No mundo do surf, tudo gira em torno das ondas. Encontrar a praia com as condições perfeitas é um feito que requer paciência e este ritual inclui checar a previsão do tempo, acessar sites especializados e, aí sim, pegar a estrada. Mas, em tempos de aplicativos tão específicos, a pergunta que pairava entre os amigos surfistas Felipe Baracchini, Felipe Barros e Adriano Vasconcellos era: “Cadê aquele app que vai mostrar onde estão as melhores ondas e virar uma ferramenta social?”.
A resposta não existia e eles assumiram a missão de criá-lo. Assim nasceria a Broou. Felipe Baracchini, 32, é publicitário formado pela ESPM e passou por grandes agências, como Talent e Africa até virar gerente de projetos da revista Almasurf, onde ficou de 2008 a 2013.
“Era o emprego dos sonhos. Fazia uns puta eventos, conhecia muita gente”, diz. Com jeito para organizar turnês, ele chegou a ter uma produtora, a Vamoaí, com a qual fez um show da banda Mundo Livre S/A, em São Paulo. Dessa experiência, além do alívio por ter dado certo, ele também levou um pequeno trauma: “Foi suficiente para eu saber que não queria aquilo”. Pensar no que queria de fato levou Baracchini a apostar na ideia da Broou, e ele seguiu o roteiro clássico do empreendedor ultraconfiante: pediu demissão e vendeu o carro, levantando 20 mil reais para segurar a contas e iniciar a startup.
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Disponível para iOS e Android, a plataforma hoje mostra quais são as praias – ou melhor, picos – com melhores condições para o surfe. O usuário entra, pesquisa o local desejado e tem dados como o tamanho das ondas, a direção da ondulação e do vento em tempo real.
Os primeiros parceiros do projeto eram certos. Felipe Barros, 32, colega da faculdade e dupla de TCC, era outro entusiasta do surf. Depois de seis anos circulando por agências e muita insistência do amigo xará, foi convencido a ir trabalhar como diretor de arte na Almasurf. Dali, deixaria o emprego estável para dedicar-se à Broou, um pouco inspirado por sua esposa, que também é empreendedora. “Foi bom ter um exemplo em casa, mas isso não facilitou as coisas”, ele diz, falando da preocupação com as contas na época.
O grupo de fundadores ainda tinha Adriano Vasconcellos, 42, diretor da revista Hard Core e fanático pelo esporte. Já Adriano Wiermann, 28, seria a adição estratégica na parte científica do negócio que estava em formação. Amigo de infância de Baracchini, formou-se em Oceanografia na Federal do Rio Grande e passou a estudar previsões para o mar. Felipe conta que, a partir daí, eles começaram a ir atrás de gente para entrar no negócio. Fundador da ON Interactive, André Brunetta cuidava da parte de tecnologia. “Aí vieram o Caio Matoso e o Rodrigo Mendes, para cuidar do design e criação”, diz. A certa altura, o time dos sonhos eles já tinham. O que não sabiam é que isso não livraria a Broou dos primeiros caldos (como são chamadas as quedas que quase afogam o surfista).
Parecia certo, mas deu errado É normal, quando se empreende em algo que se ama, subestimar as dificuldades. Daí resultam sustos e frustrações. Foi o que os sócios sentiram ao perceber que a ideia — um aplicativo que mostrasse a previsão das ondas elaborada por surfistas e para surfistas — por si só não se bancava, e que o caminho seria bem mais longo até eles começarem a ganhar salários de acordo com as suas expectativas e experiência.
“A gente não sabia a importância de investimento em mídia. Achamos que de cara o app teria 30 mil downloads”, diz Barros. Fora isso, a empolgação era tanta no início, que qualquer oportunidade que aparecia para expandir o negócio, que sequer estava estabilizado, eles abraçavam. Uma turnê com o músico e surfista Donavon Frankenreiter pelo Brasil? Sim! Uma marca de camisetas, boné personalizado? Claro! Enquanto eles diziam sim para tudo, não paravam para pensar que seu produto, afinal, o aplicativo, sequer estava funcionando do jeito que queriam.
A vontade de abraçar o mundo fica evidente nessa história: a dupla de Felipes tinha o sonho de lançar o app no Havaí, durante o Pipe Masters, o mais icônico campeonato de surf do circuito mundial. Eles planejaram a viagem, usaram suas milhas para as passagens e pediram ajuda de custo com alimentação e hospedam para o primeiro investidor do Broou, Eduardo Cury (primo de Baracchini). Então, embarcaram para uma viagem de 20 dias na ilha de Oahu. Chegando lá, apresentaram o produto para o brasileiro Gabriel Medina (campeão mundial de 2014) e até apareceram ao vivo na transmissão do campeonato.
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Na teoria, o sucesso estava quase garantido, certo? Longe disso, como lembra Baracchini: “Foi guerrilha total. O aplicativo não era o que a gente queria e ainda não sabíamos como ganhar dinheiro. A nossa missão era quase ser Deus: oferecer produtos, conteúdo e serviços para surfistas e amantes do surf. Isso nos ferrou”.
O lançamento oficial do app aconteceu em maio de 2014, mas os problemas se acumulavam. A área de chat, que deveria servir para os usuários marcarem seus bate e voltas (as viagens à praia que não incluem pernoite) não funcionava direito. A versão Android ainda precisava ser desenvolvida. Em paralelo, Adriano conseguiu criar e coordenar um time de cinco oceanógrafos focados em estudar a condição do mar nas praias cadastradas no aplicativo. A equipe andava bem, apesar das dificuldades administrativas da startup. Mas todos sentiriam, no ano seguinte, as consequências de terem feito o lançamento de um produto, e uma empresa, não tão maduros. Em 2015, os sócios se distanciaram, Baracchini acompanhou a fase terminal do câncer do pai, Barros perdeu um financiamento e se mudou para a casa da sogra. Eles ainda não sabiam como ganhariam dinheiro com aquilo. Em resumo, foi um balde de água fria.
Arrumando a casa para recomeçar A startup tremeu na base. Mas ninguém desistiu. Cada um voltou a subir na prancha da sua maneira. Adriano embalou um mestrado em Engenharia Costeira, Barros colecionou freelas e voltou ao mercado por alguns meses, e Baracchini procurou um coach para entender de vez o que eles tinham feito de errado. “Contei tudo para ele, começamos a fazer reunião pelo Skype a cada 15 dias e percebi que a minha função no projeto era fazer todo mundo dar seu melhor. Então decidimos dar o devido valor ao mais escalável: criar uma comunidade baseada em previsão de ondas. Daí trilhamos um plano de marketing”, ele lembra. É este plano que, hoje, fica aberto 24 horas por dia na tela de seu computador.
Arrumar a casa foi fundamental para conseguir reconhecimento não só dos surfistas – hoje a Broou conta com oito embaixadores que ajudam a divulgar a marca – como também do ecossistema de empreendedores digitais. Um dos resultados deste movimento é que a Broou foi escolhida como umas das 100 startups mais interessantes para o mercado pelo Movimento 100 Open Startups. Até o fim deste ano, junto com a previsão de break-even, serão injetados 100 mil reais na empresa, o dobro de 2015.
A Broou ainda não fatura e por isso ficou acordado que, a cada mês, os 13 sócios (incluindo a equipe de oceanógrafos) fazem um aporte. Hoje, também, as funções de cada um são mais bem definidas. Além disso, as metas agora são factíveis. “Sem investimento de mídia, o nosso crescimento em número de downloads era de 7% ao mês. Agora esperamos pelo menos 10%”, diz Barros. Para atingir essa taxa, eles também entenderam que era essencial conversar com o usuário. “Quando vamos fazer algumas atualização, falamos com grupos de surfistas e testamos tudo antes. Pode-se dizer que nós renovamos os votos.”
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Novo fôlego, novas parcerias Para confirmar o novo fôlego da startup, uma nova versão do app será lançada em maio, com duas funções novas: Report das Condições do Pico (para o próprio usuário validar as previsões de ondas que encontrou na praia) e um botão para que ele peça o cadastro de um novo pico. “O nosso dado é uma previsão virtual, no fim das contas. Para analisar melhor, precisamos de alguém in loco, para ser o mais confiável possível. Agora o surfista vai poder dar o tamanho e a qualidade das ondas. Aí ele pode escrever como está a água, o crowd etc”, conta Adriano. E como cobrar pelo uso do aplicativo está fora de cogitação, os sócios vão testar anúncios mobile para firmar um modelo de negócio.
As informações colhidas pelo time de forecasters também abriram portas para três parcerias. Com a Red Bull, a revista Hard Core e o canal Off (na TV a cabo, especializado em esportes outdoor). Por enquanto, a Broou oferece conteúdo e um widget de previsão de ondas em troca de contéudo. “Agora que o serviço do widget está consolidado, haverá uma cobrança de mensalidade para cobrir custos operacionais”, diz Barros. A costa brasileira está bem coberta, com 800 praias cadastradas, dizem os fundadores. Mas a atuação do app é global, com usuários em 50 países. Nos Estados Unidos, a ferramenta é alimentada com dados gratuitos da NOAA (National Oceanic & Atmospheric Administration). “A meta é bater 200 mil downloads no primeiro semestre de 2017. A gente quer que essa seja uma ferramenta indispensável para qualquer cara que pega onda”, diz Baracchini. Agora, com as condições mais favoráveis, a Broou dá suas braçadas com mais confiança.
Este artigo foi originalmente publicado em DRAFT