Imagine pagar uma conta pelo comando de voz do celular, receber opções de investimento certeiras e customizadas para seu momento financeiro em segundos ou sair do banco com a vida resolvida e sem ter falado com ninguém exceto uma inteligência artificial.
Conseguiu? Então acostume-se, porque as máquinas estão chegando no mercado financeiro para trazer realidades como essas. O impacto dessas mudanças em quem pretende seguir carreira na área é incontestável, mas não deve ser motivo de desistência – a ideia é mais se adaptar do que desanimar.
A seguir apresentamos algumas das previsões sobre as mudanças que as tecnologias de automação trazem para a carreira no mercado financeiro, e o que jovens profissionais podem fazer para não perderem relevância.
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O que está por vir
Especialistas preveem que as máquinas assumam primeiro processos que envolvem análise de dados, como aprovação de linhas de crédito ou leituras volumosas – coisas que hoje levam dias e até meses ou exigem funcionários dedicados –, mas as mudanças não devem parar por aí.
Espera-se também que inteligências artificiais comandem as interações primárias com clientes de bancos (possivelmente em três anos, de acordo com um relatório recente da Accenture) e algoritmos e modelos informados por machine learning passem a escolher, com cada vez mais frequência, as melhores ações para se comprar e vender.
A substituição do trabalho humano não é, por si só, uma coisa nova. O que é inédito no cenário atual é o alcance das mudanças: as máquinas estão mais e mais aptas a substituir também o trabalho intelectual, não só manual.
Como boa parte do cotidiano no mercado financeiro trata do processamento de informações – cerca de 50% dele, segundo um estudo da consultoria McKinsey –, seu potencial de automação é grande.
Como se preparar para fazer carreira num mercado como esse?
Conheça os jogadores
Para saber o que está em jogo, é útil entender as diferenças entre três termos muito utilizados por quem fala de futuro do trabalho: inteligência artificial (IA), machine learning e big data.
“Inteligência artificial é um termo abrangente que inclui qualquer tipo de sistema de engenharia – normalmente um programa de computador – que exibe algum aspecto da inteligência humana”, explica Marcelo Mattar.
Pesquisador do Instituto de Neurociência da Universidade Princeton, Marcelo faz parte da Líderes Estudar, rede que reúne jovens de alto impacto da Fundação Estudar. Atualmente, estuda os processos mentais envolvidos no ato de planejamento para seu pós-doutorado. Ao longo do caminho, interessou-se pelo tema de inteligência artificial.
Ele conta que no começo do campo, nos anos 1950 e 60, o foco era simular o raciocínio humano, o que exigia programar cada passo das máquinas.
Hoje, no entanto, o foco é criar máquinas capazes de simular a capacidade humana de aprender e alterar seus comportamentos através de experiência. É de onde vem o crescimento exponencial da tecnologia, feito pela própria máquina, que está sempre aprendendo a ser melhor.
“Foi aí que nasceu o machine learning, que pode ser considerado um ramo, talvez o mais bem sucedido, da inteligência artificial”, continua Marcelo.
“Sua grande vantagem é que o programador simplesmente especifica algumas regras de aprendizado básicas e deixa que o programa descubra por si só como atingir o objetivo, que muitas vezes não é sequer compreensível para o ser humano.”
Já big data se refere a enormes bancos de dados, que precisam de técnicas especiais para serem analisados e interpretados, algumas delas usuárias de machine learning e outros ramos de inteligência artificial.
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A situação no mercado financeiro
No BlackRock, a maior gestora de ativos do mundo, com mais de US$ 4 trilhões sob sua tutela, as mudanças balizadas por esse trio já começaram: cerca de 53 stock pickers, ou selecionadores de ações, foram demitidos numa estruturação recente. Outros tantos se transformaram em consultores que avaliam as decisões das máquinas.
Ao invés de portfólios que tenham investimentos escolhidos por humanos, a nova aposta da firma são fundos automatizados, que fazem escolhas quantitativas através de algoritmos e modelos conhecidos.
Além de mais baratos para os clientes – às vezes até metade do preço –, são capazes de tomar decisões com base em todo tipo de dado e indicador com rapidez e precisão impressionantes.
[Marcelo Mattar, Verônica Serra e Jorge Vargas Neto / Divulgação]
“Aquele jeito antigo, com as pessoas sentadas em uma sala escolhendo ações e achando que são mais espertas que o vizinho, não funciona mais”, disse Mark Wiseman, um executivo de alto nível do fundo de pensões da firma, ao jornal The New York Times.
A ideia por trás do raciocínio é que, já que todos têm acesso às mesmas informações e podem teoricamente chegar às mesmas conclusões, o melhor jeito de se manter à frente e atrair clientes é chegar mais rápido nesses resultados. Ou seja, ganha quem tem os modelos mais poderosos.
É uma tendência crescente. Em 2013, 13,6% de todas as negociações de ações nos EUA foram feitas por empresas de análise quantitativa, conhecidas como quants, que utilizam algoritmos para fazer suas escolhas. Em 2016, o número subiu para 27,1%.
Outra aposta da indústria é que IAs revolucionem o jeito que empresas angariam e aplicam as informações de seus clientes, interagindo de maneira cada vez mais precisa e oferecendo exatamente o que eles querem – ou podem vir a querer.
“Por meio dos mecanismos de IA, poderemos realizar análises em uma escala que nenhum ser humano sozinho conseguiria fazer”, exemplifica Verônica Serra, sócia do fundo de investimentos Innova, que tem empresas de software no portfólio.
“À medida que o sistema for aprendendo, vai poder fazer análises preditivas e dizer: ‘Qual cliente quer o que e como?’. A resposta será mais assertiva e haverá uma maior satisfação por parte do cliente.”
Potencial de inovação
Na equipe da Biva, uma fintech pioneira quando se trata de empréstimos peer-2-peer no Brasil, há pessoas com doutorados, mestrados e especializações diversas e não só relacionadas à Economia ou Administração – uma variedade que se repete em grandes instituições financeiras pelo mundo, que empregam de engenheiros a físicos teóricos e neurocientistas.
“Isso sempre nos impulsiona a procurar soluções inovadoras para os serviços financeiros”, explica Jorge Vargas Neto, CEO da startup.
A Biva, que já surgiu num ambiente altamente tecnológico, hoje usa 2 mil pontos de dados para analisar cada solicitação de crédito feita em sua plataforma, de interações em redes sociais a comportamentos financeiros.
A velocidade do processo é muito superior a de outras instituições do tipo. Uma resposta que pode levar semanas ou mesmo meses num banco leva, aqui, cerca de quatro dias.
“Tudo isso é analisado por um sistema com machine learning que vai reprocessando as informações semanalmente, de forma a ir sempre aprimorando a precisão de nossos modelos”, continua Jorge.
Como novas ideias precisam de investimentos para sair do chão, investidores e empreendedores também precisam estar atentos às mudanças.
“Na Innova, nos perguntamos quais segmentos possuem enormes ineficiências e onde a tecnologia pode gerar valor relevante”, fala Verônica, que também faz parte da rede Líderes Estudar.
Essa também é uma boa medida para enxergar até onde a inteligência artificial pode chegar no mercado financeiro – e quais são as oportunidades que existem ali.
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O que está em risco para o jovem profissional?
Nem tudo são flores, e o lado negativo da automação é bastante óbvio: a perda de empregos.
Quando se trata do que vai de fato acontecer no mercado financeiro, as expectativas variam.
Uma pesquisa do banco Citi, por exemplo, estima que 1,7 milhões de empregos do setor pode desaparecer na Europa e nos EUA até 2025 como consequência da automação.
Daniel Nadler, CEO da Kensho, um software de análise de dados empregado pelo Goldman Sachs, aposta ainda mais: em uma década, até metade dos funcionários do mercado financeiro podem perder seus empregos como consequência de tecnologias desse tipo.
“Em dez anos, o Goldman Sachs será significativamente menor por cabeça do que é hoje”, afirmou.
Funções que tenham rotinas repetitivas e previsíveis são facilmente automatizadas e seriam as primeiras a serem eliminadas, explica Marcelo, e isso inclui aquelas que precisam de memória, atenção e lógica – áreas em que um computador erra muito menos que um ser humano.
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“Em geral, a IA prospera em todo e qualquer tipo de atividade em que uma quantidade grande de dados, que represente as diferentes situações que podem ser encontradas, seja suficiente para descrever a execução ideal do trabalho”, continua o pesquisador.
E se a tecnologia já é capaz de tanta coisa, pelo menos ainda perde quando se trata de usar a criatividade e oferecer contato humano – ambas características necessárias para o mercado financeiro.
Além de insights criativos serem muito bem vindos nas empresas, a grande maioria dos clientes ainda prefere falar com outra pessoa.
Tudo muda – mas em quanto tempo?
É importante lembrar que o tempo necessário para essa transição também não é claro.
Embora algumas novidades, como uma presença significativamente maior de IAs na interação com clientes, sejam uma tendência para o futuro próximo, outros aspectos da automação podem levar uma década ou mais.
Os obstáculos no caminho são de diversas naturezas, como financeira, tecnológica e socioeconômica.
No mesmo relatório da Accenture, os executivos citam problemas de privacidade e compatibilidade entre tecnologias entre seus grandes desafios.
Outros especialistas lembram que países vão levar tempos diferentes para implementar processos automatizados, sempre comparando custos e benefícios locais. O que pode ser rápido na Inglaterra, por exemplo, pode ser mais lento num mercado emergente como o Brasil.
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Além disso, há a questão de como se destacar num mercado como esse, do ponto de vista corporativo, o que exige calma e reflexão na hora de traçar estratégias.
“O desafio é o reposicionamento estratégico das empresas diante desse cenário. Afinal, se os trabalhos ‘core’ da indústria forem automatizados, qual será o novo diferencial oferecido por elas?”, indaga Marcelo.
O uso dessas novas tecnologias, no entanto, não será opcional. “Será uma questão de sobrevivência estar preparado e ter um serviço, produto ou modelo de negócios alinhado com as novas tendências e evoluções tecnológicas”, afirma Jorge.
Como se preparar
Não há necessidade para pânico: o novo mercado financeiro será diferente, mas não impossível.
E se ainda é muito cedo para dizer que novas profissões vão surgir ou que talentos estarão em alta, já é possível dar alguns conselhos.
O primeiro é fundamental: aprenda a aprender continuamente. Em tempos de mudanças rápidas – é o que o século 21 promete –, a atualização precisará ser constante.
O segundo conselho é acompanhar cuidadosamente as mudanças no mercado, especialmente no começo da carreira, para identificar as habilidades que serão úteis e complementares em suas áreas de interesses.
Assim, você já sabe o que incluir na próxima rodada de atualização.
“É impossível saber a linguagem de programação que será a próxima grande tendência ou o novo edge em uma tecnologia que ainda não existe”, diz Jorge. “Cabe ao jovens estudar o mercado de interesse e construir um raciocínio aberto e criativo, direcionado para a resolução de problemas.”
Para Verônica, a fluência em tecnologia – que significa tanto entender e saber usar o que existe quanto aprender a programar de maneira geral – está se tornando tão essencial quanto o inglês e já pode entrar na lista.
Ela também indica manter-se atento ao mundo da inovação em geral para entender melhor as novidades e, quem sabe, fazer parte delas.
“É importante estar próximo a pessoas que, através de mentorias e ou de conversas informais, possam dar acesso às empresas que estão fazendo acontecer”, continua. “Saiba o que os grandes players estão fazendo, mas sem perder de vista o fato de que muitas inovações vem de empresas menores e mais ágeis que tentam solucionar problemas reais, muitas vezes sem recursos mas com talento, criatividade e vontade de vencer desafios.”
Por fim, é importante compreender o potencial positivo de todas essas mudanças, que podem trazer não só trabalhos novos como mais prazerosos de maneira geral.
“Hoje, só cerca de 10% do tempo de trabalho do trabalhador médio usa capacidades como raciocínio emocional e criatividade. Ao permitir que as máquinas lidem com as atividades mais mundanas, a automação pode libertar mulheres e homens para que usem mais seus talentos”, escreveram pesquisadores da McKinsey.
“Em geral, as pessoas não gostam de trabalhos repetitivos e previsíveis – justamente os tipos que serão mais facilmente automatizados”, fala Marcelo. “Acredito que, se o jovem buscar uma carreira intelectualmente estimulante, há grandes chances de se dar bem no mercado de trabalho do futuro.”