Radicado na Califórnia, nos Estados Unidos, Daniel Assisi possui mais de 20 anos de experiência em liderança, abordagens criativas e resultados consistentes. Formado em administração, ele acreditava que seu roteiro de vida profissional seria focado na gestão de empresas, mas acabou construindo uma carreira em educação pública e ajudando a moldar escolas norte-americanas independentes. Em conversa ao Na Prática, ele conta sobre o processo de se encontrar profissionalmente e compartilha dicas para jovens em início de carreira.
Escolhendo um profissão
Como boa parte dos jovens brasileiros, Daniel não sabia bem o que queria fazer da vida quando se formou no ensino médio. Ele considerava estudar cursos mais generalistas como direito ou administração. “A ideia era fazer faculdade no Brasil mesmo. Mas como eu estudei em escola americana e sabia que as universidades ofereciam bolsas, resolvi tentar explorar essa possibilidade. Acabei recendo uma bolsa integral para estudar na Califórnia e fui. Mas era uma junior college, ou seja, só oferecia os dois primeiros anos da graduação, que compreendem conhecimentos mais básicos e gerais no sistema educacional norte-americano. Então, eu precisava ir para outra faculdade e arcar com os custos dela”, explica.
Com dificuldades de conciliar os estudos e trabalho, Daniel conseguiu ser selecionado para a rede de líderes de alto impacto da Fundação Estudar e ganhou uma bolsa para ajudar com as despesas. “Me formei em administração com ênfase em marketing na Universidade Webster. Sempre pensei que voltaria para o Brasil depois da graduação, mas acabei me apaixonando e casando, e decidimos ficar por aqui. Posteriormente, eu fiz um mestrado em administração pública e um doutorado em educação e sistemas de liderança. Essas áreas refletem bem como minha carreira foi mudando e progredindo com os anos”, aponta.
O roteiro de vida profissional inicial de Daniel se apoiava na ideia de trabalhar realmente focado em administração de empresas. Logo após a faculdade, ele entrou em uma empresa de investimentos para cuidar da parte administrativa. “Mas eu sentia que faltava alguma coisa. Queria fazer algo para melhorar o mundo e não apenas deixar pessoas ricas ainda mais ricas. Tive a sorte de ter minha crise de meia idade bem cedo e decidir o rumo da minha carreira”, brinca.
A mudança de área
Decidido a encontrar um propósito maior, o administrador conseguiu um emprego no consulado geral do Brasil na Califórnia. “Pensei até em virar diplomata, mas percebi que muitas vezes a mudança não se dá pelo governo. Existe uma grande parte da administração pública que não está interessada em inovação, em mudança, mas em manter tudo como está. Foi minha esposa que apontou a educação como uma possibilidade interessante para mim, já que ela trabalha na área. Foi assim que eu conheci as charter schools, com as quais trabalhei por quase doze anos”, indica.
As charter schools, ou escolas autônomas, são um modelo de escola que recebe recursos públicos mas opera de forma independentemente, com um estilo de gestão privado. O objetivo por trás do sistema é criar inovação no ensino público dos Estados Unidos. “Essas escolas são administradas por uma ONG que funciona como associação e comecei a trabalhar com elas. Como elas são autogerenciáveis, ajudamos na gestão conseguindo benefícios para professores por exemplo, mas sem impor nenhum currículo ou obrigação a elas. Mas acaba que também envolve um trabalho político por lidar com dinheiro público”, esclarece.
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Para Daniel, o interessante desse modelo é que as crianças não são obrigadas a estudar em uma determinada escola por causa de onde moram, como geralmente acontece nos Estados Unidos. “Isso é um fator de estagnação social e gera um ciclo vicioso. A ideia das escolas de escolha é que qualquer pessoa do ensino básico que queria possa frequentar e não seja forçada a ir em um determinado lugar por conta de onde mora. Foi uma experiencia fantástica, me senti feliz de tentar mudar o mundo, ainda que de maneira pequena. Acredito bastante no poder da educação”, compartilha.
Em dezembro do ano passado, Daniel saiu da associação e abriu a própria consultoria Copernicus Coaching & Consulting, trabalhando especificamente com educação e organizações não governamentais.
Uma análise do roteiro de vida profissional
Observando sua trajetória, Daniel percebe que um grande ensinamento foi que não necessariamente o que você acha que vai fazer no início, é o que acaba fazendo. “É um processo de descoberta pessoal. Eu não tinha noção de outros tipos de carreira que poderia fazer, além de administração, direito e engenharia. Eu nunca fui exposto a coisas diferentes, não tinha ninguém perto de mim que tinha essas outras experiências. Tive a sorte de poder experimentar e, hoje em dia, me pergunto se é preciso mudar a educação para que alunos tenham experiencias diferentes e consigam praticar aquilo que acham que querem fazer”, reflete.
Ele percebe que é comum que jovens se mantenham em carreiras que não gostam por já terem investido tempo e dinheiro nelas, mesmo que isso os faça infelizes. “Ainda é muito forte essa mentalidade de profissões tradicionais e as pessoas pensam em planos de carreira, ou roteiros de vida profissional, que se adequem a isso. Elas resistem a ideia de mudar e experimentar. Mas são essas experiências que abrem sua perspectiva intelectual e emocional. Temos que ser expostos a maneiras de pensar diferente e assim descobrir coisas novas”, sugere.
O gestor aponta que uma das coisas que o atraiu para educação foi essa possibilidade de explorar novas perspectivas. “Tive grandes mentores e professores que me ajudaram muito. Estudei em uma escola tradicional até a oitava série. Quando mudei para uma escola americana, tive um pequeno choque por causa da mudança de mentalidade. No Brasil, em geral, se você atinge a média de nota, já fez o suficiente. Mas meus novos professores sempre me impulsionavam a fazer melhor, não apenas o mínimo. Isso com certeza teve um grande impacto na minha carreira”, analisa.
Tanto no ensino médio como superior, as matérias eletivas foram fundamentais para Daniel entender melhor seus gostos e para onde queria direcionar a carreira. “Pensei até em mudar minha graduação para filosofia ou literatura, mas não fiz por medo de não conseguir trabalho. Ainda assim, expandiu meu mundo. Algumas escolas privadas mais inovadoras já trazem essa possibilidade. Mas é só no serviço público que isso realmente tem um impacto de maior alcance”, pondera.
Ele afirma que teve a sorte de contar com pessoas que abriram seus olhos e o apresentaram a novas formas de pensar. “Ninguém nunca me disse que eu precisava fazer isso ou aquilo, mas eu criei essa ideia de acordo com o que eu via, principalmente quando se trata de um roteiro de vida profissional. Mas várias pessoas que se importavam comigo me questionaram sobre o que eu estava fazendo e me mostraram novas possibilidades. Foi um processo demorado, mas no qual fiquei muito feliz”, relembra.
Daniel aponta que as pessoas acham que sucesso profissional é sinônimo de sucesso financeiro, mas que isso não é verdade. “Existe uma série de prerrogativas que vem antes da satisfação pessoal. A pirâmide de necessidade de Maslow mostra bem isso. Não dá para pensar em felicidade espiritual, sem ter comida. Isso é algo a se levar em conta também. O roteiro de vida profissional envolve sacrifícios e escolhas. Quando você opta por um caminho abre mão de outro. E você pode mudá-lo, não precisa ficar para sempre na mesma trajetória. Mas dá medo trocar o familiar pelo desconhecido. Queremos sair do certo para outro certo. Quanto mais velho você fica, mais difícil é. Precisamos aprender a entender quando algo já não funciona mais para nós e estamos dispostos a fazer uma mudança”, aconselha.
Conselhos para profissionais do futuro
Quem deseja construir um roteiro de vida profissional que condiz com seus valores e desejos, precisa estar aberto a novas possibilidades e experiências, segundo o gestor. “Somos muito padronizados por não viver coisas fora do padrão. Na maioria das vezes, falamos com pessoas que pensam da mesma maneira que nós e perdemos e diversidade e beleza do mundo. Também precisamos entender que nem todo mundo está bem resolvido e sabe o que quer da vida. Na verdade, a maioria das pessoas não sabem. Então, não precisamos de toda aquela pressão de achar que precisamos estar com a vida resolvida agora. Podemos ir descobrindo aos poucos”, sugere.
Também é importante se manter flexível consigo mesmo e entender que as as coisas podem mudar. “O que eu achava dez anos atrás que me faria feliz, não faz hoje. Por isso, é preciso ter paciência e tolerância consigo mesmo. As coisas mudaram, mudam e estão sempre mudando. As pessoas acham que precisam de um plano de carreira fixa, um roteiro de vida profissional único, mas não. Isso podia funcionar antes, mas você observa o mundo e começa a se questionar sobre isso. É difícil mudar sua perspectiva, mas ter uma postura mental de crescimento ajuda. Se você se mantem fixo em tudo, você não consegue se desenvolver”, pontua.
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Inclusive, Daniel chama atenção para o fato de que manter uma mentalidade fixa faz com que os profissionais entrem em um lugar perigoso. “Você acha que não é bom o suficiente e evita fazer coisas novas por medo de falhar. Mas se você acredita que está sempre em evolução, você erra, aprende e continua. É uma mudança de pensamento simples, mas difícil, por isso você precisa de paciência consigo mesmo. E quanto mais cedo você começar a trabalhar isso melhor. Precisamos preparar os jovens mais com habilidades do que conhecimentos decorados”, defende.
O gestor também aponta que, aos 18 anos, é muito cedo para saber o que se quer fazer para a vida toda. “Ainda mais por causa do jeito dinâmico que o mundo tem mudado. Muitas carreiras de hoje nem existiam há alguns anos. Tudo bem se você souber desde cedo o que quer fazer, mas tudo bem também não saber. Precisamos ajustar a maneira que medimos o sucesso e entender que cada um tem um processo e um tempo. Não tem problema nenhum em mudar de ideia no meio do caminho e ajustar a direção”, reforça.