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‘O que no passado foi estratégia de sucesso pode se tornar miopia da liderança’

ideia simbolo de lampada

Em vinte anos de experiência, o médico psicoterapeuta e professor Roberto Aylmer, especializado em transformação da cultura organizacional, treinou mais de 800 líderes de 75 países diferentes.

Tanta diversidade na sua vida profissional trouxe experiências e constatações inusitadas sobre a diferença de cultura entre os países e, consequentemente, no jeito de trabalhar e gerir pessoas.

Uma das suas conclusões vai contra uma afirmação propagada aos quatro ventos: a de que nós brasileiros somos pessoas fáceis de lidar. De acordo com ele, interagir com chefes brasileiros não é assim tão simples para os estrangeiros. Em entrevista à EXAME.com, ele conta uma passagem em que gestores brasileiros e noruegueses quase partiram para violência física para ilustrar a que ponto diferenças culturais podem resultar em conflitos profissionais.

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Aymler também revela aspectos interessantes de culturas organizacionais de outros países, como a Coreia do Sul, onde há gestores nomeados pelo governo, figuras chamadas por ele de “sombras”. Confira a entrevista:

A cultura organizacional muda com que frequência e por conta da influência de que fatores?
Para entender a mudança é preciso entender o que é cultura, como ela se forma e, aí sim, como ela muda. A essência da cultura é a forma como determinados grupos de pessoas entendem e interpretam o mundo.

O psicólogo americano Edgar Schein (criador do termo cultura organizacional) diz que cultura é o modelo de pressuposições básicas que um grupo desenvolve ao lidar com desafios e, porque funcionou adequadamente naquele contexto, é ensinado aos novos membros como a forma correta de lidar com os problemas.

A questão é quando o contexto e os problemas mudam rapidamente e a cultura não acompanha na mesma velocidade, pelo contrário, porque a cultura foi criada sobre um sucesso do passado, ela resiste em mudar. O que no passado foi ‘estratégia de sucesso’ pode se tornar miopia da liderança e caminho da estagnação.

A cultura organizacional mudou no Brasil de uns tempos pra cá?
Essa pergunta deve ser respondida com um ‘olhe em volta’ e veja com seus olhos… Talvez um fato relevante tenha sido a inclusão das classes C e D na agenda de consumo, até 2014 e o desaparecimento dessa vantagem com a crise de 2015. Essas mudanças súbitas causam medo, e com medo o mercado paralisa.

Vivemos o que no ambiente militar americano se chama de VUCA – volatilidade + incerteza (uncertainty) + complexidade + ambiguidade – e a marca deste contexto é a dificuldade de tomar decisões sem clareza da direção. É como dirigir rapidamente por uma estrada que você não sabe onde vai dar… quanto mais você corre mais perdido fica. O Brasil vive uma instabilidade que paralisa a tomada de decisão e gera perdas incalculáveis.

Há mudanças marcantes nas culturas organizacionais quando analisamos diferentes países?
Acredito que as principais mudanças estão ocorrendo nos países emergentes, que vivem um turbilhonamento mais expressivo. As indústrias europeias e americanas se encontram em fase de revisão de estratégia, mas não acredito que estejam considerando mudar sua cultura.

Já as indústrias dos países em desenvolvimento, especialmente o BRICs (claro que China já saiu do grupo ‘em desenvolvimento’ para principal player mundial), vivem uma fase na qual as interfaces com empresas e pessoas de outras culturas aumentaram e precisam rever seus conceitos.

Na medida em que as organizações caminham para maior proximidade do consumidor/cliente somos desafiados a ‘entender para atender’, ou seja, ao olhar com atenção e interesse para o outro, temos outra percepção do sentido do nosso trabalho.

Seria possível citar fatos curiosos e inusitados da cultura organizacional de alguns países com que o senhor tem mais familiaridade?
Um exemplo interessante é a percepção dos brasileiros de que somos ‘fáceis de lidar’. Isso não é verdade. Acompanhei uma empresa brasileira com operações na China, Rússia, América Central, Europa e Estados Unidos e, ao conversar com os gestores locais, percebi o quanto tinham dificuldade de lidar com os chefes brasileiros.

Nós não estamos acostumados a ‘fazer negócios’ do outro lado do oceano. Alguns países têm 500 anos de experiência em ‘negócios internacionais’, desde as grandes navegações.

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E em outros países, o que foi surpreendente?
Posso citar alguns outros exemplos que me surpreenderam em outros países, como uma empresa na Itália que, embora privada, não poderia demitir um péssimo colaborador pelos acordos dos sindicatos locais com o governo, engessando a gestão da empresa e limitando a entrada de jovens no mercado de trabalho.

Outra surpresa para mim foi conhecer o “sombra”, figura que existe nas empresas coreanas. O “sombra” é um gestor coreano que trabalha em paralelo com o gestor brasileiro. Ele não age diretamente compartilhando o poder da gestão com o brasileiro, ele age quase que de forma independente. E ele não é pago pela empresa coreana e sim pelo governo coreano. Esse processo gera uma complexidade singular para o gestor.

Essas mudanças de cultura organizacional causam conflitos envolvendo expatriados, por exemplo?
Sem dúvida. Veja um caso em que participei como consultor-mediador numa crise entre noruegueses e gestores brasileiros que quase chegaram à agressão física e, analisando o caso, ficou claro que o problema central era a percepção que uma cultura tinha da outra.

Por exemplo, para um brasileiro o conflito direto deve ser evitado, pois é sinal de agressividade, para um norueguês o conflito é sinal de transparência (evitar o confronto direto e falar pelas costas é muito grave); para o norueguês, o melhor modelo de trabalho é pelo escritório de projetos, mas a indústria brasileira tem uma forte influência da hierarquia militar que é verticalizada.

E para finalizar, para o norueguês, prazo de lançamento é um compromisso de vida ou morte. Para o brasileiro, prazo é uma intenção que vai ser cumprida se nada acontecer no caminho como uma grande chuva, a Copa do Mundo, Olimpíadas etc.

É difícil para os estrangeiros entenderem o contexto brasileiro?
Expatriados têm muita dificuldade em entender a cultura e o contexto brasileiro, o que tem sido motivo de estudos de RH. E não apenas o executivo, mas também sua família. Para o crescimento profissional em muitas grandes empresas, uma passagem pela América Latina é fundamental e o maior mercado da AL é o Brasil.

Da mesma forma, temos muitos executivos brasileiros em empresas multinacionais vivendo fora do Brasil. Neste caso, pelos meus contatos, penso que a adaptação, neste caso, é melhor.

A questão é: as fronteiras estão caindo e precisamos nos tornar mais permeáveis às diferenças de perspectiva e cultura. Uma forma de ver isso é como lidamos com diferentes do nosso próprio país e fazer todos os esforços de inclusão e acessibilidade que ampliem o olhar das pessoas.

Assista também: Pedro de Godoy Bueno, CEO mais jovem do Brasil, fala sobre como desenvolver a liderança no início da carreira

 

Este artigo foi originalmente publicado em EXAME.com

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