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Como o novo acelerador de partículas brasileiro pode mudar o futuro do país

Projeto Sirius

Em 2019, num terreno de 68 mil quadrados em Campinas, a infraestrutura científica mais complexa da história brasileira será inaugurada. Trata-se do Sirius, acelerador de partículas do tipo síncrotron que será o mais avançado do mundo em sua categoria – e aberto a quem quiser.

O Sirius, que pertence ao Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e é tocado pelo Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, tem capacidade de analisar com um detalhamento único as propriedades de materiais biológicos e sintéticos, abrindo caminho para a inovação e novas descobertas.

Com valor estimado em R$ 1,8 bilhão e custeado pelo governo federal, o projeto começou a ser discutido em 2009 e hoje envolve cerca de 250 profissionais em tempo integral.

Um deles é o engenheiro eletricista Sergio Marques. “O acelerador é como um grande microscópio que permite olhar a matéria em escala atômica”, explica, destacando que os primeiros testes ocorrerão ainda em 2017.

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Como funciona

Ele é o responsável pelo grupo de diagnóstico de feixe de elétrons. O termo é bastante técnico, mas ajuda a entender de forma um pouco mais simplificada uma operação tão complexa quanto a que ocorre dentro do acelerador.

A máquina, como o próprio nome sugere, tem como objetivo acelerar partículas – no caso, elétrons. Nesse processo, os elétrons em altíssima velocidade passam por um campo magnético que os faz emitir um feixe de luz branca muito brilhante. (É daí, aliás, que vem o nome: Sirius é a estrela mais brilhante no céu.)

Essa é a luz do tipo síncroton. Os cientistas, então, observam como a luz foi absorvida, refletida, refratada ou espelhada e enxergam o material de uma maneira que olhos humanos não conseguem. Que átomos e moléculas estão presentes, como estão distribuídos e como interagem, por exemplo?

Com essas informações em mãos, é possível entender melhor como se estruturam os materiais que existem no mundo – e, frequentemente, como aprimorá-los.

Sirius como investimento estratégico

Na prática, que tipo de descobertas esse tipo de instrumento pode trazer?

Do desenvolvimento de fibras de alta performance que vão parar em cabos de ancoragem para exploração de petróleo em águas ultraprofundas, passando pelo desenvolvimento de fertilizantes mais eficazes, tomografias ultraprecisas e leitura de papiros queimados na antiguidade, a resposta é… Muita coisa.

É uma explicação simplificada – as pesquisas levam tempo e não costumam trazer insights instantâneos –, mas é um ponto fundamental para entender por quê esse projeto bilionário é importante para o país.

O engenheiro Sergio Marques
[O engenheiro Sergio Marques / Divulgação LNLS/CNPEM]

“Existem problemas sofisticados, seja na agricultura, medicina ou exploração do pré-sal, que só podem ser resolvidos com equipamento científico de última geração”, fala Marques. “E só se pode resolver isso de dois jeitos: usando instrumentos fora do país ou tê-los dentro dele.”

Além de facilitar os estudos – nem sempre é fácil conseguir um tempinho na agenda dos outros –, ter um equipamento nacional desse nível faz com que se crie o que Marques chama de “massa crítica de qualidade”.

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Ou seja, pessoas talentosas aprendem a usá-lo em suas pesquisas e trabalham dentro do país, ampliando ecossistemas acadêmicos e fortalecendo o conhecimento brasileiro quando se trata de pesquisa e desenvolvimento. Em tempos de ferrenha competição global pela liderança tecnológica, este é um investimento estratégico.

Marques aponta que foi exatamente essa massa crítica que surgiu desde 1997, quando o UVX, o primeiro acelerador de partículas do Brasil, começou a funcionar, também no CNPEM.

Parte da equipe do acelerador de partículas Sirius no acelerador atual, UVX
[Parte da equipe no acelerador de partículas atual, UVX / Divulgação LNLS/CNPEM]

Antes, quem tinha interesse na área (e já eram poucos) se mudava para a Europa e para os EUA. Desde então, tonou-se possível conduzir as pesquisas aqui mesmo.

“Hoje fazemos uma reunião anual com os centenas de cientistas que se formaram desde aquela pequena turma inicial e temos uma comunidade capaz de utilizar esses instrumentos”, explica o engenheiro, orgulhoso.

Marques começou a trabalhar como estagiário no CNPEM em 1994, aos 16 anos, e pode assistir à inauguração do UVX, que levou uma década para ficar pronto e foi majoritariamente construído, a duras penas, dentro do próprio CNPEM (e praticamente “conjurado do ar”, segundo a revista Science).

É um momento de emoção participar da construção do segundo? Ainda não. “O sentimento atual é de estresse”, ri ele. “É muita responsabilidade e dinheiro envolvido, o nível de acompanhamento é intenso e há reuniões intermináveis.”

Afinal, ainda há coisas para decidir, como o número de estações experimentais, que serão entre cinco e onze.

Esses são os pontos em que terminam os braços do acelerador e onde estarão os materiais a serem analisados, que podem ser gases, óleo, fósseis, rochas, amostras de solo, de tecido humano ou o que mais for interessante analisar de perto.

Legado brilhante

O UVX foi pioneiro no hemisfério sul e, até hoje, há apenas um outro acelerador do tipo na região inteira, na Austrália. Cerca de quarenta outros estão espalhados ao norte do Equador.

Embora ainda esteja em operação e atenda mais de mil pesquisadores por ano, inclusive de fora do país, o UVX tornou-se inevitavelmente defasado em sua tecnologia e, em 2013, o novo acelerador começou a ser erguido.

Os responsáveis pelo projeto aproveitaram a deixa para construir algo de ponta. Quando abrir as portas, o Sirius será considerado o principal equipamento do tipo, com um feixe de luz mais intenso e focado que qualquer outro.

E este não será o único legado do projeto.

Marques se empolga com o que o Sirius, que pertence a um centro nacional e portanto ao público, promete: “É para todo mundo que quiser usar”. (E tiver seu projeto de pesquisa aprovado, naturalmente.)

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Acelerador de partículas Sirius em construção
[Sirius em construção / Divulgação LNLS/CNPEM]

O legado tangível de uma máquina desse tipo, explica Marques, é o que torna Japão e EUA potências científicas e tecnológicas de tanto peso.

Cria-se uma infraestrutura melhor para que indústrias de ponta possam crescer, inovar e criar produtos e serviços de valor agregado, que elevam a economia e desenvolvem o país como um todo.

O intangível é mais difícil de mensurar, mas não menos poético. É o fortalecimento de comunidades brasileiras de estudantes, cientistas, engenheiros, biólogos, físicos, químicos e agrônomos, por exemplo, e que terão inúmeras consequências para a sociedade.

“O que me motiva é saber que aqui estou fazendo algo diferente. Olhe como se distribuem as fontes de luz síncrotron no mundo – o único lugar na América Latina é aqui!”, empolga-se Marques. “Tivemos que construir com sangue, suor e lágrimas, mas temos profissionais que entendem a fundo o conceito de uma fonte de luz, não só como usá-la. E vamos ter a melhor do mundo.”

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