Quando o fim se aproxima, é costumeiro que presidentes de qualquer país comecem a passar a limpo seus trabalhos através de livros, entrevistas, pronunciamentos e ensaios. É parte da solidificação de um legado, aquilo que está sendo deixado para futuras gerações e que vai ser sempre associado a seus nomes. Não é diferente com o presidente dos EUA Barack Obama, que deixa a Casa Branca em janeiro de 2017 após oito anos de serviço.
Ele escolheu a edição mais recente da revista britânica “The Economist” para publicar um ensaio, “The way ahead”, sobre o que vê como os maiores desafios econômicos americanos a serem enfrentados por seus sucessores.
Falando sobre os medos que alimentam os discursos da contenciosa eleição em seu país, Obama diz que existem algumas preocupações econômicas legítimas por trás deles – e uma delas tem a ver com o mercado financeiro e o crescimento da concentração de renda.
“Demais potenciais físicos e engenheiros passam suas carreiras mudando dinheiro de lugar no setor financeiro ao invés de aplicar seus talentos para inovar na economia real [ligada à produção de bens e serviços]”, escreve ele, referindo-se aos funcionários de bancos de investimentos. (Em 2009, uma física que atuava como quant, jargão para analista quantitativa, estimou que tinha pelo menos mil colegas trabalhando em Wall Street.)
Se, por um lado, o mercado financeiro representa uma carreira atrativa para muitos profissionais (com seus retornos bem acima da média, carreira acelerada e altamente meritocrática), também é um setor que costuma valorizar muito os egressos e egressas de cursos de engenharia – dotados em grande parte de pensamento lógico, objetividade e visão analítica.
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Para Obama, o capitalismo é uma força que pode ser usada para o bem, desde que os tomadores de decisão estejam comprometidos com a ideia de tornar a economia global melhor para todas as pessoas, não só aquelas no topo. “Um mundo em que 1% da humanidade controla tanta riqueza quanto os outros 99% nunca será estável”, escreve. “Expectativas sobem mais depressa do que os governos podem atendê-las e uma sensação penetrante de injustiça debilita a fé das pessoas no sistema.”
Leia abaixo um trecho do ensaio em que Obama fala mais sobre concentração de renda e alfineta os famosos bônus de executivos do mercado financeiro, em tradução realizada pelo Na Prática:
Em 1979, o top 1% das famílias americanas recebia 7% de renda pós-impostos. Em 2007, essa parcela tinha mais que dobrado para 17%. Isso desafia a essência de quem os americanos são como pessoas. Não temos inveja do sucesso, aspiramos a ele e admiramos quem o conquista. Na verdade, nós frequentemente aceitamos mais desigualdade que muitas outras nações porque estamos convencidos de que, com trabalho duro, podemos melhorar nossas próprias posições e ver nossos filhos conseguirem ainda mais.
Como disse Abraham Lincoln: “Embora não estejamos propondo qualquer guerra contra o capital, queremos permitir que o homem mais humilde tenha uma chance igual de enriquecer como todos os outros”. Esse é o problema com a desigualdade crescente – ela diminui a mobilidade ascendente. Torna os degraus mais baixos e mais altos da escada ‘mais grudentos’ – torna a subida difícil e perder seu lugar no topo difícil.
Economistas listaram muitas causas para o aumento da desigualdade: tecnologia, educação, globalização, sindicatos em decadência e um salário mínimo em queda. Há algo em todas essas coisas e progredimos em todos esses fronts. Mas acredito que mudanças na cultura e nos valores também tiveram um grande papel. No passado, diferenças de salário entre executivos corporativos e seus trabalhadores eram limitados por um grau maior de interações sociais entre funcionários de todos os níveis – na igreja, na escola das crianças, em organizações civis. É por isso que CEOs levavam cerca de 20 ou 30 vezes mais que seus trabalhadores médios. A redução ou eliminação desse fator limitante é uma das razões pelas quais um CEO hoje ganha 250 vezes mais.
Leia o ensaio completo, em inglês, no site da “The Economist“.