Eles acreditam que a vida começa fora da própria zona de conforto. Que apenas pessoas entediantes se entediam. Se declaram abertamente a favor da legalização da maconha e suas aulas são dadas em ambientes absolutamente informais, onde cervejas, abraços e gargalhadas são bem-vindos. A escola de inovação e criatividade gaúcha Perestroika inaugurou no começo de março mais um espaço de desenvolvimento criativo, agora na capital federal.
A casa em Brasília se soma às de Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro — além de um ambicioso posto avançado em São Francisco, no Vale do Silício.
Vale destacar, no entanto, que os empreendedores usaram estratégias bem diferentes na hora de expandir o negócio no Brasil e fora dele. Por aqui, a regra é agir de forma segura e controlada. Há sempre uma fase de testes anterior à instalação de um espaço físico, em que a equipe verifica se existe real demanda de uma cidade por seus cursos (como fizeram em Brasília).
Em maio, por exemplo, esta fase começará a rodar em Recife, o primeiro ponto do Nordeste a ser explorado pela Perestroika. Porém, quando o assunto é a chegada no exterior, a ousadia entra em ação.
Como surgiu a Perestroika
Felipe Anghinoni, o sócio desbravador, explica por que o primeiro ponto internacional de chegada da empresa foi, de cara, o berço da inovação mundial: “Bom, nós quisemos começar pelo mais difícil. Se a gente conseguisse dar certo lá no Vale do Silício, siginificaria que podíamos dar certo em qualquer lugar.”
A expansão internacional da Perestroika está intimamente ligada ao seu crescimento dentro do Brasil. Nos idos de 2008, um ano depois do surgimento da empresa e quando ela existia somente em Porto Alegre, os cofundadores começaram a receber e-mails de pessoas interessadas em cursos em outras cidades. São Paulo, Rio e Curitiba tinham especial interesse. Assim, em 2010, eles decidiram fazer o primeiro projeto em SP: a Missa, um curso de comunicação contemporânea em parceria com três agências paulistanas. A receptividade foi alta e abriu espaço para discussões despretensiosas sobre que países estariam abertos a conhecer a escola.
Desafio, testes e consolidação
“Em 2011, passamos a jogar ideias no papel. Seria melhor ir até um país mais próximo, com uma cultura e língua semelhantes, como Chile e Argentina? Ou será que deveríamos fazer o contrário e expandir para a Suécia ou Tailândia, por exemplo?”, conta Felipe.
Em 2012, a Perestroika já estava oficialmente estabelecida em São Paulo e no Rio, com espaços físicos e público captado. Nesta época, um dos sócios fundadores, Tiago Mattos, foi aceito em um programa de formação em Futurismo na Singularity University. Financiada, entre outros, pela NASA e pelo Google, o objetivo principal da entidade é tornar os alunos aptos para elaborarem soluções para os grandes desafios da humanidade.
A imersão de dez semanas gerou um forte networking de Tiago no Vale do Silício. Como os estudantes passam por um processo muito rigoroso de seleção, os escolhidos são em geral pessoas muito interessantes, com bagagem sólida em empreendedorismo criativo. No fim do período, Tiago fez uma pesquisa entre seus 80 colegas de classe para saber quantos deles se interessariam em levar a Perestroika para seus países. O resultado foi animador: 30 pessoas de 21 países diferentes mostraram-se atraídas. Mais um prognóstico positivo.
Leia também: O que fazem as empresas mais inovadoras da América Latina?
Em 2013, Tiago voltou a São Francisco para a semana de encontro de ex-alunos da universidade. Ele repetiu o convite de internacionalizar sua empresa aos colegas. A partir de vários contatos, ele foi apresentado a duas brasileiras que moravam em São Francisco e se entusiasmaram com a ideia.
Elas vieram a Porto Alegre conhecer a filosofia da Perestroika no início de 2014 mas, por uma série de fatores, desistiram de levar serem sócias do empreendimento no EUA. “Elas disseram que precisávamos ser mais profundos, que a concorrência com conferências gratuitas era muito forte no Vale do Silício e que o nosso nome poderia gerar confusão. Assim, percebemos que este projeto deveria ser levado por nós mesmos, que entendíamos perfeitamente o que a Perestroika é”, diz Felipe.
Como funciona a criatividade underground da Perestroika
Todo o planejamento é feito a partir do Brasil. A primeira coisa que Felipe percebeu é que não daria para manter o formato básico de aulas (em média 13 encontros semanais para cada curso). O ideal seria fazer uma conferência intensiva, de três dias, para permitir a presença dos fundadores (Tiago e Felipe) nas aulas do Vale. Depois, era preciso decidir que produto levariam.
Ao partir do princípio que os conceitos atuais de empreendedorismo no Vale do Silício estão à frente dos que temos por aqui, a equipe decidiu que o mais razoável seria falar de outro assunto por lá: criatividade. O curso Yakuza pareceu a linha certa. Concebido a partir do questionamento sobre qual é a faculdade ideal de publicidade, traz pessoas de diversas áreas diferentes para falar sobre seu próprio processo criativo. Nos Estados Unidos, seriam então dois dias seguidos de curso de 45 minutos, com 12 palestrantes (convidados locais).
Leia também: Dez cursos rápidos que mudam a vida de um empreendedor
O curso se chamaria Favela Underground Creativity. “A gente descobriu que lá em São Francisco existia realmente uma filial da máfia japonesa Yakuza e não queria entrar em conflito com eles”, brinca Felipe. Nenhum dos convidados tinha tido qualquer contato anterior com a Perestroika, e Felipe chegou a eles a partir de indicações estabelecidas por parceiros na cidade americana.
Depois que os professores aceitavam o convite, ele precisava brifá-los sobre a história e o modus operandi da Perestroika. Em seguida, tinha que acessar os alunos – o curso foi gratuito, aberto a 35 convidados pré-selecionados, mas era necessário encontrar as pessoas certas. “Foi caótico, tudo feito à distância e na forma de guerrilha, como se fosse uma campanha política. Quando saí do Brasil, em outubro de 2014, sabia que tinha feito todo o possível mas não tinha ideia se daria certo”, diz.
O investimento total da operação foi de 70 mil dólares, e o resultado era imprevisível, já que não haveria qualquer retorno financeiro direto. “Seria um aprendizado e queríamos começar a criar um networking para a próxima vez que fôssemos”, diz Felipe.
Entre os palestrantes, PJ Pereira, cofundador da agência Pereira & O’Dell – e também lutador de kung-fu, o que deu origem a uma interessante conversa sobre o que as artes marciais o ensinaram sobre criatividade; Andreas Amador, escultor de areia; Davide Venturelli, pesquisador da NASA; Tim Holman, designer de integração do Tumblr; Guy Trefler, artista plástico israelense; o mixologista Shawn Refoua e um dos grandes artistas contemporâneos da atualidade, Jon Burgerman.
Felipe respira fundo ao falar dos resultados e dos feedbacks recebidos após o evento. Ele admite que alguns deles não são exatamente realistas, mas só de alguém dizer algo parecido, ele sentia como se tivesse escalado o Everest. “Foi mágico. Durante o evento já dava para perceber que o ambiente estava muito bom. Ouvi gente falando ‘faz dez anos que participo de conferências aqui e acho que vocês estão anos-luz à frente de qualquer uma delas’. Uma outra menina falou que não sabia o que ia ser de São Francisco agora que a gente ia embora. Tive a impressão de que cheguei na última fase da minha carreira”, conta.
Felipe levou a filosofia brasileiríssima da Perestroika – criar vínculos, receber os alunos com beijos e abraços, gerar intimidade e cumplicidade entre todos – ao epicentro mundial da criatividade. Todos os palestrantes se predispuseram a participar de novos eventos da escola.
Mas inovação e inquietação sempre andaram juntas para eles: um teste parecido com o do Vale do Silício será feito com um novo curso em Buenos Aires. E o objetivo para este ano e 2016 é transformar o Favela Underground Creativity em uma turnê que passe por cidades como São Francisco, Nova York, Berlim, Estocolmo e Seul. Ainda não há uma planificação, mas é assim que Felipe enxerga o futuro da expansão de seu negócio. Um festival de criatividade que rode o mundo: por que não?
Este artigo foi originalmente publicado em DRAFT.