-alunos estão o secretário-geral da ONU Ban Ki Moon, o ex-presidente colombiano Juan Manuel Santos, premiado em 2016 com o Nobel da Paz, e Tsakhiagiin Elbegdorj, atual presidente da Mongólia. Um deles, Luiz Felipe d’Ávila, trouxe a metodologia ao Brasil e implementou o Centro de Liderança Pública, em São Paulo. “É um centro maravilhoso – você não precisa vir a Boston!”, empolga-se.

Heifetz estará no Brasil no dia 7 de novembro para participar do HSM Expo, maior evento de gestão da América Latina, e conversou com o Na Prática sobre liderança, natureza, eleições e a crise de confiança no cenário mundial.

Na Prática: O que um grande líder tem?

Ronald Heifetz: Coragem, um profundo senso de propósito e a capacidade de aprender publicamente. Isso significa não ter vergonha de aprender em público e entender que o trabalho adaptativo exige tentativa e erro. É como na tecnologia: há a versão 1.0, 1.1, 1.2…

Precisamos ter autoconfiança suficiente para admitir que estamos aprendendo na frente dos outros sem precisar fingir que temos as respostas o tempo todo. É a habilidade de aprender no trabalho e encorajar outros a fazerem isso também.

O sr. vê isso acontecendo? Se uma figura pública muda de ideia, a reação dos outros costuma ser bastante negativa.

Acho que você está descrevendo uma grande limitação que impede pessoas em posições de liderança e autoridade de praticar a liderança. Há uma pressão enorme para agir sempre como o gorila dominante, que bate no peito e sempre sabe onde encontrar comida.

Isso funciona belamente em um ecossistema estável, mas não num ambiente em evolução onde o gorila não sabe o que fazer. Ele precisa então mudar o contrato social e as expectativas dos outros para que eles não apenas confiem no líder ou na líder por não saberem, mas por dizerem que não sabem. E isso exige educar as pessoas para que apreciem as grandes diferenças entre resolver um problema de rotina e um que exige inovação, descoberta e aprendizado social.

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Então deveríamos ensinar liderança na escola?

Sim, poderíamos começar até no ensino fundamental. Queremos que as crianças aprendam não apenas competências sociais de comunicação, resolução de conflitos e negociação, mas também que liderança não é igual a ser a criança dominante – que é possível praticá-la sem isso. Tendemos a crescer equiparando liderança e autoridade e as pessoas que não são dominantes supõe que não é para elas. Assim, muitos cidadãos ficam esperando outros assumirem a liderança. Não acham que é seu trabalho ou que são capazes.

A liderança é uma prática e há muitas pessoas em posições de autoridade que não a praticam e muitas, muitas que a praticam sem autoridade. Pessoas que não esperam ser convocadas, eleitas ou indicadas: elas vêem um problema e assumem a responsabilidade.

Que características terá o líder do futuro?

Há algumas capacidades e habilidades estáveis: coragem, a capacidade de parar para refletir no meio da ação – que exige disciplina psicológica e emocional – e uma paixão por fazer a diferença no mundo, não apenas avançar nele. O que vai mudar serão as habilidades de diagnóstico necessárias para avaliar a natureza dos desafios adaptativos. Os desafios em si evoluem e as comunidades também.

 

O medo aparece com força em muitas das mudanças que estamos passando, como quando se fala das consequências de mudanças climáticas. Como ele influencia o cenário?

O medo, claro, gera suas próprias defesas regressivas e temos visto isso nos EUA em nosso sistema político. Temos um anseio forte pelo arquétipo primitivo do homem forte que pode salvar o dia e salvar a nação das mudanças – seja construindo um muro ou insistindo que não precisamos aceitar uma sociedade multicultural.

Essas mudanças criam um mercado para que as pessoas surjam e falhem em praticar a liderança, mesmo que tenham tudo sucesso na hora de obter uma posição de autoridade.

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E autoridade não necessariamente significa liderança.

É fundamental distinguir entre liderança e autoridade e isso nos dá vantagens para pensar sobre pessoas em posições altas de liderança que falham na hora de liderar.

Assim podemos explicar porque um papel de autoridade lhe dá muito poder e recursos, mas também limita a prática de liderança. Às vezes é mais fácil liderar sem o trabalho do chefe: há mais espaço para fazer as perguntas difíceis e menos pressão.

Podemos também desenvolver pessoas, jovens ou não, para que pratiquem a liderança sem autoridade. Não são apenas os empreendedores que liderarão ao começar novas organizações, mas pessoas que começarem do lado de dentro ou de fora para que a mudança suba pela hierarquia e se espalhe nas quatro direções.

Ou seja, um líder precisa empoderar os outros?

Exatamente. Uma das principais fontes da adaptabilidade que vemos na natureza é a inteligência distribuída. A natureza trabalha tendo uma população diversa, que aumenta as chances de um membro de sua espécie inovar ou começar uma inovação que permitirá que a espécie prospere num novo ambiente.

O trabalho adaptativo, que é diferente da resolução de problemas técnicos, exige a inteligência coletiva. E isso significa que autoridades em posições alta devem fazer as melhores perguntas ao invés de oferecer todas as respostas – e encorajar e proteger as pessoas que fizerem as perguntas difíceis antes que sejam neutralizadas.

O sr. mencionou a importância do equilíbrio emocional e mental e temos visto um número crescente de executivos falarem sobre meditação. O que acha desse tipo de método?

Aplico esse e outros métodos. As pessoas têm muitos jeitos diferentes de administrar o estresse da liderança e manter sua capacidade de distinguir o “eu” do seu papel, de não personalizar as coisas mesmo quando estão sob ataque. Algumas meditam ou rezam, outras vão para a academia ou tomam café com amigos na mesa da cozinha.

Não recomendo nenhuma forma em especial, mas acho muito importante ter algum tipo de santuário e protegê-lo. Se você fosse para Boston, compraria um casaco de inverno! Então, quando praticar a liderança, precisa estar preparado para não ser levado pela correnteza e manter um senso de equilíbrio.

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O Brasil ainda passa por uma grande crise de representação, em que há enorme falta de confiança pública em figuras de liderança política. Como um país pode trabalhar para recuperar essa confiança?

É uma pergunta relevante também nos EUA, quando tanto Donald Trump quanto Hillary Clinton não têm a confiança da sociedade. Tive a oportunidade treinar, ensinar ou aconselhar diversos políticos e eles tem o trabalho muito difícil de renovar a confiança do público. Há enormes tentações relacionadas à corrupção e vivemos num tempo em que o público não tolera mais esse tipo de corrupção – e ao mesmo tempo a alimenta, porque quer tratamento especial para isso ou aquilo.

Então eliminar a corrupção e se tornar uma autoridade digna de confiança é uma das tarefas mais sagradas para líderes nos próximos 20 anos, e isso é muito difícil. Conheço pessoas que não são promovidas no meio político ou corporativo porque não aceitam ou não permitem propina. Acho que é criticamente importante se comportar de maneira íntegra, mas também aconselho as pessoas a fazerem uma transição gradual de um conjunto de normas culturais corruptas para um conjunto mais honesto.

É um grande debate que tenho tido ao longo dos anos e uma grande razão para preparar as pessoas para a liderança desde cedo – para que possam desenvolver as habilidades e se imunizarem contra as muitas tentações que acompanham as altas posições de poder ou riqueza. Precisamos de pessoas que cheguem ao topo e digam: ‘OK, finalmente cheguei aqui e vou mudar as regras do jogo’. E elas precisam ter habilidades para mudar as regras e se manterem vivas politicamente.

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