Mal começa janeiro e as atenções se voltam ao grande primeiro evento do ano, o Carnaval. Todo ano a festa se repete praticamente igual mas, aos poucos, têm surgido iniciativas que propõem uma maneira mais consciente de encarar a folia (e, de quebra, a vida). Pensando em oferecer alternativas que gerem menos impacto ambiental na brincadeira, a Pura BioGlitter, marca carioca de glitter biodegradável, é um destes exemplos.
Criado por Frances Sansão, 28, no ano passado, o pequeno negócio terá este ano tem seu primeiro grande Carnaval. As expectativas são as melhores possíveis: o estoque não tem durado mais que um dia.
Fã de muito brilho, ela viu a luzinha do alerta da consciência ecológica acender quando o irmão, biólogo, lhe explicou sobre os males do acúmulo de microplásticos (usados em cremes esfoliantes, roupas sintéticas etc.) nos oceanos, onde são ingeridos por animais marinhos, que morrem intoxicados. É difícil pensar que pequenas ações tenham um impacto tão grande, e ela fala de seu espanto:
“Eu usava purpurina para caramba, saía de casa besuntada, ainda que não fosse Carnaval. Fiquei chocada ao saber o mal que fazia ao meio ambiente. Não tinha ideia desse impacto”
Depois da conversa com o irmão e de ler algumas reportagens que falavam especificamente do glitter, a coisa mudou. “Pensei: purpurina também é plástico, deve ser nocivo também. Alguém precisa fazer alguma coisa”. E esse alguém, no caso, foi ela mesma. Sem delegar a tarefa para terceiros, a arquiteta começou a pesquisar, via internet, as alternativas disponíveis.
À época, encontrou opções disponíveis apenas fora do país e, por isso, começou a desenvolver um produto próprio. O interesse pelo mundo do glitter orgânico coincidiu com uma fase de descontentamento com a carreira de arquiteta. Enquanto se dedicava a projetos freelancer desde que largou o emprego em outubro de 2016, começou a fazer as pesquisas para o produto. O desenvolvimento levou cerca quatro meses.
Tentando fazer glitter biodegradável na cozinha… até dar certo
Os testes eram feitos em casa com receitas caseiras com sal, açúcar, materiais para brilho e corantes alimentícios naturais. Simpatizante da cozinha vegana, ela juntou a expertise no preparo de uma gelatina à base de algas em pó. Deu certo, mas ainda não brilhava. Até que, finalmente, o elemento que faltava para fechar a receita apareceu: uma rocha brilhante e atóxica trouxe o efeito que faltava às receitas. Isso era quase carnaval de 2017. No início de fevereiro, Frances postou uma foto no Instagram com sua criação e, diz, a procura começou instantaneamente.
“Fiz um perfil de Instagram na pressa para a marca, e apareceu uma enxurrada de gente fazendo pedido”, lembra. O namorado na época, que havia pedido demissão do emprego, começou a ajudar na administração e logística do negócio literalmente caseiro — até hoje ela trabalha em casa, no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro — que operou dessa forma até aquele Carnaval acabar. Assim que a folia terminou, Frances formalizou a empresa e começou a fazer cursos de empreendedorismo.
O investimento inicial, de cerca de 1 mil reais, se pagou logo no primeiro Carnaval, à medida em que Frances ia vendendo os produtos também pessoalmente, nos bloquinhos do Rio de Janeiro. Ela conta:
“À medida que o que eu investia ia se pagando, eu comprava mais material para continuar produzindo”
Em 2017, ela conseguiu fechar o Carnaval com um faturamento de cerca de 4 mil reais — e, no ano, comercializou 10 quilos de bioglitter comercializados. Foi pouco para a demanda: “Não tive como produzir nem o que as pessoas estavam querendo”.
O processo de produção ainda é totalmente artesanal e, por isso, demorado. Após produzir a pasta com algas, Frances mistura o preparado com a pedra e os corantes. Tudo é espalhado em uma superfície para secar. Se o tempo estiver ruim (frio ou chuvoso), esta etapa do processo pode levar até dois dias. Depois, essa “casquinha” é triturada e distribuído em pequenos frascos. Em um ritmo acelerado, Frances conta que consegue produzir 500g de bioglitter em três dias. Pode parecer pouco, mas a produção equivale a cerca de 350 frascos de 3 ml (com cerca de 1 g), vendidos a 10 reais cada. Ela faz tudo sozinha, inclusive o processo de embalagem e etiquetagem.
O bioglitter é vendido em dois tamanhos: a embalagem de 3ml custa 10 reais e a de 10ml sai por 16. A pasta (feita à base de Aloe Vera, para facilitar a aplicação) é vendida por 32 reais, em frascos de 40ml. No ano passado, Frances oferecia também um vidro maior de glitter, mas descontinuou porque não tinha tanta procura.
Para este ano, a empreendedora prevê faturar 25 mil reais no Carnaval por sentir que “o glitter biodegradável já está mais em voga”. Para se ter ideia, o estoque mais recente do site foi reposto na segunda-feira (22) e esgotou no mesmo dia — uma surpresa até para Frances. Antes desse “susto positivo”, porém, por ter iniciado uma produção em setembro do ano passado, a Pura BioGlitter participou de ações comerciais com a marca de roupas Farm e a de lingerie Tulli. Hoje, multimarcas como a Void e a +Alma também revendem os produtos. Frances diz ter comercializado 10 mil embalagens do glitter até o momento.
Deste janeiro até o Carnaval, ela pretendia produzir um quilo de bioglitter por semana para atender aos pedidos feitos pelo site.
O pequeno negócio conta com uma funcionária para ajudar na parte burocrática e, durante o Carnaval, irá contratar vendedoras para atuar nos blocos que Frances acredita terem mais sintonia com a proposta de seu produto (que, obviamente, é mais caro que o convencional). Estão na mira da marca blocos como o Boi Tolo, os Amigos da Onça e o Bloco Secreto.
No site, a venda é feita online e a entrega, pelos Correios. Mas o produto pode ser encontrado em lojas de São Paulo, Distrito Federal, Belo Horizonte, Recife, e em breve estará também em Porto Alegre, Maceió e Fortaleza.
Por que investir em algo aparentemente tão pequeno?
Formado por pequenos pedaços de plástico misturados a dióxido de titânio e óxido de ferro e outros materiais metálicos, o glitter não pode ser reciclado e, portanto, acaba descartado nos oceanos. Sua decomposição é tão lenta e complicada como a de qualquer outro plástico, e por isso ele acaba se juntando a toneladas de materiais que se acumulam nas águas.
Um estudo divulgado no ano passado pela organização de mídia independente Orb Media com o tema “Plástico Invisível” apontou que 83% das 159 amostras de água potável, dos cinco continentes, contêm vestígios de plástico. Apesar da discussão que o assunto gera, não existe uma regulamentação sobre a quantidade máxima de plástico tolerada na água para consumo, pois ainda não se sabe como o material pode afetar o organismo humano.
A discussão é grande e vai muito além do Carnaval, é verdade. Mas, de volta aos bloquinhos, qual é mesmo o efeito do bioglitter? O mesmo brilho, talvez menos opções de cores, talvez partículas mais irregulares. Mas a certeza de que — além de sair fácil com água e sabão — ele é biodegradável, ou seja, se decompõe e retorna à natureza.
Empreender para mudar de vida
Aumentar a produção é um dos maiores desafios da empreendedora, já que existem poucos fornecedores de matéria prima. Como o lucro do negócio também não é grande, ele não justifica grandes investimentos na equipe para a produção. Por isso, assim que o Carnaval passar, Frances diz que vai voltar a se dedicar à profissão de tatuadora — outra paixão que descobriu neste processo de transição de carreira.
Frances também não se importa com a sazonalidade das vendas. “É mais uma ideia que é importante ter e ver chegando nos lugares”, diz. “A Pura BioGlitter uma coisa que se paga e estou satisfeita com isso.” Também depois do Carnaval, aliás, ela pretende levar a questão para a academia: quer fazer um mestrado sobre alternativas ao uso do plástico. E brilhar.
Esta matéria foi originalmente publicada pelo Portal Draft.