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Como as competições universitárias podem melhorar a sua formação profissional

pessoas sentadas criando robos

Marcus Verrius Flaccus foi um ótimo professor na antiga Roma. Ele se tornou conhecido, no século I antes de Cristo, por introduzir a competição intelectual entre os alunos. Os melhores ganhavam livros antigos, belos ou raros.

Impressionado com o método de Flaccus, o imperador Augusto confiou a ele a educação de seus netos, Caio César e Lúcio César. Graças à experiência romana, educação e competição têm uma relação íntima que dura até hoje. Flaccus reconheceria facilmente ecos de seu trabalho nas atuais olimpíadas de matemática.

Nos últimos anos, outro tipo de disputa educativa ganhou enorme espaço. São competições universitárias de cursos de engenharia, ciências e tecnologia. Elas exigem que os alunos construam equipamentos em equipe, a fim de vencer algum desafio. Nos Estados Unidos e na Europa, o modelo de competições é muito comum e há um calendário anual recheado delas. No Brasil, aos poucos, as competições se multiplicam e chamam a atenção dos estudantes. Atualmente, passam de 30.

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Algumas delas já são tradicionais. É o caso do arremesso de ovo na Universidade Federal de Viçosa (UFV-MG). Em abril, a prova chegará à décima edição (desafio: arremessar um ovo cru o mais longe possível, sem que ele se quebre na aterrissagem). Ou a construção de pontes de espaguete, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre. Em novembro, ela chegou ao oitavo ano (desafio: construir uma estrutura de espaguete cru que resista ao maior peso possível).

A elas, unem-se novidades, como a competição de pontes de palitos da Universidade Federal de Uberlândia (UFU-MG), nascida no ano passado (desafio: s construir uma estrutura de palito, epóxi e cola branca que resista ao maior peso possível), e a corrida de carrinhos elétricos da Fundação Parque Tecnológico Itaipu (desafio: construir modelos de carros elétricos velozes, dirigidos por controle remoto, que enviem dados de desempenho ao controlador).

Parece tudo muito divertido. Mas o que, exatamente, um concurso de arremesso de ovo propicia aos alunos e à sociedade que, paga pelo funcionamento de universidades públicas?

“Essas competições tornam o ensino interessante, desafiador, divertido e mostram os cantos mais escondidos do campo estudado, aonde os alunos normalmente não iriam”, diz Tom Verhoeff, professor de ciência da computação na Universidade de Tecnologia de Eindhoven, na Holanda. Verhoeff é um entusiasta desse recurso de ensino e lançou em 2011 o artigo científico Beyond the competitive aspect of the IOI: it is all about caring for talent (em tradução livre, Além da competição na Olimpíada Internacional de Informática: o que importa é nutrir o talento).

No Brasil, o professor Ricardo Capúcio, do Departamento de Engenharia de Produção e Mecânica da UFV, é um fã e adepto desse tipo de experiência desde 2003. Capúcio usa as competições de arremesso de ovo para mostrar o lado prático de uma disciplina de projeto de máquinas. Passaram por ela cerca de 400 estudantes. Em suas aulas, ovos já foram arremessados com estilingues, catapultas, foguetes de ar comprimido e bombinhas (proibidas recentemente, por questão de segurança). Como proteções para a aterrissagem, foram usadas combinações variadas de plásticos, colas, isopor e camadas de ar. O atual recorde de arremesso de ovo de seu curso é 102 metros.

“Fui motivo de chacota de outros professores. Diziam que isso não era engenharia”, diz Capúcio. “Mas as competições servem para que meus alunos constatem a existência de várias soluções para o mesmo problema.” Os estudantes também logo percebem o valor da brincadeira. “Começamos a disciplina com uma folha de papel em branco e terminamos construindo uma máquina completa”, diz Gustavo Veloso, mestrando em engenharia agrícola e vencedor da competição em 2010. Ele alcançou a glória ao lançar um ovo cru a 74 metros de distância. A carga chegou intacta ao solo.

Capúcio se inspirou numa competição semelhante, com alunos que largavam ovos do alto de uma torre, observada em 2002 durante seu doutorado na Inglaterra. Esse tem sido o roteiro mais comum das competições – professores fazem pós-graduação no exterior e voltam com uma ideia na bagagem. O holandês Verhoeff diz que isso se repete mundo afora. Um organizador entusiasmado é o mais importante ingrediente para o sucesso desse tipo de projeto. Esse personagem costuma ser um professor. Mas outros tipos de patrono das competições começam a aparecer.

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Quando era aluno, Felipe Quevedo, engenheiro civil formado pela UFRGS, participou da disputa de pontes de macarrão organizada pelo professor Luis Segovia (o docente se inspirara numa disputa semelhante, da Universidade de Okanagan, no Canadá). Depois de se formar, Quevedo continuou a tratar o assunto a sério. Conseguiu que a empresa onde trabalha como projetista estrutural, a Estádio 3 Engenharia, patrocinasse a competição de pontes de macarrão em sua antiga escola.

Já passaram pela disciplina mais de 1.800 alunos, entre estudantes de arquitetura, engenharia civil, elétrica, química e de alimentos.

As pontes de espaguete cru são submetidas a testes de peso. O recorde da competição, estabelecido em 2011, é de 234 quilos. Segundo Quevedo, a empresa tem interesse na formação dos alunos e acredita que a disputa ajudará a torná-los profissionais melhores. “Durante as competições, os alunos exercitam a capacidade de trabalho em grupo, comunicação, justificativa dos projetos e administração de prazos e recursos – tudo igual a um trabalho real de um engenheiro que lida com cliente e chefes”, diz o professor Segovia.

Para os alunos, esses são todos benefícios palpáveis. Essas experiências tendem também a melhorar quem ensina, desde que o professor que orienta a disputa se disponha a lidar com variáveis mais selvagens que aquelas bem domadas na lousa e nas páginas dos livros. Fora da sala de aula, os imprevistos dominam. Nem sempre é simples transformar a teoria em prática ou conciliar o que ocorre na prática com os ensinamentos teóricos.

O professor Demetrio Zachariadis orienta os alunos da equipe Poli Milhagem, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Eles disputam a Maratona Universitária de Eficiência Energética, cuja edição mais recente ocorreu em julho (desafio: construir carrinhos capazes de carregar uma pessoa e percorrer a maior distância possível, à velocidade média de 25 quilômetros por hora, com o menor consumo de combustível).

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Entre os grandes ensinamentos desse tipo de competição, Zachariadis destaca a capacidade de lidar com os imprevistos. “Isso só se aprende na prática”, diz. “Tenho orgulho de oferecer uma estrutura teórica muito forte. Os projetos permitem ao aluno exercitar de formas novas o que eles aprendem.” Em 2012, o carrinho da Poli percorreu 160 quilômetros com 1 litro de gasolina. Um resultado impressionante, mas ainda distante do vencedor, do Colégio Técnico de Santa Maria, Rio Grande do Sul, que percorreu 280 quilômetros. A Poli Milhagem trabalha para surpreender em 2013. Eles pretendem reduzir o atrito dos pneus com o solo e melhorar a lubrificação do motor.

Nada disso significa que as competições possam ser adotadas de forma apressada. Elas são úteis, mas, em excesso, podem atrapalhar a educação, diz Ocimar Alavarse, da Faculdade de Educação da USP. Segundo ele, o desafio é incluir as competições no aprendizado, sem deixar arestas. “Se a disputa for o elemento central, pode deixar um clima ruim e desanimar os estudantes”, afirma. Vencer é sempre bom. Mas, para os professores, os alunos e a sociedade, que paga a conta, o que importa mesmo é formar profissionais melhores e com ideias mais arejadas.

 

Este artigo foi originalmente publicado em Época Negócios

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