Filho do primeiro funcionário do Sebrae (Evandro Peçanha, atual Diretor de Desenvolvimento no Sebrae RJ), Rafael Duton, 38, da aceleradora 21212, cresceu ouvindo muito sobre empreendedorismo e a importância das pequenas empresas para a economia e o futuro do Brasil. Estudante do São Bento, colégio tradicional tido por muitos como a melhor do Rio de Janeiro, ele começou cedo nesse caminho.
Ainda pré-adolescente começou a vender jogos de computador (MSX e XT/AT286) pela Tijuca, bairro em que morava. Cursou Engenharia da Computação e fez parte do grupo que criou e lançou a Empresa Jr da PUC-RJ. Em 1999, montou uma empresa que tinha a proposta de ser uma espécie de home broker. Mas era tudo ainda muito novo na internet e com a bolha estourando em 2000 a empresa que estava sendo lançada, com uma parceria de um banco internacional, fechou.
Nessa época, a Empresa Jr fazia um projeto de consultoria na Osklen, marca de moda que crescia rapidamente mas ainda era uma empresa de médio porte. Desse projeto, surgiu o convite para ele e outros membros da Empresa Jr trabalharem na Osklen em definitivo fazendo um processo de reestruturação da empresa.
Em 2000, já contratado, Rafael desenvolvia em paralelo uma empresa de software como parte do trabalho de conclusão do curso de Graduação na PUC. A ideia era fazer jogos e produtos para celulares. Acabou sendo muito mais do que isso. Ele deixou a Osklen e em pouco tempo a startup, chamada nTime, conseguiu um investimento anjo. Eles entraram na recém-criada incubadora da PUC-RJ (Gênesis) e dois anos depois levantaram voo.
Em 2003, foram selecionados como Empreendedores Endeavor, pelo crescimento agressivo que tinham e o potencial de se tornarem um grande negócio. A primeira grande fusão ocorreu em 2008, com a Compera, quando captaram investimento do grupo Naspers, que no Brasil até então havia investido apenas na Editora Abril. A empresa mudou de nome para Movile e seguiu sua escalada até se tornar a maior do Brasil em seu segmento (o de desenvolvimento de aplicativos para celular e tablets) depois a maior da América Latina e hoje uma das maiores do mundo. Muitos dos produtos da Movile são líderes em seus mercados, como o Playkids e o ifood.
Seu projeto mais recente é a 21212, que surgiu em 2011 de uma vontade grande de replicar essa história em parceria com outras dezenas de empreendedores espalhados pelo Brasil. Hoje, pode-se dizer que Rafael personifica a evolução e o amadurecimento do empreendedor brasileiro. Em entrevista ao Draft, falou sobre a época em que startup nem se chamava startup, o que melhorou e o que piorou no ecossistema, a conjuntura atual no país, o desafio de levar a 21212 a um novo patamar e o que ele espera do futuro.
Como era empreender no Brasil lá no início dos anos 2000?
Era sem dúvida muito diferente, com alguns prós e contras em relação a hoje. Por um lado era menos “moda” abrir uma startup e com isso a qualidade dos que estavam tentando era claramente maior. Era um universo muito menor, porém muito mais qualificado. O problema é que o mercado não era tão desenvolvido. Tínhamos menos programas de apoio, menos investidores e fundos de investimento, uma menor percepção de que as startups podem ser excelentes parceiras de grandes empresas. Hoje isso é muito mais comum. Mas por outro lado tem muito “oba oba”.
Hoje existe uma glamorização da figura do empreendedor?
Há pontos positivos em se trazer mais atenção para este mercado que ainda é muito novo por aqui. Mas se a qualidade não se mantiver alta, e isso tem sido bem difícil, vai acabar perdendo credibilidade. E reconquistar credibilidade é muito mais difícil do que conquistá-la. Isso me preocupa. Vi muitos empreendedores que iniciaram projetos buscando justamente esse “glamour”, que literalmente não existe. As chances de obter muito sucesso com um novo empreendimento são muito baixas. A maior parte do tempo nessa fase é uma mistura constante de excitação e angústia.
Que obstáculos você enfrentou como empreendedor e que conselhos daria a quem quer começar?
Passei muitos perrengues para chegar onde estou. Principalmente no início, quando começamos a nTime saindo da faculdade. Hoje, não recomendo abrir uma empresa logo quando você sai da faculdade. É preciso ter alguma experiência no mercado, para ganhar musculatura. Comece trabalhando em um mercado aquecido, seja em uma grande empresa que tenha uma mentalidade mais empreendedora ou em uma startup. Isso vai te ajudar a evitar vários erros, aqueles que podem ser evitados. Não adianta só ler uma listinha de livros de estratégia, tem que vivenciar isso. Depois que dá certo é muito legal, mas o caminho envolve decisões extremamente complexas. Aliás, o principal trabalho do empreendedor é tomar decisões complicadas, com pouca informação e em pouco tempo. Sempre que converso com outros empreendedores faço duas perguntas: Primeiro, você tem assumido regularmente os riscos necessários para fazer seu negócio crescer rápido? Segundo, nas últimas semanas você tomou todas as decisões difíceis que precisavam ser tomadas? Não é glamoroso empreender, muito menos agradável. Quando falta dinheiro e é preciso pegar emprestado, quando é preciso demitir pessoas que estiveram anos com você, quando um produto em que você apostou quase tudo dá totalmente errado. Isso tudo é muito frustrante e não acontece uma vez ou outra, é a toda hora. É preciso saber conviver com essa incerteza por um bom tempo.
Como foi a hora de crescer, captar e receber aportes?
Tivemos algumas decisões muito difíceis quando fundos de investimento começaram a nos procurar. Não precisávamos tanto do dinheiro, mas a tentação era grande. Era a possibilidade de mudar um pouco dessa vida insana dos primeiros anos e de poder ter mais tranquilidade para conduzir o negócio. Felizmente, tivemos ajuda de muitos mentores, a maioria através da Endeavor, que nos levaram a entender que aquela não era a melhor estratégia. Foi difícil e por duas vezes dissemos “não”. Não daria para chegar tão longe sem ter tido todo esse apoio e suporte de mentores, família e amigos, por isso é tão importante e tenho tanta disposição para apoiar novos empreendedores.
Como foi a sua trajetória da Empresa Jr da PUC-RJ até a Movile?
Muitos dos desafios do dia a dia dos negócios que toco até hoje são parecidos com os que vivenciei aos 19 anos na Empresa Jr. Aprendizados intensos e que se mostraram duradouros. A experiência positiva na EJ me motivou a empreender. Era um risco baixo a correr na época. Participei, então, de duas empreitadas que acabaram dando errado e das quais tirei dois grandes aprendizados: o primeiro, que empreender é uma atividade de tempo integral, não apenas o seu tempo profissional mas o pessoal também. O outro é que quanto mais você conhece o mercado em que está criando um novo negócio, maiores as chances de conseguir bons resultados. Fiz minha dissertação do Mestrado em Administração exatamente sobre isso. A minha terceira tentativa foi a que acabou dando certo.
O momento era, de certa forma, parecido com o que vivemos hoje. Não chegava a ser uma crise tão forte, mas havia acabado de acontecer o estouro da “bolha.com”. Achávamos que tínhamos perdido uma grande oportunidade de criar uma empresa de internet e isso nos levou e pensar em outras possibilidades. Uma delas era fazer produtos para celular. Estávamos no ano 2000, não existia o conceito de “app”, os celulares eram mínimos e monocromáticos. Na prática, não fazia qualquer sentido o que estávamos fazendo. Era muito improvável o sucesso de jogos e serviços para celular baseado em SMS. Mas o empreendedorismo é exatamente isso, realizar o improvável. Transformar o improvável em inevitável
Foram quase três anos muito difíceis, pensando em desistir a todo o momento, mas conseguimos segurar até o mercado amadurecer e começar a consumir os produtos que estávamos criando. Esse foi um dos nossos méritos. O outro foi procurar entender o porquê do mercado ter mudado e começado a comprar nosso produto. Podíamos simplesmente aproveitar o momento e curtir aquele sucesso momentâneo da Movile, mas tivemos o discernimento de não nos acomodar e começamos uma busca incansável para entender os motivos daquele sucesso. Quando conseguimos, aí sim, começamos a construir algo que estava já direcionado a ser grande, muito grande.
Vocês sentiram algum tipo de dificuldade por não estarem em São Paulo? Ainda existe uma regionalização em relação ao apoio às startups?
Só vejo o Brasil começando a ter alguma relevância nesse mercado se entendermos que nenhuma região em específico vai ser melhor ou maior que a outra. Nunca vai existir um “Silicon Valley Brasileiro”. Isso é uma viagem completa. Cada região tem uma caraterística e se juntarmos isso de uma forma colaborativa teremos alguma chance. Estamos muito, mas muito atrasados. Deveria haver mais colaboração pra atuarmos como Brasil e não como cidade A ou cidade B.
Quais são os principais problemas do ecossistema de startups no Brasil?
Um estudo feito pelo MIT indicou que os principais fatores que contribuíram para o Silicon Valley ser o que ele é a globalização e a colaboração. Lá, mais da metade dos fundadores de startups são estrangeiros e, somado a isso, existe uma cultura colaborativa muito forte. As startups competem mas trocam informações, aprendizados e acabam crescendo juntas. Isso não existe em nenhum outro lugar do mundo. Deveríamos melhorar isso por aqui.
Temos dificuldades de atrair e manter estrangeiros principalmente por conta de legislações ultrapassadas. Na 21212, entre 2011 e 2013 tivemos mais de 25 estudantes com MBAs de universidades americanas como Harvard, Yale e Stanford. Eles trabalharam como voluntários e muitos queriam continuar se associando às startups, mas não conseguimos manter nenhum porque a lei não permitia. Outro ponto é que nosso ecossistema é ainda muito jovem. A esmagadora maioria das startups é de jovens abaixo dos 30 anos. Não deu tempo ainda de ter volume com gerações anteriores de empreendedores. Isso faz com que naturalmente nosso ecossistema ainda seja muito imaturo, e muitas vezes ingênuo. Mas esse não é nenhum grande problema, dá para mudar com o tempo.