“Recrutamento”. Como a origem (“recrutar”) indica, a prática é muito ligada ao mundo militar. Diz respeito à seleção de corpos e mentes preparados para as duríssimas tarefas de defender um certo território, uma nação. O rigor de alguns desses processos é conhecido –como o do Batalhão de Operações Policiais Especiais, do RJ, o BOPE, representado nos filmes “Tropa de Elite”.
Mas, quando se trata do ambiente de negócios, o termo se esvazia. Para grande parte das empresas, a essência do “recrutar” muda em meio a processos genéricos e modelos automatizados. São poucas as companhias que o seguem mais à risca. Que tentam extrair, da filosofia militar, práticas e valores para a formação de um time mais preparado.
A Arpex Capital (proprietária das empresas de meios de pagamento Stone, Mundipagg, Pagar.me, Cappta, entre outras) é uma dessas organizações. Uma das inspirações para o processo foi o contato de um dos sócios, Andre Street, com os ensinamentos de Paulo Storani, ex-capitão do BOPE. Naquele momento, o gestor percebeu a importância de se atrair pessoas com uma causa, um propósito. Pois é por esse propósito que elas serão capazes de feitos extraordinários.
Hoje, para atrair os melhores talentos, a empresa realiza o Recruta Arpex – um processo seletivo que procura quem “esteja preparado para tudo”. Com este objetivo, é evidente que não pode se tratar de um processo comum.
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O desafio de atrair e contratar
Livia Kuga, do time de Atração e Recrutamento da empresa, conhece o Recruta Arpex como ninguém: não só foi contratada por meio dele, como atualmente o coordena. E ajuda a entender porque o programa tem sido tão bem-sucedido. Não apenas por atrair cada vez mais pessoas, mas por gerar aprendizados fundamentais dentro da própria Arpex.
Tudo começou em 2014, quando a empresa era bem menor do que atualmente. Naquele momento, os sócios perceberam que precisavam atrair e contratar “gente boa”. E isso, por meio de um processo com muito mais escala para superar o desafio de ter não mais centenas de participantes, como anteriormente; mas milhares. Como fazer isso?
“A resposta veio do contato com o BOPE, via Paulo Storani, e com a filosofia dos navy seals [divisão de operações especiais da Marinha norte-americana]. O recrutamento dessas duas organizações virou benchmarking para a Arpex”, conta. A ideia é, de fato, selecionar pela resiliência. “A pessoa que fosse até o fim seria a que não pediria para sair”, complementa Livia.
Assim, e refletindo sobre a cultura da empresa, os gestores definiram que o processo teria que atrair pessoas com três atributos “inegociáveis”: inteligência, energia e integridade. São características indispensáveis para a Arpex, e todo o processo foi pensado de modo a avaliá-las em cada participante, com um método criado em casa, adaptando aprendizados obtidos em diversos lugares do mundo.
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Missão dada não é só missão cumprida
Desse tripé, Livia salienta a energia – e não apenas dos candidatos, mas dos próprios líderes da empresa. “Uma das etapas do Recruta requer dedicação exclusiva de mais de 60 líderes durante sábado e domingo inteiros. As pessoas não reclamam e, inclusive, fazem questão de participar. Elas querem estar lá. Têm energia e motivação intrínsecas”, conta ela.
Afinal, o Recruta foi criado para atrair jovens talentos. E, na visão dos gestores, “preguiça” e “juventude” são contraditórios. O processo, assim, foi desenvolvido de modo a deixar pelo caminho quem não tivesse a energia necessária para cumprir a missão mais importante para o crescimento sólido de uma grande companhia: selecionar os melhores.
Porque, uma vez dentro da empresa, “a pessoa não terá que fazer só o que pedem para ela fazer. Ela deverá superar as expectativas de quem pediu”, afirma Livia. Energia envolve sempre querer fazer mais, ir além. E, conforme aprendido com o BOPE e os Seals, o processo seletivo deve atrair perfis que vejam sentido nisso e, de fato, queiram construir algo maior.
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“Não classificamos por faculdade”
Livia afirma que, no Recruta, as pessoas não são selecionadas pelo currículo. A ideia é atrair valores e princípios, antes da formação. Exatamente por isso, a triagem tem que ser muito bem feita. E aprofundada: o programa tem média de duração de quatro meses.
A ideia principal, realmente, é selecionar pessoas pela resiliência e pela sua capacidade de conquistar, identificando nelas o potencial de, futuramente, serem sócias da empresa. De se tornarem, um dia, líderes que formam outros líderes.
Outro diferencial do programa é que ele não atrai apenas recrutas: o processo serve também para atrair e contratar profissionais para outras áreas específicas da Arpex. “Hoje, na companhia, temos 23 recrutas. Mas, do pessoal que veio por meio do processo, são mais de 200”, afirma Livia. Os gestores acabam aproveitando o programa para preencher muitas vagas específicas. E o Recruta se torna, assim, muitos processos seletivos em um só.
Mas um dos principais fatores também é ensinar o time a selecionar pessoas. E, por isso, grande parte dos jovens líderes ou dos aspirantes a líderes dentro das companhias acompanham as entrevistas em cada etapa.
Atualmente, como já foi dito, o processo é longo, aprofundado e difícil. A primeira etapa é online, com um questionário “sobre a vida”. Uma série de perguntas por meio das quais os avaliadores procuram conhecer “a capacidade de entendimento dos participantes sobre o ser humano”, afirma Livia.
Muitas pessoas já desistem nessa etapa: em 2016, 27 mil pessoas começaram o questionário, e 5 mil o finalizaram. Isso é proposital, porque a ideia é reter quem tende a ser mais profundo.
Depois, passa-se à primeira bateria de testes, com uma prova própria de lógica, ou de raciocínio flexível. Há também um teste de adequação, por meio do qual a Arpex procura entender o que o participante valoriza no trabalho –e, em consequência, descobrir se é o que a própria empresa valoriza, para avaliar a sinergia.
O mais importante, aqui, é combinar esse monte de informações com a história do candidato, que foi contada de forma detalhada nos questionários iniciais.
Os candidatos que permanecem enfrentam uma segunda bateria de testes. São avaliações situacionais, em que o participante mostra como se comportaria em certas situações, e outras motivacionais. Todos esses testes oferecem um retrato bastante detalhado de cada um dos potenciais recrutas.
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Os comandantes participam ativamente
A partir daí, os sócios e os gestores da empresa são convocados para a próxima etapa, que é a dinâmica de grupo. Os candidatos remanescentes são entrevistados pelos líderes –esta parte é fundamental, pois é quando conseguem identificar os potenciais das pessoas.
“É quando conseguimos separar o joio do trigo. É um momento de grande aprendizado – inclusive para os próprios líderes – sobre aquilo que se espera de uma pessoa, se é boa ou não para a empresa”, explica.
A dinâmica acontece em um sábado, e o candidato já sabe na hora se foi ou não aprovado. E, de acordo com Livia Kuga, os não-aprovados recebem até mais atenção. Por deferência e empatia, mesmo, já que vão receber uma mensagem difícil. “Até porque esse candidato é o cliente do momento. Ele quis trabalhar com a gente e isto é uma honra para nós”,diz. E, muitas vezes, eles são encaminhados a outras áreas da empresa, que têm as demandas específicas já citadas.
Depois disso, ocorrem mais seis etapas – todas elas envolvendo a maioria dos líderes. No final, quando o Recruta é enfim aprovado, chega a hora de ele escolher, porque pode definir em qual área e empresa do grupo gostaria de trabalhar.
A ideia geral, reitera Livia, é trazer, até o final do processo, as pessoas que não desistiram dele e conseguiram comprovar sua capacidade de integrar um time de elite. E, acima de tudo, pessoas interessadas em auto-conhecimento, em descobrir suas próprias potencialidades.
Pessoas como a própria Livia — que, apesar da dificuldade do programa, afirma sem pestanejar: “Se eu pudesse, prestaria de novo, só para ver se ainda sei quem eu sou”.
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Este artigo foi originalmente publicado em Endeavor