Por que esta multinacional precisa de uma gerente focada em diversidade?

Cristina Kawamoto

Quando Cristina Kawamoto era criança, sonhava em ser pilota de avião. A vontade se concretizou por linhas tortas: embora tenha mudado de ideia quanto a profissão, ela perdeu a conta de quantos países conheceu ao longo da carreira.

Formada em Administração de Empresas pela FGV-SP, Cristina é filha de de imigrantes japoneses que chegaram ao Rio de Janeiro nos anos 1960 e passou a infância falando japonês dentro de casa e português em sala de aula.

Foi seu primeiro gosto da diversidade cultural. Mais tarde, já na faculdade, ela fez um intercâmbio na França, país para onde decidiu se mudar aos 24 anos.

Em 2001, pouco após desembarcar e realizar um envio frenético de currículos, começou a trabalhar na área de marketing da Renault, gigante automotiva fundada em 1898. Quinze anos depois, assumiu seu sexto e último cargo na empresa, como gerente de pesquisas de tendências socioeconômicas e culturais globais.

A área é cada vez mais estratégica para qualquer multinacional. “Conforme o mundo se torna mais global, muitas culturas tentarão criar uma identidade local para se sentirem mais compreendidas e se identificarem com uma pequena comunidade”, explica ela.

A tendência, continua Cristina, já tem até nome: glocal, termo que une as palavras global e local.

Do ponto de vista corporativo, isso significa que, para criar produtos e serviços atraentes, as empresas precisam entender o que é compartilhado entre clientes do mundo inteiro e onde suas expectativas, paixões e hábitos diferem – e inovar de acordo com isso.

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Adaptações regionais são uma maneira de enxergar a aplicação na prática. Na Uber, por exemplo é possível pedir um barco em Istambul e um tuktuk em Nova Déli. No Starbucks, a diferença aparece no menu de qualquer aeroporto: frappuccinos de brigadeiro no Brasil, chás da Oprah Winfrey nos EUA e matcha lattes no Japão.

A tendência é que isso se torne parte da estrutura das empresas, já que um número crescente de estudos aponta a diversidade, tanto de funcionários quanto de pontos de vista, como uma vantagem competitiva.

Cristina Kawamoto na França
[Cristina Kawamoto na França / Acervo pessoal]

É aí que entra a importância de um time diverso, que represente e esteja conectado com pessoas diferentes ao redor do mundo – um ativo cada vez mais fundamental para quem quer prosperar no mercado global.

Basicamente, um grupo de pessoas culturalmente similares vê as coisas de maneira similares, o que cria um ponto cego. Afinal, as pessoas não sabem o que não sabem.

Conforme os negócios crescem e os stakeholders se diversificam, fica cada vez mais difícil entender, inovar e solucionar problemas de maneira eficaz.

Já uma equipe diversa, seja em termos de gênero, orientação sexual, etnia ou nacionalidade, consegue oferecer outros insights e trabalhar de forma mais criativa.

“Em um mundo altamente conectado e que muda rapidamente, a diversidade é crítica para tomada de decisões corporativas bem informadas e inovações de negócios”, escreveu o Fórum Econômico Mundial. “Equipes de liderança mais diversas podem atender uma variedade maior de necessidades e preocupações de stakeholders.”

Diversidade cultural e empatia

Para fazer isso de Paris, onde fica a sede da Renault, Cristina, além de viajar, coordenava estudos e pesquisas oriundas de todas as regiões em que a empresa atuava: América, Eurásia, Europa, África, Oriente Médio e Ásia.

O objetivo era criar uma visão holística do que era comum e o que era diferente entre elas e assim identificar oportunidades e possíveis ameaças.

Seus insights informavam o processo de desenvolvimento de novos produtos em diversos departamentos, de Pesquisa & Desenvolvimento à Estratégias Corporativas, Branding e Unidades de Negócios.

Graças às experiências passadas na empresa, que a levaram a países como África do Sul, Israel e Egito, ela conhecia em primeira mão as fraquezas e fortalezas da Renault em cada um e organizava reuniões com representantes de diferentes regiões.

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“São tantas visões que a gente acaba descobrindo que é um trabalho enorme resumi-las”, ri ela. “Há uma grande riqueza de debates.” Outro ponto positivo na carreira foi sua fluência – ela fala português, japonês, inglês, francês e espanhol –, que também ajudava a resolver eventuais atritos.

“Essa facilidade com outras línguas ajuda a criar uma certa proximidade quando nos encontramos com pessoas de outros países”, explica. “Podemos tomar um café, conversar de outras coisas e criar um relacionamento que depois vai ajudar a resolver situações mais complicadas.”

Muitas dessas situações espinhosas surgem de embates entre atitudes diferentes, algo que pode acontecer em equipes globais. Russos, exemplifica Cristina, têm uma postura mais dura. Japoneses preferem resolver as coisas em japonês mesmo, e por aí vai.

“O principal ponto é ter empatia, que significa entender a situação e contexto dos outros para poder se comunicar de forma inteligente”, aconselha. “Não se trata de se impor, mas de entender a realidade daquela pessoa para identificar que desafios enfrenta, o que ela espera e o que podemos alcançar juntos.”

Ciclo virtuoso

Correlação não é a mesma coisa que causalidade, adverte a consultoria McKinsey, mas o que se vê é que lideranças corporativas mais diversas em questão de gênero e etnia têm mais sucesso.

“Acreditamos que companhias mais diversas são mais capazes de conquistar os melhores talentos e melhorar suas orientações para clientes, satisfação de funcionários e tomada de decisões – e tudo isso leva a um ciclo virtuoso de retornos cada vez maiores”, escreveram os consultores. 

Naturalmente, nem tudo são flores quando se trata de diversidade. Há, por exemplo, a questão de grupos específicos, como mulheres ou estrangeiros, que enfrentam mais dificuldades para trabalhar em alguns países.

E há também os milhões de descontentes com globalização, que vem ganhando chão e presidências ao serem contrários à imigração e à diversidade sob bandeiras de conservação e proteção de suas próprias culturas – o lado sombrio do glocal.

“Às vezes vemos essa vontade de se fechar ao mundo, que é por medo de perder uma identidade”, diz ela. “Isso pode ser algo negativo.”

Com sua vivência de uma brasileira que se sentiu mais livre na França, longe dos estereótipos sobre japoneses em seu país de origem, Cristina diz que ter consciência do contexto em que se está e de si mesma é crucial para superar obstáculos e aproveitar ao máximo a experiência da diversidade.

“É preciso realmente identificar os problemas”, conta. “Como eu adoro escrever, quando tenho esses nós, eu escrevo. Eu penso: por que tal pessoa falou tal coisa e me afetou o dia inteiro, por que me senti daquele jeito, por que isso me fez sofrer?”

Cristina Kawamoto dando aulas de ioga
[Nova fase: dando aulas de yoga no Sul da França / Acervo pessoal]

Em uma mudança brusca de carreira, Cristina trocou os executivos de Paris pelo sul da França para passar mais tempo com os filhos. Lá, abriu um estúdio de ioga a passou a trabalhar como tradutora.

De vez em quando, sente falta do ambiente internacionalizado e das discussões intelectuais que tinha no dia a dia com gente do mundo inteiro. Ela está, no entanto, onde quer estar no momento. 

“Aos poucos, você escuta sua voz interior e acredita no seu instinto”, fala. “A vida é longa – e não me arrependo de nenhuma experiência.”

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