Imagine a cena: você olha para a fatura do cartão e percebe que paga caro por um plano de celular cheio de serviços que nunca usa. Pensa em trocar, mas decide deixar “para depois”. Meses passam, o custo continua pesando no orçamento, mas a mudança nunca acontece. Por quê?
Esse comportamento tem um nome: viés do status quo. É o impulso invisível que nos faz segurar firme no conhecido, mesmo quando ele já não nos serve tão bem.
De relacionamentos a investimentos, de escolhas profissionais a hábitos de consumo, esse viés cognitivo age silenciosamente, prendendo pessoas a decisões ruins. O medo da mudança e a aversão ao risco nos colocam em uma espécie de piloto automático. Confortável, mas muitas vezes custoso.
O que é o viés do status quo?
A tendência de não mexer no que “já está funcionando”
O viés do status quo é uma preferência automática pelo estado atual das coisas, mesmo quando existem alternativas mais vantajosas estão ao alcance. Ele ganhou notoriedade na psicologia e na economia comportamental a partir dos estudos de William Samuelson e Richard Zeckhauser, que mostraram como pessoas e instituições evitam mudanças, ainda que isso custe eficiência e resultados.
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O elo com a aversão à perda
Parte dessa resistência nasce da aversão à perda. Perder algo que já temos pesa mais do que ganhar algo novo.
Por isso, trocar de emprego, encerrar um relacionamento ou mover investimentos, por exemplo, causa tanto desconforto. Não é que a decisão seja irracional, é o medo de perder que faz parecer que mudar sempre é arriscado demais.
É claro que nem sempre ficar onde está é um erro. Em muitos casos, manter o atual realmente é a melhor opção. A diferença passa pela questão: você escolhe porque analisou as alternativas ou apenas porque mudar parece trabalhoso demais?
Viés do status quo em pequenas ações
Pesquisadores da Escola de Psicologia da Cardiff University, no Reino Unido, conduziram um experimento simples para investigar o viés do status quo.
Em um estande, os visitantes precisavam arremessar uma bola em um pote a 2 metros de distância para ganhar chocolate. Eles podiam escolher entre usar a mão dominante para ganhar uma barra (baixo risco, baixa recompensa) ou a mão não dominante para ganhar duas barras (alto risco, alta recompensa).
Antes de arremessar, os participantes assistiam a um vídeo com as instruções e eram apresentados a uma opção padrão: metade dos participantes tinha a mão dominante como padrão e a outra metade, a mão não dominante. Só então recebiam a chance de trocar de mão.
Os resultados mostraram que a maioria manteve a opção inicial — 75% no grupo da mão dominante e 62% na mão não dominante — demonstrando que, mesmo diante da possibilidade de uma recompensa maior, as pessoas tendem a se apegar à opção apresentada como padrão, revelando o efeito do viés do status quo.
Saiba mais sobre o experimento da universidade no vídeo abaixo:
Como o viés do status quo afeta suas decisões?
Quando a inércia comanda
Pense em alguém que continua em um emprego estagnado porque “pelo menos tem estabilidade”. Ou no investidor que mantém a mesma aplicação de anos atrás, mesmo vendo que os rendimentos mal acompanham a inflação.
Até na vida pessoal, o viés aparece: manter um relacionamento desgastado para evitar a dor de terminar, ou não trocar de médico por receio de descobrir que precisa de um novo tratamento.
A verdade é que nosso cérebro exagera os riscos do novo e minimiza os problemas do presente. A sensação de segurança que o status quo oferece é enganosa: muitas vezes estamos apenas nos acomodando com algo que não funciona.
O impacto financeiro da inércia
No campo financeiro, os danos são claros. Investidores que deixam dinheiro parado em cadernetas de poupança ou não diversificam suas carteiras acabam perdendo oportunidades de crescimento. O custo da inércia pode ser invisível no momento, mas devastador a longo prazo.
Por que o cérebro prefere o status quo?
Um resquício da evolução
Nossos ancestrais tinham mais chances de sobreviver quando evitavam riscos desnecessários. Explorar o desconhecido podia significar encontrar alimento… mas também predadores. Essa herança evolutiva moldou nossa mente para valorizar o previsível.
Além disso, mudar é cansativo. Envolve esforço mental para processar informações novas e esforço emocional para lidar com a ansiedade da incerteza. Entre se aventurar em uma alternativa ou permanecer no já conhecido, o cérebro prefere o caminho mais “econômico”.
Como identificar e superar o viés do status quo?
Reconheça quando você está no piloto automático
O primeiro passo é perceber quando estamos escolhendo por inércia. Pergunte-se:
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“Estou optando por isso porque é o melhor, ou porque sempre foi assim?”
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“Se eu estivesse começando do zero, faria a mesma escolha?”
Quebre a mudança em etapas
Transformações grandes parecem assustadoras. Uma saída é dividir as mudanças em passos menores: antes de trocar de carreira, por exemplo, você pode investir em cursos de atualização ou projetos paralelos.
Reaprenda a lidar com o medo
Aceitar que mudar sempre trará algum risco é um passo importante. O segredo está em avaliar racionalmente os custos e benefícios, em vez de deixar que o medo comande a decisão.
O papel da racionalidade na tomada de decisões melhores
Deixe os dados falarem
Planilhas comparativas, simulações financeiras e análise de cenários ajudam a dar clareza. Quando números entram na mesa, o peso das emoções diminui.
Isso é bastante comum, por exemplo, entre pessoas que têm medo de voar, e conseguem entrar em um avião depois de expostas a dados que comprovam como a aviação é segura.
Use ferramentas de apoio
Modelos de decisão, consultorias especializadas e até conversas com pessoas de confiança funcionam como âncoras para sair do círculo de conforto. Muitas vezes, um olhar externo revela o que o apego ao status quo esconde.
Quando o apego ao passado custa caro
A Kodak é o exemplo clássico. Durante quase todo o século 20, a empresa foi sinônimo de fotografia, chagando a dominar mais de 80% do mercado mundial de filmes fotográficos. Mas o que parecia um império inabalável desmoronou em poucas décadas. Não por falta de inovação tecnológica, mas por resistência à mudança.
Em 1975, um engenheiro da própria empresa, Steve Sasson, desenvolveu a primeira câmera digital funcional. A reação dos executivos foi curiosa: eles não negaram o potencial da invenção, mas a trataram como uma ameaça ao modelo de negócios baseado na venda de filmes e revelações.
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A Kodak preferiu manter o foco no que já dava lucro, reforçando o status quo. Por anos, continuou faturando alto com rolos de filme, acreditando que o mercado digital era apenas uma moda passageira.
O problema é que outras empresas, como Sony e Canon, abraçaram a fotografia digital e ganharam espaço. Quando a Kodak tentou reagir, já era tarde. Em 2012, o ícone da fotografia pediu falência.
O maior risco pode ser não arriscar
O que derrubou a Kodak não foi a falta de tecnologia ou talento. Foi o viés do status quo: a decisão de se apegar ao modelo antigo, por medo de perder o que já tinha, custou a chance de liderar o próximo capítulo da fotografia.
Na vida pessoal, quantas histórias conhecemos de pessoas que adiaram mudanças importantes, seja de cidade, de relacionamento, de carreira, até que a situação se tornou insustentável?
O viés do status quo se disfarça de prudência, mas muitas vezes é só medo fantasiado de segurança.
Reconhecer esse problema não significa revolucionar tudo na sua vida de uma vez só, mas aprender a decidir de forma consciente.
Afinal, cada escolha tem seu custo. E, às vezes, o maior risco é não mudar nada.