A história do Vale do Silício tem muitos começos. Um deles aconteceu em 1957, quando oito jovens cientistas assinaram oito notas de um dólar para firmar um contrato: iriam criar novas tecnologias de acordo com seus ideias e valores, doa a quem doesse. Um deles era Robert Noyce, fundador da Intel, inventor do microchip e pessoa-chave da Era da Informação.
O grupo havia se desentendido com o mentor, William Shockley. Inventor do transistor, ele tinha viajado o país inteiro atrás das mentes mais promissoras para desenvolver novas tecnologias eletrônicas tomando sua criação revolucionária como base.
Foi Shockley quem escolheu o local. Na ponta sul de São Francisco, o Vale de Santa Clara era então famoso pelas árvores frutíferas e pelo aluguel barato para empreendedores, em parte graças à Stanford University, que era dona de muitos terrenos e queria fortalecer o ecossistema empreendedor local. (A mãe de Shockley também morava por ali. Ou seja, mais um pró para ele.)
Hoje, o Vale do Silício – o silício do nome vem dos chips, presentes em tudo de cafeteiras elétricas a aviões – é sinônimo mundial de inovação, autonomia, grandes riscos e grandes recompensas.
É ali que ficam as sedes das empresas mais inovadoras do planeta, como Facebook, Apple, Google, Uber, AirBnb e Tesla, e de onde veio uma mentalidade empreendedora que tomou o mundo e encantou até Barack Obama, que cogitou trabalhar como investidor de venture capital, escolhendo e financiando novas startups, após a presidência.
O ambiente é de fato propício para quem sonha grande.
Atualmente, há 194 “unicórnios” no Vale do Silício, como são conhecidas as startups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão, e a economia é muito movimentada.
Só em 2016, US$ 9 bilhões foram investidos por fundos de venture capital, que escolhem startups com objetivos tão diversos quanto uma plataforma de fotos e vídeos temporários (como o Snapchat) ou pesquisas genéticas para lutar contra o envelhecimento (caso da Calico, que surgiu no Google e recebeu literalmente US$ 1 bilhão em investimentos da empresa).
O ambiente de trabalho no Vale do Silício
Deborah Alves e Marco Pedroso, ambos integrantes da rede Líderes Estudar, que reúne jovens de alto impacto, atualmente trabalham por lá e compartilharam um pouco do dia a dia e da cultura local.
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Deborah é formada em Matemática e Ciências da Computação pela Harvard University e hoje é engenheira de software do Quora, a rede social de perguntas e respostas organizadas e editada pelos usuários, muitos deles experts nos temas.
A empresa foi seu terceiro estágio, e ela decidiu voltar por dois motivos. O primeiro foram as pessoas. “Meus colegas de trabalho são verdadeiros amigos e eu conheço todo mundo da empresa”, conta. O segundo foi estrutura: “o Quora é pequeno o suficiente para que todos os funcionários tenham um impacto gigantesco”.
Sua rotina varia bastante. Além da programação diária – ela cuida do desenvolvimento de apps para iOS –, Deborah troca ideias sobre projetos com todo mundo, de designers a gerentes de produto. A equipe está por dentro do que ocorre na empresa, sejam decisões de curto ou longo prazo, e as opiniões de todos são bem recebidas. “Fora isso, o Quora tem várias vantagens clássicas do Vale do Silício: aulas de ping pong, massagens, todas as refeições de graça, snacks, futebol, jogos de tabuleiro, sinuca, vídeo game…”
Já Marco formou-se em Ciências da Computação pelo MIT. Trabalhou na Rede Globo, na Fundação Lemann e no Hunch, uma startup adquirida pelo eBay, antes de se instalar como engenheiro de software na a9.com, subsidiária da Amazon que desenvolve tecnologias de busca e publicidade.
“A A9 tem a grande escala e a infraestrutura da Amazon ao mesmo tempo que é uma empresa com times pequenos, que têm muita autonomia para operar”, explica. A companhia se tornou opção em uma feira de carreiras na universidade, onde Marco foi atraído pela experiência dos engenheiros. “Para mim, o diferencial foi a preocupação dos gerentes em manter os funcionários trabalhando naquilo que faz cada um se sentir realizado.”
Além de programar, Marco passa bastante tempo trabalhando o design de novas funcionalidades ao lado de gerentes de produtos. “É uma das atividades que mais gosto por aqui por ter uma visão mais macro do nosso negócio”, diz.
Cultura de trabalho
De maneira geral, graças à cultura de experimentação e à competição ferrenha entre as empresas pelos melhores talentos, os funcionários do Vale do Silício são muito bem tratados.
Mas nem tudo são flores, e ele pode exigir algum nível de adaptação. “Há uma certa pressão para passar longas horas no escritório, mas as pessoas geralmente não reclamam”, diz Marco, que aproveita para destacar o ambiente de trabalho diferente, os horários flexíveis e os mimos no escritório.
Entre a concentração de gente boa e recursos para desenvolver suas ideias, no entanto, ambos apontam a desigualdade e o foco único da região como um ponto fraco. “Às vezes me sinto um vilão vindo pra cá, fazendo o custo de vida subir e afetando a vida das pessoas que cresceram aqui”, diz ele.
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“É meio que uma bolha: 90% das pessoas que conheço por aqui são de tecnologia e é tudo muito caro, principalmente o aluguel”, conta ela. Deborah também se incomoda com a falta de conexão com o mundo exterior. “Muita gente foca em problemas pequenos ou tenta resolver problemas fúteis, que ninguém tem.”
Outro ponto de destaque dela é uma temática recorrente na área: a falta de representatividade feminina. “Não é um problema só do Vale, mas sim de todo um sistema que acaba desencorajando meninas e mulheres a irem pra área de tecnologia”, explica. “Desde pequena sempre vi essa disparidade: nas Olimpíadas de Matemática no colégio, nas aulas de programação na universidade e agora no mercado de trabalho. Isso vai acumulando.”
Ambiente internacional
A região atrai um número enorme de talentos do mundo inteiro. De acordo com o site Silicon Valley Indicators, 37.5% dos funcionários atuais vieram de outros países. México (19%), China (16%) e Filipinas (13%) ocupam os primeiros lugares do ranking da imigração.
Tal diversidade é uma vantagem competitiva local, já que pessoas de diferentes lugares trazem abordagens, pontos de vista e mentalidades diversas à mesa. Equipes compostas de maneira mais diversa são mais ricas e criativas e têm uma maior capacidade de enxergar novos caminhos e tomar riscos para inovar que grupos uniformes, adaptados ao status quo.
No Vale, as pessoas também tem um alto grau de instrução. Mais de 70% dos moradores da região tem ensino superior – e à moda de Steve Jobs ou Bill Gates, 24% deles têm “algum tipo de faculdade”. (Muitos acabam voltando depois para terminar os diplomas – e não machuca que Stanford, uma das melhores universidades do mundo, esteja logo ali.)
“Outro diferencial é que essa região concentra muito early adopters de novos serviços e tecnologias”, conta Marco. “As pessoas estão sempre experimentando coisas novas e é isso empolgante também.”
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Às vezes, diz Deborah, esse clima meio surreal pode ser cansativo. “Você respira tecnologia e a gente sabe o que tá acontecendo na área sempre”, diz. “Moro em Mountain View, que é a mesma cidade da sede da Google e do LinkedIn. O Facebook fica a alguns minutos de distância e, na rua, a maioria das pessoas está vestindo camisetas, casacos ou mochilas de empresas de tecnologia, em restaurantes e no trem só ouço falar disso.”
Apostas em inovações futuras
Os avanços tecnológicos cada vez mais rápidos, no entanto, ainda atraem os dois. Marco aposta suas fichas em carros autônomos e na realidade aumentada, enquanto Deborah fica encantada com as possibilidades da impressão 3D.
E ela pretende trazer um pouco do que viveu por lá de volta. “O mercado nos EUA é um pouco saturado e há muita empresa tentando resolver problema que não existe”, explica. “O Brasil ainda tem muitos problemas a serem resolvidos e há uma necessidade maior de pessoas boas na área e eu pretendo voltar para contribuir.”