Mara Mourão é cineasta, carioca, radicada em São Paulo e praticante de mindfulness. Fã de Woody Allen e Fellini, a criadora da Mamo Filmes já dirigiu e produziu diversos filmes publicitários além de longas como a comédia Avassaladoras, de 2002, que reuniu um elenco de atores globais como Giovanna Antonelli e Reynaldo Gianechinni. Em 2005, porém, ela deu início à produção de um tipo de filme que mudaria sua vida: o cinema de impacto social. Hoje, passados dez anos, Mara é também uma transformadora social.
Casada com Wellington Nogueira, fundador do Doutores da Alegria, ela fez das histórias contadas pelo marido a sua primeira empreitada no mundo do empreendedorismo social. Doutores da Alegria – O Filme ganhou prêmios (Festival de Cinema de Gramado, Paraty Cine, Brazilian Festival of NY) e reconhecimentos importantes, como o da Unesco, que considerou o filme como uma “obra de promoção à cultura de paz”.
Em 2012, veio o Quem se Importa, seu quarto longa-metragem, no qual ela conta a história de 18 empreendedores sociais do mundo todo das mais diversas áreas: educação, economia, meio-ambiente, saúde, direitos humanos. Com duração de 93 minutos e narração de Rodrigo Santoro, o filme mostra desde gente conhecida como Muhammand Yunus até outros que carecem, justamente, de visibilidade para suas iniciativas.
Em 2013, o filme foi lançado internacionalmente durante a 13ª Conferência Anual de Empreendedorismo Social da Universidade de Harvard, nos EUA, esse e outros eventos fizeram o que era inicialmente apenas um registro de vidas se tornar um movimento — e Mara não parou mais a sua escalada com o filme. Nos vídeos a seguir, ela fala sobre o processo de criação do filme:
Além de Harvard, vieram participações em outras universidades norte-americanas de renome como a Columbia University, e até mesmo uma palestra no World Bank. Recentemente, participou de uma conferência via web nos EUA, a National Highschool Conference on Microcredit, e os convites para falar com educadores, estudantes, empresas e organizações sociais já viraram rotina. Dessa vez, o sucesso e a repercussão de seu trabalho não foram medidos por números de bilheteria: “Estamos falando de uma métrica invisível, que começa com a inspiração que toma conta da equipe de filmagem e se transforma numa onda. Eu sabia que o filme iria comover, mas não esperava um impacto tão profundo”.
Hoje, o Quem se Importa tem uma comunidade digital formada por mais de 73 mil pessoas que divulgam o filme, compartilham e discutem suas ideias. Mais do que um filme, como ela mesma diz, trata-se de um movimento que tem um propósito muito claro: inspirar pessoas a se tornarem elas próprias transformadoras sociais.
De projeto a movimento “Nem todo mundo tem perfil para ser um empreendedor social. Mas, todos podemos ser transformadores, basta enxergar os problemas como oportunidades de ação, ter prazer na solução. Um transformador é um cidadão comum que decidiu parar de reclamar e fazer as coisas acontecerem, simples assim. Não é uma benção divina, é uma consciência”, diz Mara.
Para quem fez Avassaladoras e experimentou um sucesso, digamos, mais convencional, como é comparar isso ao retorno de um documentário de impacto social? “Gosto muito de fazer comédias e da reação do público que diz ‘eu ri muito, me diverti muito’. Mas, quando você faz um filme de impacto social, a reação é outra. Muitas pessoas vieram até mim para dizer que mudaram suas vidas depois de assistirem aos docs. Algumas mudaram de profissão, outras começaram a atuar voluntariamente, ou a ensinar de um jeito diferente”, conta a cineasta.
Nas suas andanças, Mara relata que muitas pessoas nem sequer ouviram falar sobre empreendedorismo social. Aí é que entra o sacode que ela costuma promover em suas palestras, sempre perseguindo o mesmo objetivo: inspirar as pessoas. Apesar de não usar nenhuma fórmula inovadora, a reação do público costuma ser catártica (as pessoas choram, se emocionam, cercam-na após o evento).
“Everyone is a change maker, ou ‘todos podemos ser agentes de transformação’, é o que prega Bill Drayton, fundador da Ashoka, e é também a mensagem do filme”, diz ela, que acredita que ao terem contato com as histórias desses empreendedores as pessoas se sensibilizam à mudança: “Não tenho números, tenho histórias. De novos projetos sociais a pessoas que mudaram suas vidas e se tornaram empreendedoras. Obviamente, essas pessoas já estavam afim, mas o filme foi o estímulo, a gota que faltava pra virada de chave”.
Empreendedorismo e educação
Depois de tantas entradas em universidades e escolas no Brasil e fora dele, Mara percebeu que o filme poderia ser usado como uma ferramenta de educação. O primeiro passo rumo a essa nova empreitada se deu com a elaboração de um currículo para escolas dos EUA, com atividades engajadoras em torno do tema empreendedorismo social. A semente foi plantada ali.
“Nos EUA, os jovens aprendem desde cedo a atuar socialmente, é o mínimo esperado deles. Aqui, os nossos jovens não encontram eco para isso. Ainda estamos longe de ter o empreendedorismo social inserido de forma madura em todas as esferas”, diz. Para encurtar esse caminho e abrir as portas de escolas públicas e privadas brasileiras, a cineasta se juntou com a ONG Atados, uma plataforma social de mobilização para causas sociais, como o voluntariado.
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Dessa parceria nasceu o programa Sementes de Transformação, que acaba de receber o primeiro aporte financeiro, de valor não revelado. Mara Mourão e o pessoal da Atados realizaram, juntos, o primeiro acampamento de empreendedorismo social para Ensino Médio no Brasil, um formato bastante comum nos EUA, lá chamados de Social Entrepreneurship Summer Camp. Durante quatro dias, cem jovens, sendo 20 deles da comunidade de Heliópolis, participaram de uma programação intensa de atividades que contou com palestras de empreendedores e representantes de organizações como Ashoka, Artemisia e Engaja Mundo. Além das aulas teóricas, o curso envolve autoconhecimento, vivências e experiências voluntárias e oficinas para criação de projetos.
A empolgação dos jovens, “que não estão atuando socialmente por pura ignorância”, é o que motiva Mara a continuar a jornada. Para 2016, a ideia é escalar o projeto: três mentores serão formados e a meta é dobrar a participação dos jovens no segundo acampamento, com o apoio de captação de recursos via crowdfunding, além de levar oficinas para escolas públicas.
Outro plano da cineasta que virou transformadora social é lançar um portal que já está no forno e será um canal de conversa com os jovens com o propósito de orientá-los sobre atuação social. “O cinema sempre me inspira, é o meu trabalho e o meu hobby, o que faço pra me divertir. Mas, devo dizer que estou muito animada com esses projetos de educação”, diz Mara.
Como escolher histórias Um dos maiores desafios na produção do longa Quem se Importa foi a seleção dos empreendedores. O principal critério de escolha foi o impacto desses negócios sociais e a maturidade deles. Ainda assim, não foi tarefa fácil. “Deixei projetos muito legais de fora, de amigos inclusive. Por isso, decidi fazer uma série de TV. Serão 13 negócios, cada episódio contará a história de um empreendedor social brasileiro”. A série, em produção, será exibida no canal Curta!.
E os planos de Mara não param por aí. Um dos personagens do Quem se Importa, Joaquim Melo, o criador do Banco Palmas, deve ver sua história virar filme de ficção pelas mãos de Mara. Esse é um desejo da cineasta. “Uma das minhas maiores aflições é ter condições de continuar a viver fazendo aquilo que eu acredito. Quero fazer filmes que tenham uma mensagem positiva, que inspirem as pessoas”, diz ela. Ação!
Este artigo foi originalmente publicado em DRAFT