Residente de psiquiatria no Hospital das Clínicas da USP, Júlia Campos teve a oportunidade de explorar a pesquisa científica em medicina durante a graduação. Na universidade, ela participou de um projeto na área de cardiologia e, posteriormente, ficou um ano na Universidade de Harvard, trabalhando em pesquisas relacionadas à genética e fisiologia. Membro da rede de líderes de alto impacto da Fundação Estudar, ela compartilha suas vivências, possibilidades de carreira fora do consultório e dicas para quem quer seguir carreira na medicina.
Entrando na pesquisa científica em medicina
Foi no final do ensino médio que Júlia escolheu cursar medicina na graduação. A motivação veio pela afinidade com biologia, principalmente a parte de genética. “Eu sempre gostei de matérias de exatas e pensava que fosse estudar algo relacionado a engenharia ou tecnologia. Mas quando comecei a estudar genética, fiquei fascinada. Isso me fez pensar que talvez eu não quisesse algo tão tecnológico. Comecei a pesquisar sobre formas de trabalhar na área e vi que a medicina era uma boa opção para mim”, recorda.
O fato de gostar de conversar com pessoas e entender seus problemas também ajudou a jovem a se decidir pela carreira médica. Já dentro da faculdade, Júlia entrou focada em fazer pesquisa científica em medicina. “Eu ficava mais tempo dentro do laboratório do que frequentando as aulas da universidade em si. Comecei a pesquisar sobre regeneração cardíaca, especificamente como o coração muda depois de sofrer um infarto e como células-tronco poderiam regenerá-lo. Fiquei muito tempo nesse estudo, que considero meu primeiro estágio como iniciação científica. Essa experiência me ensinou muito sobre trabalho de equipe, genética e como tudo isso é complexo”, revela.
Ida para Harvard
Já no meio da graduação e com a bagagem da experiência da iniciação científica, Júlia teve a oportunidade de passar um ano como estudante visitante em Harvard e se desenvolver mais no campo de pesquisa científica em medicina. O intercâmbio foi possível por meio de uma parceria que a Universidade de São Paulo, onde Júlia fez a graduação, possui com a instituição. Anualmente, a USP seleciona estudantes de medicina para fazer esse processo de intercâmbio, iniciativa de alto impacto já que a Universidade de Harvard conta com uma das melhores escolas médicas do mundo.
O processo seletivo é parecido com as seleções de universidades internacionais com envio de currículo, carta de motivação, recomendações e entrevistas. Em solo norte-americano, Júlia entrou no laboratório do professor Quan Lu, onde estudou o papel de micro vesículas e exossomos no transporte intercelular de drogas biológicas. A estudante explica que, em geral, os pesquisadores devem seguir a linha de pesquisa proposta pelo laboratório e entram em um grupo de trabalho com um profissional mais experiente, podendo posteriormente desenvolver projetos próprios que conversem com o tema maior do centro de pesquisa.
“Foi incrível. Até hoje talvez seja o melhor ano da minha vida. A parte de pesquisa era maravilhosa, as pessoas eram muito sérias e havia um financiamento adequado para o projeto, o que muitas vezes não ocorre no Brasil. Comecei acompanhando alguns projetos em andamento e depois fui desenvolvendo um subprojeto meu. Era uma pesquisa que eu acreditava que poderia mudar o mundo em algum momento. A experiência de morar em outro país também foi muito interessante para mim. Tive contato com coisas novas no campo da saúde e genética”, compartilha.
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Para Júlia, a grande diferença entre a pesquisa científica em medicina no Brasil e no exterior é a questão do financiamento. “Eles possuem mais investimentos e isso faz muita diferença em pesquisa porque tudo é muito caro. No Brasil, muitas vezes falta dinheiro e isso impõe certas limitações para a pesquisa e até inibe a inovação. Em Harvard, eu sentia que tinha mais liberdade criativa porque eu podia me arriscar mais. Acho que isso impacta diretamente na qualidade da pesquisa que é feita. Pouco do conhecimento que a gente gera aqui é aplicável. Temos pesquisadores muito bons, mas a maioria das pesquisas é mediana. Lá, eles acabam tendo descobertas mais promissoras por poderem se arriscar”, pondera.
Outras questões notadas pela pesquisadora é o fato de os laboratórios norte-americanos colaborarem mais entre si e de os profissionais terem backgrounds mais amplos. “Eles possuem mais conhecimentos em outras áreas. Por exemplo, eles entendem de biologia mas também sabem programar ou matemática. Aqui no Brasil, geralmente se você está em um laboratório, você tem um conhecimento muito focado na área específica de pesquisa, mas não nesses saberes complementares que podem ajudar bastante no trabalho também. Mas em termos de comprometimento, competência e seriedade, eu achei a mesma coisa”, observa.
O retorno ao Brasil
Júlia revela que se identificou muito com a cultura norte-americana e sua abordagem da pesquisa acadêmica em medicina. Ela compartilha que voltar para o Brasil foi um processo difícil por ter se adaptado tão bem ao modo de vida dos Estados Unidos. “Eu comecei a repensar muita coisa. Decidi respirar um pouco. Tinha ficado quatro anos me dedicando sem parar à pesquisa científica em medicina. Foi muito legal, aprendi muito, mas acho que fiquei um pouco saturada e precisava experimentar outras coisas. Então, deixei a pesquisa um pouco de lado e fui terminar a faculdade, que por si só já demanda muito”, divide.
A estudante se concentrou nos dois anos finais da graduação que são focados no internato e no atendimento de pacientes. “Eu vi que também gostava muito de atender, o que era algo que eu ainda não tinha feito tanto por estar tão focada na pesquisa. Terminei a faculdade e comecei a residência em psiquiatria com esse interesse de tentar entender o que acontece na cabeça das pessoas e buscar ajudar de alguma forma. Quero voltar a me dedicar à pesquisa em breve, mas preciso ainda entender como conciliar as duas coisas”, analisa.
Para a médica, a faculdade de medicina realmente foi só o começo já que a carreira oferece uma gama de possibilidades de atuação. “E cada área tem uma rotina muito diferente. Isso é uma vantagem e desvantagem para quem tem dificuldade de escolher. Também tenho vontade de voltar a morar fora, seja para estudar mais em uma pós-graduação ou entrar um programa de bolsa voltado para a continuação da residência. Penso em talvez fazer um mestrado ou doutorado depois da residência, mas ainda tem muito espaço para experimentar e decidir”, avalia.
Carreiras alternativas em medicina
Com uma trajetória pouco convencional dentro da carreira médica, Júlia afirma que é importante entender que gostos e metas podem mudar ao longo do caminho. “No final do ensino médio, a gente acha que sabe muito, que vamos fazer algo para o resto da vida. Mas isso não é necessariamente verdade, e é algo que a gente vai percebendo durante a faculdade. O que você gostava com 18 anos, não precisa ser aquilo que você gosta com 25, 30 ou 35. Você vai amadurecendo e conhecendo mais coisas, por isso é normal que a gente explore outras possibilidades”, percebe.
A médica afirma que é importante ter um foco de onde se quer ir, mas também estar aberto a outras coisas acontecendo ao redor. “Até porque agregar algumas dessas coisas ao que você já faz é o que vai te fazer um profissional melhor e mais completo. Até profissões mais antigas e tradicionais estão mudando, assim como novas estão surgindo. Com isso, vem novas necessidades. O que o médico precisa saber e fazer hoje é diferente do que ele precisava há 20 anos. Precisamos estar atentos e abertos a isso porque estamos fazendo algo por e para alguém, não só para nós mesmos”, ressalta.
Para os jovens profissionais que consideram seguir carreira em medicina, seja em moldes mais tradicionais ou não, a médica recomenda ter paciência, curiosidade e flexibilidade. “É uma carreira longa, que demanda muito estudo. Você vai aprender bastante e provavelmente vai mudar a área de foco que você queria. Meu conselho é sempre buscar conversar com pessoas que vivem a realidade a qual você quer chegar, seja para entender como passar no vestibular, prestar determinada residência ou seguir algum caminho menos tradicional na área, e entender como é isso na vida real”, finaliza.