Até o início dos anos 2000, quem tinha como objetivo ter boas compensações profissionais procurava vaga em bancos, as instituições que mais ofereciam possibilidade de alta remuneração. Foi o que Daniela Fusco Alcaro, na época recém-formada em Administração de Empresas, fez. “Eu gostava da combinação disso – eu achava que boa remuneração era importante na minha vida – e de também poder lidar com Matemática”, conta ela.
Sempre ouvir as “dicas da vida” foi o que a levou pelos próximos, como o de gestão de fundos de investimento, quando essa indústria estava em fase de crescimento acelerado. E, também, o de fazer um MBA para trabalhar com fundos de private equity, que aqueceram depois da privatização da Telebrás.
Durante o MBA nos Estados Unidos, já casada, fez um estágio no Goldman Sachs, em Nova York e não gostou da experiência, que tinha “uma pegada insana de trabalho”. Em três meses de summer, virou a noite no banco duas vezes. “Coisa que a nova geração não aguenta mais, afirma ela. “Eu tenho uma empresa, contrato gente jovem e não vejo ninguém querendo abrir mão da vida inteira por causa do trabalho”, explica Daniela.
Leia também: Como é trabalhar com investimentos no BNDES, um dos maiores bancos de desenvolvimento do mundo
Mas depois do summer em Nova York, foi obrigada a tomar uma grande decisão: seu marido fora convidado a continuar trabalhando nos Estados Unidos, no Walmart. “Foi nesse primeiro momento, com 29 anos, que coloquei a minha vida pessoal à frente do profissional”, relembra ela. Trabalhou por dois anos na tesouraria da rede: “decidi pela minha família”.
No fim das contas, a experiência foi bastante rica porque Daniela trabalhou junto de uma pequena equipe refazendo o planejamento estratégico para repensar o financiamento da companhia. Depois do primeiro filho, de três, voltou para seu país natal. “Não somos aqueles brasileiros que querem ficar lá para sempre. Amamos o Brasil.”
Porta de entrada
O objetivo, em seu país, era, finalmente, trabalhar com private equity. Porém, o timing desfavorável deu outro rumo para sua carreira. “Eu voltei em 2008, que foi um ano muito ruim para esse mercado; a liquidez mundial ficou restrita e não tinha dinheiro para investir”, afirma. Por meio da Rede de Líderes da Fundação Estudar, da qual Daniela faz parte, soube de uma oportunidade em uma startup comercializadora de energia, a Compass. Lá, ficou por dois anos, até sair e fundar a sua própria companhia: a Stima Energia.
Em uma reflexão sobre sua trajetória, Daniela destaca que sempre trabalhou em setores bem mais masculinos. Apesar de não ter sentido dificuldades concretas diretamente ligadas a isso, ela conta que sentiu, por diversas vezes, o preconceito de homens e mulheres que a tratavam como quem sabe menos, ou quem não é tão parte tão importante do negócio.
Isso ainda acontece hoje, empreendendo no setor. “Não é incomum eu atender o telefone para alguém querendo falar com meu sócio e perguntarem se eu sou secretária dele”, conta ela. “Temos que ter maior nível de conhecimento – todo mundo, mas mulher mais ainda -, porque na hora de falar, tudo aquilo que existe de preconceito cai por terra. Eu acho que você tem esse desafio a mais do que os homens”.
Como funciona o mercado
Para Daniela, o ramo da energia é “apaixonante”: “A paixão para mim vem do desafio, e o setor elétrico tem vários”, brinca ela. A administradora explica que, na prática, há dois “ambientes” da energia no Brasil. Um deles, regulado, onde as pessoas físicas participam e onde não se pode escolher de onde comprar energia. Em São Paulo, por exemplo, é da Eletropaulo. “Na verdade, você está comprando de quem é dona do fio. Você compra energia da empresa que distribui energia”, explica ela.
Quem consome acima de quantidade estipulada pelo governo – geralmente, indústrias e grandes comércios – pode optar de onde (e de quem) quer comprar. “Você faz um contrato de distribuição com a sua distribuidora local, paga a tarifa do transporte e compra energia de quem quiser, não precisa comprar da Eletropaulo”, esclarece a empreendedora.
“Há um mercado de compra e venda de energia, e é enorme, mais de 25% da carga do país está no mercado livre”, diz. No ramo, existem os geradores, que geram energia, os consumidores, autoprodutores (grandes eletrointensivos que consomem e geram) e os comercializadores, onde se encaixa a Stima, de trading, da qual Daniela é sócia majoritária.
Leia também: A carreira em petróleo continua promissora? Veja como Lava Jato e mudanças climáticas impactam essa indústria
Os comercializadores ajudam a dar liquidez ao mercado – aumentam a capacidade da energia, como commodity, se converter em dinheiro. Isso porque nem sempre o gerador quer vender quando o consumidor quer comprar, e vice-versa, segundo ela. Nesse trade, a demanda é a carga (que serve para o consumo de energia) e a oferta é, basicamente, a água, explica Daniela, porque 70% da matriz elétrica brasileira é hidráulica.
As estruturas e relações fazem com que quem quer atuar e empreender no setor de energia precise entender muito de clima, por exemplo. Não só: também da carga, da oferta, do que impacta as térmicas e até de um modelo de despacho calculado pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico). “Tem que ter uma combinação ótima, de abrir mão um pouco de hidráulica [que é a forma de geração mais barata] e despachar uma combinação de térmica e hidráulica para ter certeza de que vou ter energia suficiente para atender a carga dos próximos cinco anos.”
Empreender no setor de energia
O comercializador, como a Stima, pode fazer o papel de juntar partes – quem quer comprar e quem quer vender. Ou ele pode tomar o risco de comprar ou vender antes. “Minha empresa, no fundo, funciona como uma mesa de tesouraria de energia elétrica”, resume Daniela. “Com meu recurso, dou liquidez para essas empresas e tomo posições direcionais.”
A Stima vende antes de comprar quando as previsões dão conta de que o mercado vai cair, e compra antes de vender, quando o mercado vai subir. “Eu tento estudar muito o que vai acontecer com o preço para poder dar essa liquidez. E tem que ter um conhecimento muito grande de risco para poder sustentar essa operação”, destaca.
Dentro do setor, com uma comercializadora, Daniela consegue trabalhar com algo familiar e “financeiro”, que é o trading de uma commodity – no caso, energia elétrica. No entanto, há outras oportunidades no ramo, de empreender com geração ou microgeração, por exemplo. “A tecnologia está ditando grandes mudanças de longo prazo”, destaca a empreendedora.
Segundo ela, na parte regulatória também cabem iniciativas novas. Principalmente na defesa de cada agente junto ao governo, como se trata de um campo regulado. “Dependemos do governo entender desse setor, que é tão técnico, para tomar as medidas certas. Existe todo um trabalho saudável de explicar aos governantes quais são as necessidades.”