Ainda criança, Rodolfo Fiori, hoje com 32 anos, ganhou uma bolsa para estudar em um colégio particular de São Joaquim da Barra, cidade onde morava no interior paulista. A bolsa foi tão importante em sua vida que, já adulto, formado engenheiro e com a carreira decolando em uma das maiores empresas brasileiras (a Votorantim Cimentos), ele decidiu fazer algo que muita gente pensa mas poucos de movimentam para realizar: retribuir e ajudar a cidade de alguma forma.
Nessa tentativa de fazer algo por São Joaquim da Barra, um município com cerca de 50 mil habitantes, Rodolfo se encantou com a possibilidade de causar impacto positivo no setor público. Então, lá foi ele conversar com o prefeito para ver o que poderia ser feito. Começou também a estudar a fundo o tema “cidades”.
Aos poucos, o engenheiro começou a desenvolver uma startup, que é essencialmente um negócio social: a Muove Brasil, consultoria que se baseia em dados e análises para auxiliar os municípios em suas tomadas de decisões.
Em paralelo a isso, cursou uma pós-graduação em administração pública no Centro de Liderança Pública (CLP), em São Paulo, e fez um programa de educação executiva sobre liderança no setor público em Harvard, nos Estados Unidos. “No curso conheci muita gente ligada à gestão pública e apresentei o que eu estava desenvolvendo para algumas pessoas”, conta.
Leia também: Conheça seis brasileiros que estão transformando a gestão pública (para melhor!)
Quando você se mexe, as coisas acontecem
Para Rodolfo e a recém criada Muove, o “empurrãozinho” que faltava para o negócio decolar veio quando a Comunitas, organização que estimula a participação da iniciativa privada no desenvolvimento social e econômico do país, conheceu e gostou da jovem empresa — a ponto de chamá-la para implementar seus serviços em cinco cidades do interior de São Paulo.
Para dar conta do desafio Rodolfo pediu demissão (na época ele era gerente nacional de logística na Votorantim Cimentos) e chamou um amigo dos tempos de faculdade para ser sócio. Ricardo Ramos, 32, então gerente de planejamento na Unilever, também pediu demissão e abraçou a ideia.
Mas enfrentou muita desconfiança da família e amigos. “Todos ao seu redor levantam diversas preocupações”, conta, e prossegue: “Deixar a carreira corporativa não é fácil. Mas quando você se identifica com a causa pela qual vai trabalhar a gratificação interna é imensa”.
Rodolfo compartilha o sentimento: “Mesmo que dê errado mais para frente, foi a decisão certa, pois sinto que estamos ajudando muita gente”.
No mercado desde 2015, a Muove tem hoje dez colaboradores, além dos especialistas parceiros que são contratados por projeto. Em 2016 Rodolfo se ausentou da operação (foi fazer um mestrado no exterior), mas retomou assim que voltou ao país. Funcionando a pleno vapor, o negócio deve faturar 700 mil reais este ano.
O principal serviço da Muove é oferecer tecnologia em análise de dados, consultoria e capacitação para gestores públicos e empresas privadas que promovem ações de responsabilidade social. Ao captar e analisar um emaranhado de dados sobre as cidades e suas populações, a empresa usa técnicas estatísticas e computacionais para identificar padrões. Aprofundando essa análise a empresa diagnostica problemas que existem na gestão pública, como excesso de gastos em determinadas áreas ou ineficiência na arrecadação de algum tributo, por exemplo, e sugere um plano de ação.
Baixe o Ebook: O Guia de Como Fazer a Diferença no Setor Público
Como transformar dados em informação útil
Funciona, resumidamente, assim. Uma pequena cidade do interior de São Paulo contratou a Muove porque não tinha controle das contas de luz e água das escolas do município. Após o mapeamento, passou a saber quanto gastam e, ao comparar a informação escola a escola, conseguiu identificar oportunidades de melhoria. Outro exemplo. Ao analisar os dados de uma cidade de Santa Catarina e compará-los com municípios com perfil semelhante, a Muove identificou gastos elevados na área de educação. Agora, está aprofundando o diagnóstico para propor soluções.
Um terceiro município tinha uma arrecadação de ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis) ineficiente – ponto diagnosticado graças à comparação com cidades de perfil semelhante. A exigência de um relatório emitido pelo cartório de imóveis tornou a arrecadação mais eficiente. Rodolfo fala das vantagens do serviço que oferece: “Nosso diferencial é que analisamos dados em larga escola, disponíveis em um enorme banco de dados que construímos, e isso agiliza muito o trabalho de diagnóstico”.
Além disso, por ser especialista em cidades, a Muove tem facilidade para identificar os problemas e propor soluções para as ineficiências apontadas. ”, diz o empreendedor: “Os municípios são diferentes, mas todos funcionam da mesma forma. Os problemas são simples e possíveis de se resolver, com análise, sem reinventar a roda”.
A chave, prossegue ele, está em identificar as ineficiências e dedicar tempo para analisá-las, coisa que nem sempre a gestão pública consegue fazer sozinha.
Leia também: Trainees contam como é trabalhar com gestão pública em uma startup pequena
Um pacote completo de consultoria da Muove, com um ano de duração, custa 60 mil reais, mas a empresa oferece também projetos menores, pontuais e mais baratos. Atualmente, mais de cem cidades do país trabalham com a consultoria, que foca sua atuação em municípios com até 200 mil habitantes. A escolha por cidades pequenas não é à toa.
“Nossa missão é melhorar alguns aspectos da gestão pública para impactar positivamente o desenvolvimento das cidades, por isso o foco em municípios que não costumam ter acesso a grandes consultorias e profissionais muito qualificados”, diz Rodolfo. “A Muove nasceu com a ideia de ser um negócio social e mantém isso muito forte”, complementa Ricardo, e diz: “Por isso priorizamos a escala, em vez de cobrar um valor muito alto por consultoria”.
É preciso abrir mão de alguma coisa para buscar algo maior
Rodolfo e Ricardo não investiram nada do próprio bolso para lançar o negócio. Eles já começaram a operar com um projeto vendido (aquele para a ONG Comunitas) e, mais adiante, receberam um aporte financeiro de dois investidores que apoiam a causa e acreditam no impacto positivo que a Muove pode levar aos pequenos municípios do país.
Ainda assim, ao decidir começar a empreender, ambos escolheram abrir mão dos salários e benefícios que tinham como executivos de grandes corporações. “Hoje temos uma pequena equipe, mas no começo fazíamos tudo: recursos humanos, jurídico, comercial, institucional, comunicação”, lembra Ricardo. Em sua visão, atualmente, o fluxo de caixa é a maior preocupação da Muove. “A empresa está crescendo, se estabilizando e isso também traz mais desafios. E faz a gente ter que se mexer ainda mais e conquistar novos trabalhos.”
A grande dificuldade atual, segundo os empreendedores, é o esforço de vendas. Isso porque sempre que o setor público vai efetuar uma compra superior a 8 mil reais é preciso fazer a contratação seguindo as diretrizes da Lei de Licitações. O problema, neste caso específico, é que o serviço oferecido pela Muove é, além de inovador, também uma novidade em si, e nem sempre a cidade consegue fazer a contratação — seja por falta de concorrentes para participar da licitação ou pela dificuldade em “encaixar” o serviço dentro dos padrões existentes.
Leia também: Conheça o trabalho em uma startup de gestão pública
“Nosso grande obstáculo é a lei que rege os negócios entre as empresas e o setor público. Cada cidade e cada auditor do tribunal de contas têm um entendimento”, conta Rodolfo. Uma das saídas para esse impasse está em organizações não governamentais. A Muove tem algumas ONGs como clientes. Nesse caso elas contratam e pagam pelo serviço, que é implementado nas cidades.
Outro braço de negócio que começa a nascer é a venda de consultoria para as áreas de responsabilidade social de grandes empresas. O primeiro contrato nessa linha foi fechado poucos dias antes da entrevista ao Projeto Draft. Neste formato de serviço, a Muove vai construir uma plataforma com dados referentes às ações sociais da empresa e cruzar com os dados de desenvolvimento social e econômico da região onde a companhia atua.
“O objetivo é entender o impacto das ações na renda, saúde, educação”, conta Rodolfo. Apesar de o cliente ser privado, o foco do trabalho continua sendo o desenvolvimento do município. “Melhorar o desenvolvimento das cidades é o nosso projeto, é o nosso sonho”, diz o fundador da Muove. Ricardo, por sua vez, faz uma comparação interessante sobre sua realidade profissional antes e depois da decisão de empreender socialmente: “Se antes a gente se sentia como uma engrenagem do sistema, trabalhando para o sonho de outra pessoa, hoje trabalhamos para o nosso sonho”. Que mais pessoas se movam assim.
Este artigo foi originalmente publicado em DRAFT