Hoje, na equipe de strategic sourcing do Google — setor que realiza as compras da empresa — o administrador Leandro Polito diz adorar desafios. A frase até pode soar natural e redundante na fala de qualquer funcionário que trabalha para uma das empresas mais desejadas (e disputadas) entre os jovens profissionais. No discurso de Leandro, no entanto, ganha uma nova profundidade. Para ele, os desafios começaram ainda na infância.
Quando tinha 10 anos, foi diagnosticado que Leandro e seu irmão, então com 13, sofriam de uma doença hereditária rara, chamada retinose pigmentar. O problema causa uma degeneração gradativa da retina — assim, as células dessa região do olho vão morrendo, e o paciente gradualmente perde a visão.
De início, a doença de Leandro não comprometia suas atividades do dia a dia ou seu aprendizado na escola. A dificuldade de enxergar a lousa, que o obrigava a sentar sempre na primeira fileira, foi durante muito tendo tida como um caso de miopia comum — o diagnóstico certeiro só veio depois de uma bateria de exames entre São Paulo e Belo Horizonte.
Nessa época, Leandro era uma criança esportista e disputava campeonatos de natação. Com o tempo, no entanto, a perda da visão foi se agravando e ele começou a perceber as coisas que teria de abrir mão. Deixou de fazer futebol, não enxergava mais a bola durante o jogo de basquete.
“A partir desse ponto, o apoio da minha família foi fundamental. Eles sempre me incentivaram a continuar estudando, a perceber isso apenas como um problema e não como um impedimento”, lembra, em entrevista ao Na Prática. Assista aos melhores trechos:
Se, por um lado, as limitações existem, por outro, sua trajetória até aqui tem sido a prova de que essas limitações são muito menores do que se imagina e, na maioria das vezes, contornáveis — com uma mistura de protagonismo, criativade e inovação.
Hoje, além do cargo que ocupa no Google Brasil, Leandro também é embaixador da diversidade na empresa. Foi ele, inclusive, o responsável pela criação do Comitê de Pessoas com Deficiência (PcD) no escritório brasileiro da gigante de tecnologia, responsável por promover e incentivar o debate sobre inclusão nos negócios da organização. No vídeo a seguir, ele explica o papel do comitê no Google:
Durante conversa com o Na Prática, ele conta que, mesmo tendo estudado nos melhores colégios de São Paulo, sua ida para o ensino superior e para mercado de trabalho foi muitas vezes desencorajada. Não foi o suficiente para desmotivá-lo. Após se formar, engatou o colegial na FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado) com uma graduação em Administração na mesma instituição e, depois, cursou MBA em gestão de negócios na FIA (Fundação Insitituto de Administração), um dos melhores do país.
Nesse ponto, a doença já havia afetado a maior parte de sua visão (hoje ele tem 80% da vista comprometida), inviabilizando os estudos por meio de lousa ou livros. Para contornar a situação, gravava as aulas dos professores para estudar depois, ouvindo os áudios. “Era uma coisa super pesada, porque eu tinha que ouvir doze, quinze horas de conteúdo para estudar para a prova”, conta. Quando possível, digitalizava os textos transformando-os em pdf para, depois, escutá-los no computador por meio de um software que converte texto em voz.
Durante a faculdade, também teve uma experiência empreendedora. Abriu, junto com o irmão, uma casa noturna que operou entre 2003 e 2005 na Vila Olímpia, bairro boêmio de São Paulo. Sua paixão, no entanto, era a área de finanças. Após formado, passou por grandes empresas como Bradesco, Metalsa e Unilever.
Em algumas empresas, foi o primeiro funcionário deficiente. “É comum não saberem lidar com pessoas com deficiência”, explica. Para ele, o excesso de cuidado, em algumas ocasiões, chega a ser engraçado. “Em um desses empregos, na primeira semana, eu almocei com o CEO”, cita como exemplo desse exagero.
A mudança de empregadores foi sempre motivada por uma ambição de crescimento profissional. No Google, durante o processo seletivo para a área de strategic sourcing, competiu em pé de igualdade com candidatos sem qualquer deficiência — a empresa não possui vagas exclusivas para Pcd, e avalia todos concorrentes segundo os mesmo critérios. Para Leandro, essa política faz sentido. Atualmente, diante do desafio de fazer as compras da empresa da maneira mais eficiente possível, ele não hesita em afirmar: “As pessoas com deficiência podem realizar qualquer tipo de trabalho”.