As condições profissionais dos brasileiros que se identificam como membros da comunidade LGBT ainda estão longe de se equipararem às do resto da sociedade – principalmente por conta da discriminação. Pesquisa recente mostra que 65% dos gays já presenciou homofobia no trabalho. Isso explica, em partes, porque 61% dos funcionários LGBT no Brasil preferem esconder sua sexualidade dos colegas e gestores, de acordo com outro estudo.
Neste cenário, as empresas têm papel importante para reverter a baixa representatividade e alta discriminação com relação aos que pertencem a esse grupo. Isso pode ser feito por meio de políticas internas que favoreçam a contratação dos profissionais LGBT – desde as seleções -, igualdade de condições, e promoção de debates para conscientização geral.
“Nos nossos estudos, empresas que estão à frente em temas de diversidade são aquelas que colocam a ‘cultura inclusiva‘ como essencial para viabilizar suas ações”, explicam Heloisa Callegaro, sócia e líder das iniciativas de Diversidade na McKinsey & Company no Brasil e Flavia Garcia, gerente de Diversidade e Inclusão para América Latina.
Além de uma liderança comprometida, essas companhias têm definição clara sobre “diversidade” e dão destaque para sua importância – de acordo com o próprio contexto.
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Uma das possibilidades é a criação de comunidades LGBT, medida que as consultorias estratégicas McKinsey e Boston Consulting Group não só recomendam, como aplicam internamente. “Acreditamos que a existência da Rede LGBT é um dos principais caminhos para promover um ambiente de trabalho inclusivo, trazendo para o dia a dia de todos a discussão ativa sobre temas que antes não eram debatidos ou mesmo tratados”, diz Leonardo Assad, consultor e líder da Rede LGBT do BCG no Brasil.
Como resultado de suas ações, nos últimos onze anos, o BCG teve pontuação máxima – e foi nomeado um dos “Melhores Lugares para se Trabalhar” – no ranking LGBT Equality da Human Rights Campaign Foundation. Para as representantes da McKinsey, que também tem pontuação máxima no índice de igualdade da Human Rights Campaign Foundation, entre os temas trazidos à tona com as organizações, estão “preconceitos e vieses inconscientes que os grupos de minoria tendem a enfrentar no mercado de trabalho”.
Entenda como os grupos LGBT internos contribuem para um ambiente de inclusão e conscientização – e podem servir de exemplo para outras companhias que têm intuito de contribuir com a diminuição das disparidades que as minorias sofrem no mercado de trabalho.
GLAM, da McKinsey & Company
Fundado em 1995, o GLAM (“Gay, lesbian, bisexual, transgender and queer at McKinsey”) é uma rede de conectividade, “que atrai, apoia e celebra” talentos LGBTQ+ , segundo Heloisa e Flavia.
A participação é voluntária e se divide em três categorias:
- Membros A: abertos sobre sua orientação/identidade sexual para todos os colegas
- Membros B: abertos sobre sua orientação/identidade sexual apenas para os outros colegas do GLAM
- Membros C: não querem ser identificados como membros do GLAM, mas recebem informações sobre o grupo e sobre os benefícios
Atuação
Sua atuação se dá por meio de três frentes principais:
Conectividade e desenvolvimento
Por meio de programas de mentoria e eventos entre a comunidade LGBTQ+. Um deles, a conferência global de desenvolvimento profissional, que conta com “100% de participação” dos membros da comunidade GLAM.
Incentivo a ambiente inclusivo
Promoção de iniciativas, “como treinamentos sobre questões LGBTQ+ para público em geral” e outras ações para fomentar a igualdade, contam as representantes.
Apoio às iniciativas relacionadas de recrutamento
A McKinsey patrocina o projeto Reaching Out, que instrui e promove eventos de recrutamento para estudantes da comunidade LGBTQ+. Além disso, durante os processos seletivos, os candidatos que se identificam como LGBTQ+ recebem orientação de um mentor.
Em outras frentes, a McKinsey garante os mesmos benefícios de plano de saúde e seguro para casais heteronormativos ou homossexuais, independentemente da regulação local. A empresa também apoia cirurgia e despesas relacionadas à transição de gênero, além de fornecer o mesmo acesso a tratamentos de fertilidade para casais homoafetivos.
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Rede LGBT, do Boston Consulting Group
A Rede LGBT do Boston Consulting Group (BTG) foi fundada há 20 anos, e no Brasil foi implementada em 2014. “Globalmente, já temos mais de 350 membros, presentes em todas as geografias, inclusive em países do Oriente Médio em que a homossexualidade ainda é criminalizada. No Brasil, o número de pessoas que fazem parte da Rede quadruplicou desde a sua criação”, conta Leonardo. A aceitação interna não é um problema, “a empresa como um todo apoia a Rede”, completa o líder.
Quaisquer funcionários que se reconheçam como LGBT podem fazer parte da comunidade, que é regulamentada e promove diversas ações específicas ao longo do ano, para o público interno e externo. Da mesma forma, também tem três tipos de associação, de acordo com os próprios critérios de confidencialidade sobre a sexualidade.
- General Member: participação pública para todo o escritório
- Confidential Member: apenas membros da Rede sabem de sua participação
- Confidential Subscriber: recebe as mesmas informações que todos os membros, porém de maneira anônima
Atuação
As iniciativas da Rede se dão em duas frentes principais:
Apoio para desenvolvimento de carreira e networking
Assim que entram na comunidade, os profissionais LGBT passam a ser acompanhados por um mentor. Regularmente, participam de reuniões, eventos e campanhas que promovem diálogo e aprendizado entre a comunidade.
Todo profissional que começa a trabalhar na empresa assiste a uma apresentação da Rede LGBT, que não só é uma organização aceita por parte dos outros funcionários, como recebe apoio. “Promovemos duas vezes ao ano Happy Hours em que convidamos todos os profissionais do BCG no Brasil. E não há uma pessoa que não diz que os nossos são os mais divertidos”, brinca Leonardo.
Recrutar talentos para a comunidade
Outra parte do esforço é direcionado ao recrutamento de talentos LGBT. Por duas vezes ao ano, a Rede organiza o Pride2Be, evento para estudantes e recém-formados LGBT que têm interesse em ingressar no ramo das consultorias estratégicas. Na programação, profissionais LGBT de outras empresas também são convidados e compartilham experiências – o objetivo é debater questões fundamentais.
“Temos orgulho de ter sido a primeira consultoria no Brasil a organizar um evento deste porte dentro da empresa.”
Assim como a McKinsey, o BCG também patrocina o Reaching Out. Segundo Leonardo, “o evento global realizado anualmente no Brasil busca dar a estudantes e jovens profissionais lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros do Brasil e de países vizinhos a oportunidade de descobrir o valor e a importância de serem assumidos abertamente como uma pessoa LGBT em seu ambiente de trabalho”.
Em suma, a missão da Rede é “apoiar a comunidade LGBT durante o processo de recrutamento, ao longo de suas carreiras no BCG e, depois que saem da empresa através da nossa rede de alumni”, explica o líder.