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A história do ex-diretor do Yahoo! que reinventou a si mesmo com uma nova carreira

homem com barba sentado em frente a sebo

Ricardo Lombardi se formou na Cásper Líbero, em 1994. Antes, tinha feito Direito, na PUC-SP, e Letras, na USP, e abandonado ambos os cursos. Aos 16, os pais se separaram, ele foi viver com a mãe, que não trabalhava, e precisou começar a se virar. Entrou no Estadão, trabalhando no arquivo, procurando materiais no acervo do jornal para ajudar na apuração das matérias de jornalistas como Ivan Ângelo, Marçal Aquino, Renato Pompeu, Eduardo Bueno, o Peninha, e Leão Serva. Foi assim que se apaixonou pela profissão.

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Fez carreira no Estadão, e no contíguo Jornal da Tarde, até 1998, quando foi para a revista Contigo!, na editora Azul. Ficou um ano por lá. E outro ano em Nova York, onde foi correspondente do Último Segundo, do iG. De volta ao Brasil, retornou também ao JT, a convite de Marta Góes, na volta ao jornal de Murilo Felisberto, autor, junto com Mino Carta, em 1966, do histórico e revolucionário projeto editorial e gráfico do JT.

Saiu de lá no final de 2000, para a revista Sabor, da editora D’Ávila, onde ficou até 2003. Aí foi para a AOL, América Online, onde ficou editando as home pages até 2005, quando foi para a Abril. Lá, editou a revista Bravo! até 2007, o Guia do Estudante/Almanaque Abril até 2009 e a VIP até janeiro de 2014, quando foi para o Yahoo!, como diretor de conteúdo. Era uma vez um jornalista.

Ricardo, 44, saiu do Yahoo! em 2014 para transformar sua paixão num negócio, para transformar seu hobby num ganha-pão, para transformar seu plano B em plano A. “As coisas só começam a andar de verdade quando você as prioriza em sua vida. Saí do emprego para me dedicar 100% ao projeto que eu vinha gestando na paralela porque se você não colocar toda a energia disponível na roda, ela não gira”, diz ele.

Ele é casado com Camila Sarpi, designer de joias, e tem dois filhos, Ernesto, 6, do primeiro casamento, que mora com a mãe, e Petra, 2. Em março de 2013, quando sua filha nasceu, Ricardo fez uma viagem à Argentina, para visitar a família de seu pai – que veio a falecer enquanto Ricardo estava lá. Naquela viagem, flanando por San Isidro, em Buenos Aires, um sebo lhe chamou a atenção – ele já frequentava lojas de livros e discos, novos e velhos, há muito tempo. Mas ali teve um clique, ao ver aquele negócio familiar, numa tradição europeia de tocar um estabelecimento em poucos metros quadrados.

Projetos paralelos Desde 2007, quando ainda era o diretor de redação da Bravo!, Ricardo mantinha o blog Desculpe a Poeira, primeiro no iG e depois no Estadão. “Meu maior tesão no jornalismo sempre foi dividir com as pessoas novidades que faziam diferença na minha vida. O blog nasceu como uma curadoria pessoal de conteúdo nas áreas de cultura e entretenimento”, diz Ricardo.

Na volta da Argentina, começou a montar o sebo Desculpe a Poeira, uma materialização do blog e também o embrião de um novo projeto de vida e de carreira. Era uma atividade de fim-de-semana. “Fui montando aos poucos, fiz os móveis e as prateleiras”, diz Ricardo, que em 2008, já dirigindo a maior revista cultural do país, foi fazer curso de marcenaria na escola Roberto Simonsen, do Senai, no Brás, onde Lula fez seu curso de torneiro mecânico – o torno em que Lula estudou foi tombado e virou objeto de exposição na escola. “Eu buscava aprender um trabalho manual, que oferecesse contraponto à atividade intelectual do jornalismo. Fiz também um curso de marcenaria artesanal no Ateliê da Madeira, na Lapa”.

O sebo ocupa uma garagem na rua Sebastião Velho, 28-A, num famoso e querido conjunto de predinhos de três andares, construído por um libanês na década de 1930, em Pinheiros, entre as ruas Simão Álvares e Mourato Coelho. A mãe de Ricardo, dona Lúcia, de 79 anos, mora ali. E aluga a garagem, que tem 3 metros por 8, para o filho, por 600 reais – Ricardo estima que o preço de mercado esteja por volta de 1 500 reais. Dona Lúcia o alugava antes para um antiquário. Há por ali, nas outras garagens, negócios como a hamburgueria Na Garagem, o Cantinho da Lu, uma lanchonete, uma sapataria, uma costureira e uma mecânica que tuna motos.

“Vendi o carro, ando de bicicleta, não pago mais 300 reais para comer num restaurante, deixei de pagar um dos dois clubes em que era sócio, troquei o treino na academia pela corrida de rua. Abri mão de 70% da minha renda para poder me dedicar ao que me encantava e para estar mais próximo das pessoas que amo”, conta.

Ricardo deseja que o diferencial do Desculpe a Poeira seja o atendimento personalizado – como se ele fosse uma espécie de sommelier de livros. “Eu quis organizar o caos que é um sebo. Reverter a ideia de que um sebo é um mero repositório de livros velhos e oferecer obras com curadoria, conectando a pessoa certa com o tema certo por meio de um livro. Cada exemplar ali tem uma razão de ser. Não estou no negócio apenas para girar produtos na prateleira. Quero que as pessoas também experimentem comigo o que os americanos chamam de serendipity – aquela sensação de descobrir algo que você não sabia que queria e que gostava”, diz Ricardo, que para isso já conta com um acervo de 5 mil títulos – 70% vêm da sua coleção particular e o resto vem de aquisições de lotes e doações de amigos. Ele estima que, na loja, caibam dois mil livros. O resto ele estoca em dois quartos no apartamento da mãe.

Segundo Ricardo, a loja física só é possível por causa da internet – a previsão é de que as vendas online venham a responder por 70% do faturamento. Ricardo disponibilizou parte do seu acervo na sua loja na Estante Virtual, uma plataforma de sebos, uma espécie de Amazon dos livros usados no Brasil, que cobra do vendedor de 8% a 12% do valor do pedido mais uma mensalidade. “O digital ajuda muito os pequenos negócios. Livros que eu publico no Instagram, por exemplo, vendem instantaneamente”, diz ele.

Autoconhecimento Ricardo atribui sua decisão de trocar a vida de executivo numa empresa global pela de dono de um sebo numa garagem de 24 metros quadrados ao resultado de um período de soul searching (algo como “mergulho dentro de si mesmo”). “Isso passa por uma engenharia financeira – minha mulher trabalha, não pago aluguel, alugo um segundo imóvel, coloquei a casa da praia no AirBnB, recebo um fee de Estadão pelo blog. E isso passa também por uma readequação de estilo de vida. Vendi o carro, ando de bicicleta, não pago mais 300 reais para comer num restaurante, deixei de pagar um dos dois clubes em que era sócio, troquei o treino na academia pela corrida de rua”, diz Ricardo.

“É que assim que abri mão de 70% da minha renda para poder me dedicar ao que me encantava e para estar mais próximo das pessoas que amo – hoje posso almoçar com minha mãe e pegar meus filhos na escola com mais frequência”. Uma das coisas das quais Ricardo não abriu mão é o gasto com os filhos – como escola particular e babá.

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Ele é um colecionador. Compra todas as edições comemorativas de periódicos que encontra. Tem a coleção completa da Playboy desde a primeira edição que caiu em suas mãos – em janeiro de 1983. Tem a coleção completa da revista Piauí. Além de mais de 50 camisas do Palmeiras, seu time do coração, e de algumas centenas de discos de vinil e de fitas VHS. Já chegou a ter dez máquinas de pinball numa garagem. “O livro tem a vantagem de não caducar tecnologicamente. Então não perde a validade nem tem problemas de compatibilidade. Trata-se de uma das grandes invenções da humanidade, como a colher e a roda. Não dá para fazer um substituto melhor”, diz ele.

O Desculpe a Poeira, segundo Ricardo, está desenhado para ser uma operação de um homem só. Mas ele sonha com um estagiário. “Para ser, aqui no sebo, o que Tarantino foi na videolocadora em que trabalhava”. E aí, alguém se habilita?

Este artigo foi originalmente publicado em DRAFT, onde é possível ler o texto na íntegra

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