Financiado por 25 investidoras de Wall Street, “Equity” estreou nos cinemas americanos no fim de julho. Dirigido, escrito e produzido por mulheres, o filme, ainda sem data de lançamento no Brasil, se tornou ponto de discussão. Seria a versão feminina de “Wall Street – Poder e Cobiça”, em referência ao clássico de Oliver Stone? Ou a comparação seria, por si só, um ato sexista? O que precisa mudar no ambiente do mercado financeiro?
Na trama, a investment banker Naomi Bishop está calcando os degraus num banco de Wall Street quando um IPO sob sua responsabilidade dá errado. Traçando seu caminho para se tornar CEO global da firma, ela lida com as consequências do fracasso enquanto prepara outra venda com a ajuda da colega Erin Manning, que se preocupa com a carreira quando fica grávida.
Não há catástrofes, overdose de drogas, escândalos ou perseguições policiais. “É um filme sobre mulheres que prosperam quando há competição e ambição, negociações e estratégias, mas que devem calibrar cuidadosamente cada aspecto de suas vidas, profissional e pessoal, para se manterem em pé de igualdade no jogo”, esclarecem as realizadoras.
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Falta de representação A luta é atual. Segundo uma pesquisa recente feita pela Catalyst nas maiores instituições financeiras de Wall Street, as mulheres ocupam 0% dos cargos de CEOs, 16.6% dos cargos executivos e 30.9% dos cargos de nível de entrada ou médio. Entre as 500 maiores empresas dos EUA, vinte e duas têm CEOs mulheres.
Em nível global, a figura também não é generosa. De acordo com o Forum Econômico Mundial, apenas 9% de CEOs na indústria de serviços financeiros são mulheres. O número se mantém quando todas as indústrias são somadas. A parcela mais alta é 13%, na indústria de de mídia, informação e entretenimento.
O gargalo de representação entre posições iniciais e de liderança preocupa corporações como a McKinsey & Co. Em parceria com a Lean In, organização da COO do Facebook Sheryl Sandberg que promove liderança feminina, a consultoria fez um relatório abrangente sobre mulheres no mercado de trabalho e estimou que a igualdade de gênero pode se traduzir em um estímulo econômico de US$ 28 trilhões até 2025 – uma alta de 26% no PIB global.
Em um debate em Davos, no começo de 2016, o CEO da McKinsey Dominic Barton explicou que, apesar de ter 41% da força de trabalho composta por mulheres, elas representam apenas 24% da liderança sênior. “Nossa missão é atrair, manter e desenvolver os melhores talentos e também ter um impacto duradouro em nossos clientes. E não estamos cumprindo essa primeira parte”, falou.
Observadas Não há um motivo único para a disparidade, mas um conjunto de fatores e preconceitos. Aparência, tom de voz, comportamento, escolha de palavras – não é só o trabalho que é observado. Num ambiente predominantemente masculino como Wall Street, onde características masculinas são vistas como as certas, mulheres que desejam ter sucesso se veem precisando ajustar seus comportamentos ou sofrendo consequências.
Quando confronta seu chefe sobre uma promoção que não recebeu, Naomi ouve uma resposta familiar para muitas mulheres: a percepção no escritório é de que as pessoas não gostam dela. Ela é “difícil”.
“Isso acontece o tempo todo! Quando uma mulher perde, há muito mais pressão e escrutínio”, disse a atriz Anna Gunn, que interpreta a protagonista. “Há tantos elementos psicológicos envolvidos: você precisa ler o cliente e entender se precisa ser firme, charmosa, bem humorada. Estou sendo muito mole? Muito dura? Desagradável? São coisas com que os homens não precisam se preocupar.”
Para se preparar para o papel, ela conversou com Barbara Byrne, vice-presidente do banco Barclays e uma das produtoras do filme. Ao The New York Times, a executiva confirmou o cenário. “As mulheres sempre precisam provar que conseguem fazer o trabalho antes de consegui-lo enquanto os homens ganham a oportunidade antes de se provar”, falou.
E mesmo quando uma mulher ascende ao nível de Byrne, os comportamentos não necessariamente mudam: ela ouviu, há pouco tempo, que era arrogante. “Isso porque eu estava sobretudo expressando uma opinião”, disse.
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Resiliência Graças ao crescimento de grupos de apoio e liderança feminina, assim como mudanças sociais e evolução de políticas públicas e corporativas, a presença das mulheres no mercado de trabalho é maior do que nunca e segue avançando.
Também não faltam histórias inspiradoras para lembrar que, com ou sem teto de vidro para estilhaçar, é importante resistir e dar seu melhor. A executiva Jacki Zehner, por exemplo, se lembra do dia em que vendeu US$ 1,7 bilhões para um cliente, a maior venda de sua carreira em Wall Street até então, e viveu os altos e baixos de ser uma pioneira.
Enquanto se preparava, um colega lhe pediu ajuda. Ocupada e vendo que não era algo urgente, ela disse que o ajudaria depois. O homem saiu batendo pé e anunciou publicamente, num sistema de som, que ela “não era capaz de fazer duas coisas ao mesmo tempo”. Disse que ela não tinha certos talentos e que sua carreira seria curta.
Furiosa, ela manteve o foco e fez a venda. Assim que pode, deixou sua mesa e ralhou com o colega, que ficou chocado com a resposta e disse que era tudo piada. Em seguida, Jacki foi ao banheiro e chorou – de estresse, humilhação e orgulho pela venda, tudo ao mesmo tempo.
“Depois de alguns minutos, me arrumei, joguei água na cara e, olhando para meu reflexo, percebi: eu era uma trader de Wall Street. Eu ia conseguir. E consegui: em 1996, fui a mulher mais jovem e primeira trader mulher a se tornar sócia do Goldman Sachs.”