
Carina Bacelar
Publicado em 10 de novembro de 2025 às 20:47h.
Aos 23 anos, Gio Mangoni já é um dos nomes de maior destaque de uma profissão em ascensão: consultora de inteligência artificial. Se hoje, como empreendedora, ela ajuda pessoas e empresas a otimizarem o uso de IA no ambiente corporativo, esse caminho só se revelou por uma mistura de curiosidade, pioneirismo e oportunidades bem aproveitadas.
Natural de Tapejara, no interior do Rio Grande do Sul, ela começou a trabalhar aos 12 anos como social media, numa época em que esse termo nem era tão popular. Hoje, é Top Voice do LinkedIn, com mais de 45 mil seguidores na plataforma, e fundadora da Mogglia, consultoria que se intitula “a primeira plataforma de cocriação humano-IA do Brasil”.
Em entrevista ao Na Prática, Gio divide o que aprendeu sobre o mercado de ferramentas de IA, o que é preciso para se firmar como especialista em inteligência artificial e como a universidade teve um papel determinante para a sua trajetória, mesmo que sua área de atuação pareça bem distante da faculdade de Administração, que ela ainda cursa. “Como quase não tem tempo de mercado, todo mundo está nos primeiros dois anos. Se você sabe um pouquinho mais, já sabe muito mais que muita gente“, afirma, sobre a IA .
Gio começou na área meio por acaso: ela conta que começou a trabalhar porque, ainda menor de idade, queria começar a ganhar seu próprio dinheiro. Com interesse natural por design e arte, ela começou a oferecer serviços de criação visual. Mas logo percebeu que seu mercado local não tinha demanda para o que ela vendia. Foi quando descobriu as redes sociais.
“Eu sempre conto essa história porque tudo começou por esse interesse por tecnologia. Isso me colocou dentro de algumas bolhas de tecnologia, então eu sabia termos como “startup” e empreendedorismo, como funciona o modelo de negócios do Spotify, do Netflix, por exemplo”, conta.
O primeiro contato com inteligência artificial aconteceu de forma inusitada. Trabalhando em home office para uma empresa de brechós em Porto Alegre, ela conheceu um profissional que se tornaria um amigo e mentor. Foi ele quem apresentou o Bard, uma ferramenta de inteligência artificial do Google que precedeu a popularização do ChatGPT, e que nem existia no Brasil.
“Eu lembro dele ter falado: ‘olha, instala um VPN que funciona assim, e aí pode usar’. A gente trabalhava com marketing e aí comecei a usar o Bard antes mesmo de vir para o Brasil”, relembra. Na época, era 2020, e a ferramenta ainda era desconhecida da maioria das pessoas.
Como profissional de marketing, Gio começou então a usar IA nas suas tarefas diárias. Mas nem sempre os resultados eram satisfatórios. “Eu usava muito nas minhas tarefas de marketing. Me frustrava muito com aquela entrega. E nessas vezes que eu me frustrava eu pensava: ‘deve ter uma maneira de fazer isso melhor'”.
Disposta a melhorar a qualidade das entregas da IA, Gio passou a pesquisar obsessivamente, seguindo criadores de conteúdo — principalmente estrangeiros, já que no Brasil ainda não existiam muitos fóruns sobre o tema. Chegou até a pensar que precisaria aprender programação, mas logo percebeu que seu caminho era outro.
“Eu nunca fui uma pessoa muito interessada em código. Eu me sinto bem mais na comunicação, gestão. Isso foi uma barreira no início”, conta.
O ponto de virada veio quando Gio começou a compartilhar seus aprendizados sobre IA no LinkedIn. Falava sobre como usava a ferramenta no marketing, suas descobertas e aplicações práticas, em uma época em que quase não havia conteúdo de outros especialistas na área. Um dia, por conta do conteúdo no LinkedIn, ela recebeu um convite para trabalhar em uma empresa especializada em agentes de IA.
“Aí eu acho que isso fez muita diferença, porque quando você está fora do universo de IA, tem que fazer muito esforço para receber as informações”, explica.
Trabalhar em uma empresa focada em IA acelerou exponencialmente seu aprendizado. Mas não foi só o ambiente corporativo que a ajudou. Gio se tornou ativa em comunidades, ajudando pessoas em grupos de WhatsApp e no Slack. “Eu gostava muito de ajudar todo mundo que mandava mensagem, porque eu sabia que isso ia surtir efeito”. E surtiu: foi através de uma indicação nessas comunidades que ela conseguiu sua primeira posição formal como consultora de IA, na Adapta.
Gio conta ainda que testava as ferramentas de IA para “absolutamente tudo”: receitas de café, coloração pessoal e outros problemas do dia a dia. “Essa questão do teste é uma coisa que poucas pessoas têm”, observa.
Na visão dela, enquanto engenheiros se preocupam com a estrutura e o desenvolvimento de modelos, falta gente que aplica essas ferramentas na prática real. “São detalhes, sabe? É uma maneira de você apertar os botões mais rápido, os processos se tornam mais claros. Da mesma maneira que um mecânico muito experiente consegue fazer mais do que alguém que é novo, mas que estudou muito.”
Depois de passar sete meses na Adapdata, onde atendeu mais de 200 profissionais em consultorias, Gio percebeu que precisava de mais tempo para estudar e sistematizar o que estava aprendendo. “Pensei: ‘eu preciso entender o que está acontecendo aqui’. Não tem essas informações disponíveis ainda”, conta.
Hoje, ela está lançando um produto para mapear os diferentes níveis de conhecimento em IA, ajudando profissionais a entenderem como estão no uso dessas ferramentas e como podem melhorar esse uso dentro das suas necessidades reais.
Segundo Gio, não existe uma jornada profissional linear em IA. Um engenheiro pode se tornar consultor, assim como um profissional de negócios — desde que ambos estudem “as partes que faltam”. “Quem trabalha com IA tem que saber um pouco dos dois mundos”, explica. Ela identifica três grandes áreas:
“Tem muitos caminhos para seguir. A pessoa que já usa IA para si, faz coisas para si e sabe explicar o que fez, já pode trabalhar com IA. Como quase não tem tempo de mercado, todo mundo está nos primeiros dois anos. Se você sabe um pouquinho mais, já sabe muito mais que muita gente”, afirma a empreendedora.
Para Gio, não existe o dilema ser autodidata versus investir em um diploma universitário. “Ambos são importantes. Eu sou bem defensora da faculdade e da educação em geral”, diz.
Na visão dela, a educação formal oferece algo que cursos rápidos não conseguem: metodologia, senso crítico e autonomia de conhecimento. “No cursinho, você vai aprender uma técnica, mas não vai ter autonomia de aprender com aquilo. Não vai ter senso crítico.”
Ao mesmo tempo, ela reconhece que a faculdade sozinha não basta. “Não vai ser a faculdade que vai te salvar. Você vai ter que ter curiosidade e buscar coisas por fora também”, defende.
Para Gio, o maior desafio dos próximos anos é não se perder no buzz constante. “Tem várias ferramentas novas, vários lançamentos, mas você não precisa saber de todos eles”, explica. O conselho dela? Foco e curadoria. “Não use 10 ferramentas ao mesmo tempo. Quando dominar uma, tente conectar ela com outra. Faça isso parecer simples para as pessoas”.
Para quem está se especializando em IA e pensando em usar essa expertise como saída profissional, ela reforça a importância de não subestimar o básico. “Às vezes a pessoa sabe fazer muito bem o básico e já ajuda muita gente, porque muita gente não sabe nem o básico. Se você cria um fluxo entre algumas ferramentas e faz isso muito bem, já está em vantagem. A gente está na bolha e acha que todo mundo sabe essas coisas. Mas não é verdade. Você pode estar ajudando muita gente em outras áreas que não sabem nada desse universo”, afirma Gio.