Com graduação e mestrado em Biologia, Izadora Mattiello resolveu mudar de rumo, deixando a vida acadêmica de lado e buscando uma experiência mais alinhada a seu propósito de vida. Trocou os laboratórios pela incerteza do empreendedorismo, e hoje é feliz a frente do próprio negócio social, a pHomenta.
Izadora também é membro da comunidade alumni dos programas presenciais do Na Prática. A seguir, ela escreve sobre as reflexões que viveu quando decidiu mudar de carreira, e o que aprendeu sobre propósito ao longo desse processo:
Como encontrei meu propósito de vida
De análises de DNA à separação do lixo nas praias, me formei como bióloga na Unicamp. Desde o começo da faculdade tinha certeza que seria uma cientista. Achava demais usar jaleco, trabalhar em laboratório, estudar novas soluções, fazer projetos e analisar dados.
Logo quando entrei na faculdade, no segundo mês, fui trabalhar em uma empresa de genética, a EXACTGene. Lá aprendi de tudo um pouco, desde fazer teste de paternidade até relação com clientes e equipe interna. Mas meu sonho em ser uma cientista nata me levou a fazer iniciação científica já no segundo ano. No início foi difícil escolher a linha de pesquisa que queria seguir. Estava na dúvida entre células tronco, biologia celular e a ecologia marinha. Mas pelo contagiante ambiente do laboratório e equipe, escolhi a ecologia marinha de crustáceos.
Foram 3 projetos científicos, um atrás do outro, cada hora aparecia uma questão nova que queria descobrir. Eu estava estudando uma espécie de crustáceo que tinha cuidado parental e estava sofrendo com a poluição de hidrocarbonetos nos mares. Todo mês eu ia para o Centro de Biologia Marinha da USP, em São Sebastião, fazia os mergulhos, coletas e experimentos. O resto do tempo, analisava os dados no laboratório em Campinas, na Unicamp.
No penúltimo ano, fiz um intercâmbio para o Chile, na Universidad Católica del Norte, para trabalhar três meses em um laboratório com as algas e animais marinhos da Patagônia. Foi uma experiência indescritível. Além de conhecer uma nova cultura e passar por diversos terremotos, o meu orientador de lá era muito entusiasmado, então quando voltei para o Brasil estava muito motivada para continuar na carreira acadêmica.
Então, logo quando me formei, fui para a USP fazer mestrado em um projeto interdisciplinar da Petrobras. Meu projeto de pesquisa era propor um método inovador para detectar algas marinhas vivas, muitas delas tóxicas, que vinham da água de lastro de navios de diversos portos e que podiam prejudicar a fauna local e a saúde humana.
Foi um grande desafio, pois foi a primeira vez que trabalhei em uma equipe de cientistas de diferentes formações. Uma parte do mestrado fiz na Poli – Engenharia da USP, onde construímos um dispositivo, que era praticamente um micro laboratório em um chip!
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Nesta época aprendi muito sobre inovação, fiz parcerias com empresas incubadas e conheci diversas soluções de alta tecnologia. No fim do mestrado, fui para a Holanda, fazer uma visita técnica no NIOZ (Royal Netherlands Institute for Sea Research), local de referência para minha pesquisa. A ideia inicial era fazer o meu doutorado lá. Foi ótima a experiência, mas aproveitei a viagem, que estava sozinha para refletir mais ainda sobre minha carreira e aí que percebi que estava sentindo um grande vazio.
Comecei a questionar minha vida profissional. Tudo estava do jeito que eu sonhei, mas eu não estava feliz. Apesar de toda a inovação, o ambiente acadêmico me fazia mal, era muito competitivo e um pouco machista. Além disso, parecia que o que eu estava fazendo no laboratório nunca iria atingir a grande massa da sociedade. Tudo era muito burocrático e lento para implantar as nossas soluções. E eu sentia que eu poderia fazer muito mais, ajudar mais pessoas e de forma mais efetiva.
Quando terminei o mestrado, a minha única certeza é que não iria fazer o doutorado naquele momento. Comecei a ter uma ânsia por fazer algo maior. Foi um ano cheio de incertezas e vergonha quando todos me perguntavam o que eu ia fazer da vida e eu não sabia a resposta. Todos ficavam indignados, como assim você estudou tanto e agora não sabe o que vai fazer?
Durante um ano “sabático forçado”, mandava diversos currículos, mas minha trajetória era extremamente acadêmica e as empresas cobravam experiência na prática. Resolvi deixar a angústia de lado e comecei a me envolver voluntariamente em diversos projetos. Primeiro trabalhei de graça para uma startup de tecnologia da informação. Lá eu tive muito contato com marketing e experiência do usuário, além de conhecer como funcionava investimento anjo, incubar empresas, avaliação de empresas, etc. Fiz diversos cursos informais na área comercial, gestão de projetos…e quase abri uma empresa de cupcakes!
Até que fiz o Catálise da Fundação Estudar! Foi lá que realmente minha vida mudou! A pergunta que mais me marcou foi qual era o meu propósito de vida. Como assim? Eu não tinha noção de qual era o meu propósito de vida! Até então meus objetivos de vida eram ter uma boa profissão, casar, ter filhos, ou seja, o convencional. E foi lá que eu consegui refletir nas minhas habilidades, meus verdadeiros gostos e o que me faria feliz. Meu propósito? Ajudar pessoas. E foi aí que eu deixei de sentir o peso de fazer algo diretamente ligado à minha formação acadêmica.
Saí de lá com uma energia imbatível, parecia que tinha me descoberto novamente. Na mesma semana resolvi procurar trabalho voluntário em ONGs na minha cidade. Naquele momento não importava mais para mim o dinheiro, mas sim tentar fazer algo que tinha a ver com meu propósito. Achava que iria dar aulas para as crianças, mas quando cheguei lá eles precisavam de ajuda na captação de recursos, para escrever projetos e prospectar editais e empresas. Bom, o que eu fiz minha vida toda? Escrever projetos para pedir financiamento! Eram projetos científicos, mas não importa, eram projetos! Aí tudo estava começando a fazer sentido. Comecei a me dedicar para resolver os problemas daquela ONG e vi que muito das demandas deles não eram de voluntários para reformar a escola ou brincar com as crianças, mas sim de ajuda na gestão! Tinham dificuldades para melhorar o marketing, a identidade visual, em ser mais comercial… Quando comecei a identificar estas demandas eu só lembrava de amigos ou conhecidos que eram muito bons nessas áreas e que com certeza topariam ajudar com seu conhecimento.
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Para encurtar a história, essa experiência na ONG, em entender um pouco as demandas de gestão, financeiras e de recursos humanos, juntou com a experiência em business do meu sócio, que já captava recursos para uma startup, a Geekie. Nosso desejo não era reinventar a roda, mas sim apoiar as organizações que já estavam fazendo coisas boas, somente potencializando com os nossos conhecimentos e de outros voluntários.
Foi aí que em maio de 2015 meu sócio largou o emprego dele e eu parei de mandar currículos para investirmos no nosso sonho grande: empreender em um negócio social. E com certeza, a Fundação Estudar fez toda a diferença nesta nossa decisão. Um pequeno detalhe: este meu sócio também é biólogo e meu sócio de vida, casamos em 2014. Um casal que largou tudo e que investiu todas as finanças para abrir um negócio social. Imagina o susto que nossas famílias e amigos levaram!
A pHomenta é um negócio social que tem como objetivo potencializar projetos sociais mobilizando recursos financeiro e humanos. Nós fazemos toda o diagnóstico e curadoria de ONGs e startups sociais para atacar nos pontos fracos de cada organização. Hoje já temos 204 voluntários na nossa rede, sendo que 184 vieram via Fundação Estudar. São jovens brilhantes que estão contribuindo com seus conhecimentos para potencializar causas sociais. Eles trabalham de forma remota e para retribuí-los nós damos mentores de carreira para eles, pessoas com alta experiência no mercado que abraçaram nossa causa e fazem esse coaching voluntariamente.
A Fundação Estudar teve alto impacto nas minhas decisões. Primeiro no Autoconhecimento Na Prática, onde eu descobri que o nosso propósito de vida é muito maior que um diploma. E segundo no Núcleo. No dia da apresentação do 1º ciclo do núcleo, eu me senti tão motivada por estar perto de pessoas tão boas, empolgadas e brilhantes que eu não senti mais medo para empreender. Sabia que qualquer dúvida, qualquer apoio eu poderia encontrar no núcleo, que as pessoas estavam dispostas a ajudar. Tanto é que um dos membros, o Vitor Barbosa, já faz parte do time pHomenta e muitos outros são voluntários. Hoje sou extremamente feliz por ter encontrado meu propósito de vida. E você? Já encontrou o seu?
O Núcleo é a maior comunidade de jovens transformadores do Brasil, formada por ex-participantes dos programas presenciais do Na Prática. Os membros do Núcleo também têm essa coluna quinzenal no portal Na Prática, espaço exclusivo para contar suas histórias e inspirar mais jovens brasileiros! Saiba mais aqui.