Por Frederico Machado
O Vale do Silício (Silicon Valley, em inglês), na costa oeste dos Estados Unidos, é uma verdadeira “Meca” para o empreendedorismo, reunindo um grande número de empresas do mercado tecnológico. Mas não é preciso ir tão longe para ter contato com um cenário parecido – dadas as devidas proporções, é claro. Basta visitar São Pedro, bairro da Zona Sul de Belo Horizonte, para observar porque San Pedro Valley é considerada a melhor comunidade de empreendedorismo digital no país atualmente.
Para se ter uma ideia do impacto desse ecossistema empreendedor, onde as empresas são vizinhas e se ajudam visando o fortalecimento do mercado, a mineira San Pedro Valley foi vencedora do prêmio Spark Awards em 2014 – uma espécie de Oscar do empreendedorismo digital brasileiro, coordenado pela Microsoft – na categoria melhor comunidade do país.
Hoje são mais de 300 startups oferecendo serviços e produtos inovadores nos mais diversos ramos.
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Marco inicial de San Pedro Valley
É difícil datar precisamente o surgimento do San Pedro Valley. Um dos marcos nessa história é a aquisição em 2005 de uma startup mineira chamada Akwan pelo Google. Depois do negócio, o gigante do mercado de buscas acabou instalando na capital mineira um escritório de pesquisa e desenvolvimento para aproveitar a mão de obra qualificada da região, inspirando os jovens do mercado de tecnologia.
E mão de obra qualificada geralmente está relacionada com uma boa universidade por perto: o curso de ciência da computação da UFMG foi líder no ranking do Enade nos últimos dois anos e abastece as startups do San Pedro Valley com empreendedores de primeira.
O relacionamento com a instituição se fortaleceu quando, no início de 2017, empreendedores resolveram organizar um curso aberto e gratuito de empreendedorismo para 150 pessoas na UFMG. A procura foi grande: cerca de 700 se inscreveram.
Ao longo de trinta encontros, os representantes da San Pedro Valley ensinam as ferramentas cotidianas das startups – como business model canvas, lean startup e marketing digital, entre outros temas –, além de insights práticos e conselhos sobre como tocar negócios e fazer contatos. É mais um passo para aumentar o círculo e fortalecer a região.
“O surgimento de um ecossistema acontece, na maioria das vezes, porque algumas empresas dão tão certo que acabam atraindo outras. Em BH, tivemos o caso da Akwan, que foi vendida para o Google e que acabou mostrando para o Brasil que existe inovação de ponta por aqui. Isso fez com que mais pessoas começassem a empreender e outros olhassem para startups como uma oportunidade de carreira”, avalia Gustavo Caetano, fundador da SambaTech e um dos pioneiros no San Pedro Valley.
Além de oferecer remuneração competitiva, ambiente informal e desafios atraentes para jovens talentos – representantes da comunidade estimam que centenas de empregos tenham sido gerados ali –, as startups da San Pedro Valley oferecem algo que outras organizações tradicionais da região, como mineradoras e montadoras de veículos, não conseguem: um crescimento de carreira acelerado.
Dentro de um modelo de gestão horizontalizado típico de startups, onde autonomia, vontade e conquistas falam mais alto que senioridade ou experiência, é possível passar de estagiário a sócio de um negócio em pouco tempo.
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Brincadeira séria
O apelido “San Pedro Valley” surgiu em 2011 e o seu criador foi Mateus Bicalho, co-fundador da Hotmart. “O nome surgiu a partir de uma brincadeira, sem pretensões. Nós da Hotmart alugamos uma salinha junto como pessoal da RockContent no bairro São Pedro e as empresas começaram a crescer. Dada a proximidade entre todos os empreendedores, que trocavam ideias frequentemente sobre os negócios, e estarmos todas localizadas no bairro São Pedro, eu brinquei com o pessoal que aquela região era o San Pedro Valley, uma brincadeira em alusão ao famoso Vale do Silício norte-americano”, revela Bicalho.
Logo o apelido se difundiu pelas redes sociais, especialmente quando alguma empresa era premiada ou recebia investimentos vultuosos.
A escolha do bairro São Pedro se justifica por ser uma região de fácil acesso, com imóveis a bom preço para alugar, opções de restaurantes baratos e próxima ao tradicional bairro de Savassi. Esse cenário atraiu outros empreendedores, que costumam se encontrar por coincidência pelas ruas e estabelecimentos (sacolão, padarias, mercados, etc.) do bairro São Pedro, gerando uma rede informal.
“O San Pedro Valley é uma comunidade que se formou organicamente por empreendedores que queriam crescer e compartilhar suas experiências”, afirma Diego Gomes, um dos criadores do movimento e sócio da RockContent.
[Encontro de empreendedores em San Pedro Valley]
Ambiente colaborativo
Uma das marcas do lugar é a colaboração: praticamente todos os fundadores das empresas se conhecem e procuram se ajudar das mais diferentes formas.
“Uma coisa que aprendi é que ninguém é muito bom em tudo. Por aqui na SambaTech entendemos que somos acima da média em algumas áreas como Design, Produto, Marketing. Porém, em áreas como Vendas tem gente fazendo melhor, como é o caso da RockContent, referência nessa área dentro do San Pedro Valley. Por isso, nossos novos vendedores passam um bom tempo dialogando com o pessoal da Rock para aprenderem os processos e cultura de vendas”, explica Gustavo Caetano, da SambaTech.
Para facilitar essa troca de experiências, são utilizadas diversas ferramentas. “Nos grupos de WhatsApp procuramos ajudar quem está começando. Essa troca de experiências é enriquecedora porque passamos pelos mesmos problemas e desafios. Não existe clima de concorrência entre nós, todos saem ganhando com essa ajuda mútua”, explica Ofli Campos, um dos fundadores da Meliuz.
Além do grupo de WhatsApp, as empresas possuem um site – sanpedrovalley.org.br – e também se comunicam pelo Slack, sistema desenvolvido no Vale do Silício.
Para completar, os “cabeças” das principais empresas costumam se encontrar ao menos uma vez por mês para comer uma pizza, tomar cerveja e discutir os rumos dos seus negócios. “Encontrar e trocar informações de maneira constante e aberta com empreendedores de outras startups do San Pedro Valley diminui a curva de aprendizagem sobre diversos temas altamente relevantes que fazem parte do nosso dia a dia. E isto é o que caracteriza a comunidade do SPV: aqui a troca de conhecimento é constante, gratuita e envolve empresas de diversos mercados, tamanhos e fases diferentes”, afirma Rodrigo Cartacho, fundador da Sympla.
Não é raro ver fotos desses encontros no Instagram com a legenda #SPV, como essa que ilustra a reportagem.
Os bons resultados e premiações de algumas empresas do San Pedro Valley, como RockContent, SambaTech, Tracksales, Zaphee, Sympla, Meliuz, Hotmart, DataStorm, Dito e AppProva, acabam inspirando as startups que começam o seu trajeto. “Hoje temos startups que servem de exemplo e inspiram as recém-criadas. Assim, o ecossistema segue evoluindo”, ressalta Gustavo Caetano.
O ambiente colaborativo também teve um efeito no fluxo de capital do país, antes concentrado em São Paulo, onde fica a maior parte dos fundos de investimentos. Com o sucesso das startups locais – que passaram pela fase de convencer seus investidores de que não havia necessidade de mudar de cidade –, analisar as novas oportunidades em Belo Horizonte se tornou prática do setor.
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Incentivo do governo
Outro fator que ajudou no desenvolvimento do San Pedro Valley foi o SEED, um programa de desenvolvimento do ecossistema de empreendedorismo e startups, que fazia parte do Escritório de Prioridades Estratégicas do governo de Minas Gerais.
Criado em 2013 com o objetivo de fomentar projetos ligados à tecnologia, o SEED já auxiliou mais de 80 startups, algumas delas apenas com ideias na cabeça.
“Um ecossistema vai bem além das startups. Precisa de diversos players como as aceleradoras, entidades financiadoras, fundos de investimento e claro, o governo. Na minha opinião, a função do governo é fomentar todos os players do ecossistema, tanto ajudando a criar novas empresas com programas como o SEED – de grande êxito em Minas Gerais –, como também facilitar o acesso a capital, e desonerar iniciativas de inovação, entre outros”, analisa Rodrigo Cartacho, da Sympla.
“Não podemos esperar que o governo atue sozinho. Precisamos entender que o governo é uma máquina capaz de fomentar – com todo os seus recursos disponíveis –, mas cabe a todos os players do ecossistema criar ações para que estes recursos sejam bem utilizados e canalizados para as principais necessidades e de maior impacto no desenvolvimento das startups”, finaliza.
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