Por onde estão espalhados os empreendedores no país? Qual é o papel das universidades no desenvolvimento do ecossistema? Essas são algumas das perguntas que norteiam a atuação do professor Gilberto Sarfati, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que atualmente está envolvido em um grande projeto de mapeamento do empreendedorismo do país. Na coluna a seguir, ele compartilha um pouco de suas conclusões até agora e sua visão sobre o tema:
As universidades são agentes-chave no ecossistema empreendedor, sem sombra de dúvidas. Essa conexão gera efeitos positivos tanto para a IES, recebendo apoio, desenvolvendo os alunos e instigando a inovação, quanto para o ecossistema, que se beneficia do conhecimento gerado e da mão de obra qualificada.
Inspirado pela conversa que tivemos na Rodada de Educação Empreendedora, uma iniciativa do Movimento Educação Empreendedora — e que você pode assistir dando play no vídeo abaixo — quero compartilhar com você um projeto que estou envolvido e traduz bem como essa relação entre universidade e mercado pode extrapolar algumas fronteiras e criar projetos com verdadeiro potencial inovador.
Há cerca de quatro meses, tiramos do papel um projeto intitulado Mapped in Brasil. A ideia surgiu após identificarmos algumas demandas bastante latentes. A primeira teve origem nas instituições de ensino: é a carência de informações sobre o empreendedorismo. Diante dessa necessidade, estruturamos o mapeamento de modo que ele funcione também como uma fonte de pesquisa acadêmica sobre o empreendedorismo. Deste modo, com as informações, seria possível obter mais subsídios para políticas públicas.
A segunda demanda é a de que os próprios empreendedores brasileiros precisam enxergar-se, ver-se na robustez que acreditamos existir no ecossistema nacional. É fundamental que notem o quão vasto é esse ecossistema e que identifiquem os principais centros empreendedores do país, distribuídos por regiões.
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E a terceira demanda é a necessidade de apresentar internacionalmente o empreendedorismo brasileiro. Nesse sentido, usamos como referência uma iniciativa adotada por Israel já há alguns anos. Ainda que hoje o sistema de mapeamento esteja desatualizado, ele foi capaz de mostrar, a quem está fora do país, tudo o que acontece de interessante por lá, incentivando relações econômicas internacionais — que é um de nossos objetivos, também.
Como funciona?
A plataforma apresenta, no mapa do Brasil, a localização de startups, aceleradoras, espaços de coworking, grupos de investidores-anjo, núcleos de pesquisa e todas as organizações ligadas ao empreendedorismo. E é atualizada em tempo real.
Empresas de diversos tipos podem se submeter. O cadastro é realizado rapidamente pelo site, e o sistema funciona por meio de open crowdsourcing — ou seja, todo mundo tem acesso a todas as informações, sem restrição. Nossa única intervenção é a curadoria dos pontos: recebemos os pedidos de inclusão no mapa e fazemos uma breve seleção, para assegurar que as organizações se enquadrem no perfil do empreendedorismo.
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Temos cerca de 900 pontos e, em várias categorias, como venture capital e aceleradoras, já mapeamos quase 100% das organizações. Em outras, como é o caso de incubadoras, chegamos a 70%.
O papel das universidades na descoberta das vocações regionais
Mesmo em estágio inicial, o Mapped in Brasil tem mostrado a regionalização do empreendedorismo. Por exemplo: quando se trata de venture capitalists e investidores-anjo, a incidência é muito maior em São Paulo. Pelo contexto econômico e de infraestrutura, é bem pouco provável que isso se transfira a outras regiões, sem a ajuda de políticas públicas.
Uma das conclusões que chegamos, fruto inclusive de pesquisas anteriores, é a de que cada região do país deve buscar sua vocação empreendedora. Essa busca deve considerar suas próprias especificidades regionais, os aspectos em que o ecossistema possa se especializar e pelos quais possa ser reconhecido.
Aqui, o papel das universidades é fundamental. Tomemos como exemplo o que ocorre em algumas regiões do Canadá, em que instituições realizam extensas pesquisas sobre nanotecnologia enquanto outra se especializa em tecnologia marinha: o ecossistema empreendedor funciona a partir disso, alimentando-se dessa vocação. Assim, as universidades devem tomar a iniciativa na busca pela vocação de uma região.
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Relações entre as universidades e o empreendedorismo
A propósito de universidades: para além de ser uma fonte de informações acadêmicas, o Mapped in Brasil também pretende apontar as conexões entre instituições de ensino e o ecossistema.
E eu gostaria de refletir brevemente sobre a natureza dessas relações. A meu ver, elas acontecem de formas direta e indireta. A forma mais direta se dá pelos núcleos e centros de pesquisa e de tecnologia dentro das instituições. É fundamental que haja ensino de empreendedorismo como elemento de incentivo.
E, de forma indireta, temos as incubadoras — a maior parte delas é ligada às universidades. São 221 pontos, de norte a sul do país. A propósito, no próximo ano queremos criar indicadores a partir desse mapeamento para apresentar a densidade regional dentro do ecossistema.
A universidade como espaço de conexões
Por outro lado, entendo que as relações entre empreendedorismo e universidades não podem se restringir às salas de aula. As instituições de ensino precisam abrir espaços e promover conexões para que o ecossistema cresça e se fortaleça.
A própria GV é exemplo disso: fomos pioneiros no ensino de empreendedorismo, mas, hoje, o sistema se expandiu para muito além das salas de aula. Temos, por exemplo, um grupo de anjos formado somente por ex-alunos (GVAngels). Temos, também, a aceleradora (GVentures), que recebe empresas cujos empreendedores (ou ao menos um dos sócios) seja aluno ou ex-aluno. Os ex-alunos também atuam como mentores e palestrantes.
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E à medida que a aceleradora e o grupo de anjos vão crescendo, fazemos conexões com outras aceleradoras e com potenciais empreendedores. Acredito ser este o principal papel da universidade: o de atuar como um espaço de conexões e de criações — que é o que tornará o nosso ecossistema cada vez mais robusto.
Gilberto Sarfati é professor da FGV
Este artigo foi originalmente publicado em Endeavor