Por Shirley Canabrava
Quase todo mundo já parou em algum momento para pensar onde quer estar daqui a 3, 5 ou 10 anos e, logo depois, sentiu um frio na barriga – ou, sem eufemismo, até mesmo um desespero – ao perceber que ainda está muito longe daqueles objetivos e que, na verdade, não faz a mínima ideia de como chegar lá. A partir daí, o momento de devaneios e sonhos acaba se tornando um pequeno pesadelo e gera uma ansiedade enorme.
Pois é, ansiedade: hoje uma das palavras mais recorrentes na correria do mercado de trabalho, e que muitas vezes aparece não só por conta do estresse do dia a dia, mas também pela alta expectativa em relação à carreira que cada um deseja trilhar. Todo esse estresse e expectativa pode ser uma bomba relógio para a nossa saúde mental se não administrados com cautela. É claro que quando falamos sobre saúde mental e carreira temos um leque enorme de fatores a serem colocados em pauta, mas hoje vamos conversar um pouco mais sobre a visão idealizada de carreira, da ansiedade com as expectativas envolvidas e a dificuldade de lidar com o mix de emoções que envolvem a trajetória de todos nós.
4 lições sobre saúde mental e carreira
#1 Ao trazermos o assunto de carreira, naturalmente tratamos de metas e objetivos a serem alcançados; e está aí um dos grandes pontos que pode comprometer o nosso bem-estar. É muito comum as pessoas estabelecerem metas, mas não pensarem no passo a passo – ou, pelo menos, nas macroetapas – para alcançá-las, e isso é um prato cheio para gerar sintomas clássicos de ansiedade, frustração e pouca visibilidade do caminho que precisa ser percorrido e das ferramentas que serão necessárias.
#2 Ainda com foco nessa visão de futuro, surgem também outros “vilões”. O primeiro deles é a nossa tendência a acreditar que a trajetória de uma carreira é linear. Talvez a gente acredite nisso, porque vemos histórias de grandes profissionais sendo contadas após já terem acontecido, dando destaque aos marcos vitoriosos, e assim olhamos pouco para os tropeços e infinitos dias de indecisão e prováveis mudanças de rumo que eles também tiveram. Infelizmente ainda vivemos em um meio social que nos prepara muito pouco para viver as mais diferentes emoções – especialmente as que chamamos de “negativas” como a raiva, decepção, tristeza, rejeição etc. –; e muitas vezes as vivenciamos pela primeira vez justamente no lugar onde mais queremos ser excelentes, ou seja, no trabalho.
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#3 Um segundo vilão é a confusão que existe entre comparação e referências. Poucas coisas são tão importantes para o desenvolvimento de alguém quanto o acesso a referências de profissionais de qualidade. No entanto, a linha tênue entre aprender com outros e saber adaptar o aprendizado para o seu próprio caminho é comumente ultrapassada e faz com que muitos jovens entrem num processo de comparação nada saudável, esquecendo das particularidades da história de cada um. Ainda relacionado a esse fator, é comum que não tenhamos claro quais são nossos valores ou em que ambiente queremos conviver na área profissional. E com isso, mais uma vez, acabamos nos preparando pouco para os desafios minimamente esperados para a trajetória na profissão escolhida.
#4 Ao trazer o assunto de saúde mental e carreira, não podemos também deixar de reforçar que doenças psicológicas não tem sexo, não tem profissão, não tem idade, e podem acontecer com qualquer um de nós. Nesses momentos em que não estamos com nosso psicológico tão saudável, o autoconhecimento e a capacidade de se ouvir tornam-se ainda mais importantes, já que nossa motivação, aspirações, desenvolvimento de novas habilidades e até a clareza para a tomada de decisões podem ser comprometidos, sendo muitas vezes necessário reconhecer que precisamos de um tempo para logo depois voltarmos “com tudo”. Esse respeito a nós mesmos pode ajudar a alcançar objetivos ainda maiores na carreira, já que quando aprendemos a reconhecer nossos limites, e também como aumentar nossos momentos de maior produtividade, podemos usar isso a favor para saber quando e como atuar nos nossos cargos, empresas e etc. Já são várias as pesquisas que mostram como pessoas psicologicamente seguras e saudáveis e com alto nível de autoconhecimento e inteligência emocional conseguem atingir patamares mais elevados em suas profissões.
Sobre a autora
Shirley Canabrava é formada em Psicologia pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Atua como psicóloga clínica, com atendimentos online e no seu consultório em São Paulo. É cofundadora da Mental Happy, consultoria de saúde mental para empresas especializada na saúde emocional de lideranças e funcionários.