Como é trabalhar com inovação em uma grande empresa?

Microorganismos observados de perto

Patrícia Maeda, 31, pode aparentar ter pouca idade para o cargo que ocupa. É gerente sênior de inovação no Grupo Fleury. Há sete anos na empresa, ela passou também pelos cargos de analista de planejamento estratégico e consultora de inovação.

A trajetória de Patrícia até liderar a área de inovação deste gigante começou na Universidade de São Paulo (USP). Ela se formou em engenharia mecânica na Escola Politécnica em 2007 e, logo em seguida, foi fazer uma pós-graduação em Administração de Empresas na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Foi estagiária da Rhodia, companhia química, e da consultoria de planejamento estratégico StrictoLacto, onde foi promovida a analista. Foi nessa época que ela percebeu que não queria seguir a carreira de engenheira. “Descobri que gostava de trabalhar resolvendo problemas e fazendo planejamentos para empresas”, conta.

Sobre a história e o tamanho do Grupo: fundado em 1926, quando o médico Gastão Fleury da Silveira comprou um pequeno laboratório de análises clínicas no centro de São Paulo, hoje tem 8 500 funcionários e um faturamento de cerca de 1,9 bilhão de reais por ano. Sete marcas estão sob o guarda-chuva do grupo – Fleury Medicina e Saúde, a+ Medicina Diagnóstica, Diagnoson a+, Labs a+, Clínica Felippe Mattoso, Papaiz Diagnósticos Odontológicos por Imagem e Weinmann Laboratório. Ao todo, somam 159 unidades de atendimento.

Quando não está na sede do grupo, no bairro do Jabaquara, em São Paulo (onde costuma passar de dez a 12 horas por dia), Patrícia gosta de praticar corrida. “Três vezes por semana, acordo cedinho, vou para o parque do Ibirapuera e começo a correr umas 6h30”, conta.

Recentemente, descobriu um novo hobby: cozinhar na companhia do marido, o otorrinolaringologista Flavio Bertoncello. “Na verdade, eu não cozinho nada bem”, diz ela, rindo. “Mas, como nós nos casamos há pouco tempo e temos rotinas atribuladas, é na hora do jantar passamos um tempinho juntos.”

Entre uma rotina e outra, Patrícia conversou com o portal DRAFT sobre como o grupo se organiza para inovar, o borderô dedicado à área de inovação e os desafios de sua rotina. As perguntas e respostas estão a seguir:

Você iniciou a carreira no Grupo Fleury em uma área analítica e de planejamento. Como você chegou à área de inovação?

Entrei na empresa para trabalhar com algo bem analítico: BSC, indicadores, resultados… Depois, migrei para planejamento estratégico, algo mais financeiro, mas ainda assim muito analítico. O gestor da minha área era o Carlos Marinelli, que hoje é presidente do Fleury. Nessa época, a gerência de inovação foi fundida à minha área e, de uma hora para outra, eu me vi no meio de uma série de projetos diferentes e em um ambiente muito mais criativo. Após um ano, mais ou menos, tive que assumir a área de inovação. Eu estava acostumada com projetos com começo, meio e fim muito claros. Aí, me deparei com uma outra realidade, um outro timing, uma dinâmica muito diferente.

Como foi encarar a mudança de ambiente?

Isso me tirou completamente da zona de conforto. Tive que aprender muito. Para mim, foi uma coisa difícil, nova e desafiadora. Primeiro, fui tentar entender porque a área de pesquisa e desenvolvimento não estava junto do que eu tinha que tocar, tanto que, hoje, ela está comigo também. Eu entendi, depois, que fui colocada ali por ter vindo de planejamento estratégico. No Fleury, a gente trata do tema inovação muito próximo do tema estratégia. A gente não tem uma “estratégia de inovação”, temos uma “estratégia da empresa”. A estratégia da inovação é um habilitador desse caminho, desse futuro que a gente quer.

Esse planejamento estratégico leva em conta qual horizonte?

Fizemos um planejamento para 15 anos em 2011. Antes, já tínhamos alguns ciclos mais curtos, de cinco anos, que funcionavam bem. Discutíamos crescimento das nossas linhas de negócio, oportunidades em novas regiões, ganhos de eficiência que poderíamos ter… Mas, em 2011, quisemos estressar a organização e pensar: “Isso serve para o mercado que conhecemos hoje, mas sabemos que existem várias tecnologias e tendências que podem modificar a estrutura desse mercado, então vamos olhar para daqui 15 anos”.

Como saber o que buscar quando se olha para tanto tempo, 15 anos, adiante?

O objetivo não é acertar na mosca, é abrir a cabeça, tirar esse compromisso de prever de fato o que vai acontecer no próximo ano. Uma tecnologia ou tendência que vemos hoje pode estar completamente intrínseca no mercado em 15 anos. O que isso muda? Quando a gente fez isso, vimos que talvez o nosso modelo de negócio não vá permanecer do jeito que a gente conhece. Como nos preparar para isso? Temos interesse de entrar em novos mercados, desenvolver outros modelos de negócio, entrar em outras vertentes da medicina.

E o que deverá mudar na medicina diagnóstica nos próximos anos?

Hoje, você vai ao médico e ele pede uma série de exames. Você pega a prescrição e vai até uma unidade de atendimento. Eles coletam seu sangue e o sangue vem para a nossa área técnica para ser processado. Depois, o resultado é liberado e você vê na internet. Hoje, uma parte dos exames – um portfólio bem pequeno, não deve passar de 15 exames de fato validados – já pode ser feita pelos aparelhos de point-of-care, que são como aquele aparelhinho que mede glicemia. Você tira uma gota de sangue da ponta do dedo e tem o resultado de alguns exames na hora. Essa é uma tecnologia que pode mudar completamente a forma como esse serviço é prestado. Desse jeito, você não precisará mais de uma unidade de atendimento e de uma unidade técnica do tamanho das que temos hoje. Isso muda a dinâmica do mercado. Nos Estados Unidos, uma empresa chamada Theranos desenvolveu uma metodologia para fazer quase 300 exames dessa maneira: apenas pela coleta de sangue da ponta do dedo. É uma startup com valor de mercado de 9 bilhões de dólares, o que é um absurdo para uma startup.

Como uma startup inspira um grupo do tamanho do Fleury?

A Theranos não tem um modelo de negócios completamente comprovado ainda, então ela tem essa operação em oito ou nove farmácias. Isso já muda muita coisa. A Theranos não tem uma unidade de atendimento, mas atende dentro de farmácias. Não precisa fazer coleta de sangue, porque faz tudo pela ponta do dedo e libera um laudo na hora. O custo disso é metade do custo de outros provedores nos Estados Unidos. Estamos muito atentos a esse tipo de movimentação, pois isso pode vir para o Brasil e mudar o modo como trabalhamos hoje. Esse é apenas um exemplo. Há uma série de ideias sendo desenvolvidas pelo mundo, as coisas mais loucas. Vi, no Japão, um vaso sanitário que já analisa a urina. Vi um stick de ultrassom que você pluga no iPhone e consegue levar para qualquer lugar e fazer o exame onde quiser.

O que o Fleury faz para acompanhar as mudanças do mercado?

A área de inovação tem a responsabilidade de conduzir vários projetos, tanto inovações mais próximas ao core business quanto as novas dinâmicas, novos modelos de negócios e, ainda, os novos negócios. Por exemplo, estamos investindo há algum tempo em relatórios integrados. Ou seja, em vez de dar resultados segmentados de cada um dos exames (um laudo do hemograma, outro da glicemia e outro do ultrassom), dependendo da investigação que você está fazendo e do cruzamento dos resultados desses exames, conseguimos dar um diagnóstico muito mais conclusivo e auxiliar os médicos na tomada de decisão, no diagnóstico final. Temos investido bastante nisso, em criar essas árvores de conhecimento diagnóstico, de correlação e cruzamento de informações, para poder prover para o médico uma sugestão diagnóstica muito mais conclusiva. A gente sabe que um grande diferencial da empresa é o conhecimento médico. Isso é um diferencial da empresa, um ativo que é dificilmente copiado.

Como o Grupo Fleury se organiza para inovar?

A gente segmenta isso em três grandes linhas. Uma de inovação em produtos, que é toda a parte de pesquisa e desenvolvimento. Temos cases muito interessantes de pesquisas que se tornaram patentes nossas. Desenvolvemos produtos para ajudar em epidemiologias, como algumas gripes. Quando tivemos aquela crise do H1N1, desenvolvemos muito rápido o teste diagnóstico para identificar o vírus. Outro produto que lançamos recentemente é o da febre chikungunya. Fizemos toda a validação do teste diagnóstico aqui na casa. Oferecemos os dois produtos a preço de custo, não ganhamos nada em cima disso porque é um problema de saúde pública, não é o objetivo. Temos um portfólio de produtos desenvolvidos. Temos um grande investimento em desenvolvimento de produtos em espectrometria de massa, que é uma das tecnologias que prometem para o futuro. Estamos investindo também em equipamentos de sequenciamentos de próxima geração, análise genética.

Tudo isso somente em pesquisa e desenvolvimento?

Sim. A outra linha de inovação é em experiência do cliente dentro da unidade de atendimento. Temos uma unidade só para exames cardiológicos e neurovasculares, onde o cliente pode ir e resolver tudo de uma vez. Temos um centro só para gestantes e outro focado no atendimento pediátrico também. Por fim, a outra vertente de inovação é a de novos negócios e novos modelos de negócios. É onde falamos de coisas um pouco fora da medicina diagnóstica ou pelo menos da forma que a medicina diagnóstica é ofertada hoje.

Como você faz a gestão do borderô de inovação?

Temos um budget muito focado em pesquisa e desenvolvimento. Na área de inovação, não precisamos trazer amanhã o retorno do dinheiro investido hoje. O timing de expectativa é bem alinhado. Temos uma gestão que chamamos de pipeline, da cadeia como um todo. Olho o quanto de receita futura tenho em projetos de pesquisa, em desenvolvimento e, ao mesmo tempo, a receita atual de produtos ou inovações que fiz nos últimos dois anos. Acompanhamos todos esses resultados. Temos o compromisso de transformar o dinheiro de hoje na receita de depois de amanhã. O Grupo Fleury é uma empresa com gestores médicos, que têm um perfil de pesquisa, de olhar para frente e buscar o novo. É uma inquietude muito grande, muito boa.

Este artigo foi originalmente publicado em DRAFT 

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