Seja na esfera política, empresarial ou social, toda geração já quis (e acreditou que podia) mudar o mundo. Não é diferente com os jovens de hoje, que – como apontam diversas pesquisas – acreditam que podem fazer a diferença e deixar seu legado no mundo. Basta passar algumas horas em um campus universitário para entender do que estamos falando: organizações como Aiesec, Enactus, Rotaract, CHOICE e até mesmo o Movimento de Empresas Juniores têm todos em comum a mesma ambição de gerar impacto.
O ato de criar mudanças intencionais está no cerne da Teoria da Mudança, ou Theory of Change, que busca dar suporte e estrutura para quem quer causar impacto social. Simultaneamente ferramenta e mindset (ou ‘maneira de pensar’), a teoria é bastante utilizada para analisar eficácia e viabilidade de projetos sociais, tanto por empreendedores (ajudando também a esclarecer seus propósitos), como por quem financia internacionalmente essas iniciativas, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
As teorias de como influenciar uma mudança são variadas, e é principalmente o jeito de pensar o caminho entre ideia e realidade que muda entre elas. Algumas são eficazes em certos setores, outras não preveem a criação de incentivos ruins e há ainda aquelas que se baseiam em conceitos errados ou preconceitos inconscientes – mas todas concordam com o fato de que processos sociais são complexos.
É aqui que entra a Teoria da Mudança com letras maiúsculas, cada vez mais utilizada. A UNICEF, por exemplo, utilizou-a em seu Plano Estratégico 2014-2017, explicando que com ela é possível desenhar metas mais realistas, esclarecer responsabilidades e estabelecer uma compreensão geral, tanto interna quanto externa, sobre as estratégias que devem ser empregadas para atingir objetivos.
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“Será que nossas ações realmente estão nos levando a resolver o problema que queremos? Ou ainda: qual é o problema que queremos resolver e por que queremos resolvê-lo?”, questiona Morgana Krieger, que há quatro anos adapta o conceito para a realidade brasileira na Ink, um negócio social especializado em gestão de projetos sociais e ambientais e que oferece workshops para empreendedores.
“A Teoria da Mudança vai ajudar a mapear processos de forma bastante estratégica através do estabelecimento de metas, que diz para onde se quer caminhar, quando se chegará lá e o que de fato vai ser entregue”, continua. “Além de possibilitar um monitoramento e avaliação mais realistas, baseados em objetivos, também apoia a organização, programa ou projeto a direcionar seu foco de ação e potencializar o aprendizado.”
Como funciona Craig Valters, pesquisador do Overseas Development Institute e autor de diversos textos sobre o assunto, como este paper introdutório de 2015, compara a Teoria da Mudança à bússola: serve para nortear a empreitada, mas não engessa seu caminho.
Morgana explica que são quatro os conceitos relevantes na hora de começar a trabalhar com a teoria:
1. Identificação do contexto de atuação
Seja do projeto, programa ou organização.
2. Estabelecimento do direcionamento da mudança e potencial sequenciamento
Quais são as atividades, resultados, objetivos e impacto esperados?
3. Exploração de suposições e hipóteses
Por que essa sequência de acontecimentos é factível? Quais são os pressupostos por trás dessa proposta?
4. Acesso a evidências
É preciso verificar se as hipóteses são verdadeiras e se o sequenciamento proposto realmente aconteceria.
Cada um deles exige uma base aprofundada, que deve ser composta por uma combinação de informações, análises e processos. Feedback da equipe e de participantes importantes, pesquisas sobre programas ou políticas públicas na área e opiniões de especialistas são alguns exemplos de como obte-la.
A realidade é complexa e conhecimento é um aspecto crucial. Para desenvolver hipóteses que sejam realistas, é preciso saber como as coisas de fato funcionam – e elas podem mudar a qualquer momento.
[Workshop da Ink sobre Teoria da Mudança / acervo pessoal]
O fluxo constante de informações também legitima a abordagem flexível oferecida pela Teoria da Mudança: quando um empreendedor descobre algo novo que influencia seus objetivos, deve inclui-lo em suas ações e metas. A bússola segue apontando para o norte, mas o jeito de chegar lá pode se transformar.
“Como é uma ferramenta de estratégia e um processo de aprendizado, essa flexibilidade se faz bastante presente: a organização pode buscar as melhores formas de atingir as mudanças previstas, desde que estejam balizadas nos aprendizados anteriores definidos pela própria organização”, fala Morgana.
Princípios Com a base pronta, é possível começar a mapear o terreno. Craig Valter divide a Teoria da Mudança em quatro princípios:
1. Foque no processo de desenvolvimento da teoria
Ele deve ser participativo e baseado em pesquisa. “O importante não é o produto em si – o pacote com a Teoria da Mudança –, mas como se desenvolvem os conceitos e entendimentos por trás dessa teoria”, diz Morgana. Não basta seguir os passos: é preciso que os envolvidos compreendam o que está acontecendo para conseguir utilizar a ferramenta ao máximo e criar uma cadeia de acontecimentos realista, que realmente cause a mudança desejada. Também não adianta fazer um documento e guardar na gaveta: visite-o com frequência para que ele possa seguir evoluindo.
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2. Priorize o aprendizado
O mero ato de implementar uma Teoria de Mudança exige aprofundar conhecimentos, e isso deve ser priorizado – e seguir acontecendo. “As organizações participantes não devem se eximir da busca por esse aprendizado: as oportunidades servirão para aumentar o conhecimento geral e entender como fazer ainda melhor o que fazem e com quem interagem.” Ou seja: sem preguiça!
3. Desenvolva localmente
Quando um projeto ou organização não tem uma Teoria da Mudança pronta, um financiador pode trazer alguém de fora para criá-la quando pensa em investir. É algo a ser evitado. “Ela deve ser construída dentro da organização e seguindo uma vontade própria de compreensão e aprendizado”, resume Morgana. “Pode ser facilitada por uma pessoa externa, mas não deve ser construída por ela.”
4. Pense numa bússola, não num mapa
Para reforçar: a ideia aqui é estabelecer quais mudanças um projeto ou organização quer causar na sociedade e como direcionará seus esforços para fazê-las acontecerem. “Depois que a organização souber o que quer promover, ela pode ter diferentes compreensões de como alcançar essas mudanças e amadurecer ao longo de sua trajetória”, fala ela. “Por isso a Teoria da Mudança serve como direcionamento – onde quero chegar e, a partir disso, refletir sobre as melhores formas – e não como um mapa, que restringe minhas ações a um caminho.”
[No papel, a Teoria da Mudança pode ter várias aparências]
Com o esquema delineado, é possível também desenvolver indicadores quantitativos ou qualitativos em cada nível da sequência, sejam ações diárias ou grandes metas, tornando o sistema mensurável e objetivo.
Impacto Foi justamente a capacidade de unir diferentes perspectivas e maneiras de pensar que fez com que a Ink passasse a aplicar a teoria em suas capacitações sobre estratégias de impacto no Brasil. “Toda a organização se fortalece ao desenvolver sua Teoria da Mudança porque ela ajuda a descrever em pormenores como essa mudança social acontecerá, independente do foco de trabalho”, fala Morgana.
Ao esclarecer os melhores projetos ou práticas organizacionais, tudo fica mais claro para todos e as ideias podem evoluir. Como exemplo, Morgana cita uma organização que tinha como objetivo tirar pessoas sem casas das ruas através de um processo de acolhimento de dois anos. Depois disso, eles já estariam aptos a retornar ao mercado de trabalho e reatar laços familiares.
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Só que as evidências apontavam em outra direção: a maior parte dos acolhidos voltava para as ruas antes dos dois anos e mesmo quem finalizava sua estadia acabava do lado de fora de novo.
Com a ajuda da Teoria da Mudança, o objetivo – ajudar moradores de rua a saírem das ruas – ganhou outras ações, como uma atividade profissionalizante durante a estadia para facilitar a reinserção no mercado. Além disso, o trabalho durante o acolhimento alimenta um fundo de auxílio financeiro, disponível quando a estadia termina. É algo poderoso, já que muitos saem sem dinheiro para transporte e não conseguem chegar numa entrevista de emprego, por exemplo.
Para o empreendedor, o mais difícil pode ser dar o primeiro passo. “A maior dificuldade é a falta de momentos de reflexão para analisar quais mudanças e transformações a organização ou projeto quer causar ou quando esses momentos acontecem de forma muito subjetiva”, diz Morgana. Vale testar – de cabeça aberta.