Cinco anos depois de se formar pela Universidade Católica de Brasília, Carolina de Oliveira Campos já tinha certeza que não queria advogar.
Era julho de 2008 e ela já exercia há anos uma jornada dupla: manhãs e tardes no escritório de advocacia e noites dando aulas de Direito Empresarial em uma instituição de ensino superior em Brasília. Era sua parte preferida do dia.
“Peticionar, esperar sentença, conversar com juiz… Eu não gostava disso. Gostava da sala de aula”, lembra ela, que tinha se interessado também pelos aspectos de gestão envolvidos. Mesmo assim, uma guinada de carreira não costuma ser decisão livre de preocupações.
“Lembro bem que alguém me disse: ‘Não vai jogar seu diploma no lixo, hein? Tome cuidado para não virar professora profissional. Eu não conseguia ver demérito nisso – e me tornei profissional.”
Hoje Carolina mora em Sobral, cidade no interior do Ceará que o tem o melhor desempenho de todas as redes públicas de ensino no país, e trabalha como diretora pedagógica da Escola de Formação Permanente do Magistério e Gestão Educacional (Esfapege).
É também diretora de conteúdo do Mapa Educação, um movimento criado por três Líderes Estudar para melhorar a educação pública brasileira e envolver seus alunos no processo.
Para ela, a experiência da primeira graduação não trouxe problemas na transição.
“Tem muita gente na área que não tem educação como formação inicial e não me senti peixe um fora d’água por não ter licenciatura”, fala. “E, a cada dia que passa, me apaixono mais por educação.”
[Carolina Campos com alunos em Sobral, no Ceará / Foto: Acervo pessoal]
Os primeiros anos
Com a decisão tomada, Carolina foi angariando experiência pedagógica além da sala: na primeira instituição, foi coordenadora de núcleo de prática jurídica e de curso e tocou diversos outros projetos acadêmicos. Ao todo, foram quatro anos.
Em 2012, começou como assessora da pró-reitoria de graduação de outra instituição brasiliense, dessa vez focada em Direito e onde se envolveu mais profundamente com gestão, fatores regulatórios e com o Ministério de Educação.
Um ano depois, quando já tinha completado um mestrado em Ciência Política no Centro Universitário Unieuro, Carolina fez as malas para uma temporada em Boston, nos EUA.
Foi lá que sua decisão de trabalhar apenas com educação ganhou contornos mais claros. “Sabia que a mudança de carreira traria alguns momentos sofridos”, afirma.
Ao receber uma carta da Ordem dos Advogados Brasil aceitando seu pedido de dispensa, por exemplo, ela teve um momento de reflexão. “Vi ali meu encerramento de ciclo se materializar”, lembra. “Eu pensei: ‘Será que estou fazendo a coisa certa?’”
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Nos EUA, voluntariado e aprendizados
Por um ano, o visto americano de Carolina não lhe permitia trabalhar, exceto de maneira voluntária.
Para se manter ativa, ela aproveitou que a região tem algumas das melhores escolas do mundo, como Massachussetts Institute of Technology (MIT) e Harvard University, e passou a acompanhar suas palestras e eventos.
Um conhecido fez uma ponte entre Carolina e o EstudarFora.org, portal de estudos no exterior da Fundação Estudar, e ela se tornou sua colunista, escrevendo sobre as palestras que assistia.
Através do portal, conheceu Renan Ferreirinha, cofundador do Mapa Educação, que a convidou para conversar sobre educação brasileira. “Marcamos um café e me tornei uma das primeiras pessoas a entrar”, fala.
Ainda hoje, ela atua de forma voluntária como diretora de conteúdo do movimento, que quer envolver os jovens na mudança da educação brasileira.
“O que eles estão fazendo ninguém nunca fez”, empolga-se. “Tem gente que trabalha com foco no professor, em competências socioemocionais, na gestão… Mas ninguém com foco no aluno.”
Já animada com as oportunidades de voluntariado, trabalhou por um tempo no MIT-Brazil, que conecta estudantes da instituição com empresas e laboratórios brasileiros, e do MIT Career Connect, que ajuda profissionais a se colocarem no mercado americano.
“Isso fez muita diferença na minha vida, porque é possível mudar sua carreira através do voluntariado”, fala
“Eu precisava de experiência – que tive primeiro como voluntária – para depois fazer uma mudança efetiva.”
No meio tempo, aproveitava para estudar o setor de educação e se aprimorar: passava horas pesquisando referências, entidades e projetos de destaque no Brasil (a plataforma QEdu é uma de suas favoritas).
Em Harvard
Aproveitando a proximidade com uma das melhores universidades do mundo, fez um curso de extensão na Harvard Extension School, intitulado Professional Certificate em Learning Design and Technology.
“O curso dá uma visão muito interessante sobre educação e tecnologia, perpassando por teorias educacionais, criação de ambientes instrucionais e formação de professores”, fala. “Legitimou a transição de carreira que eu tanto queria e me permitiu compreender melhor as grandes discussões da área, além de me colocar em contato com pessoas que estudam educação no mundo inteiro.”
Quando enfim pode trabalhar nos EUA, Carolina encontrou uma vaga no consulado brasileiro em Boston e tornou-se coordenadora do setor educacional, cargo que ocupou por quase dois anos.
Foi nessa época que se encantou com Sobral, uma pequena cidade no semiárido cearense que atende 37 mil alunos e se tornou referência nacional em educação pública.
[Carolina com o filho em Harvard, nos EUA / Foto: Acervo pessoal]
“Já estava bem envolvida em educação e trabalhava como voluntária do Mapa, mas ainda não tinha a menor ideia do que era”, diverte-se ela, que teve contato com o assunto numa palestra e fez uma imersão nos dados do QEdu para entender a situação.
Ainda em Boston, Carolina conheceu brasileiros envolvidos com educação em Sobral e, em conversas, mencionava seu interesse e sua vontade de trabalhar no Ceará.
O networking funcionou. Em março de 2017, já com experiências de gestão escolar e seus novos conhecimentos no currículo, começou seu trabalho atual como diretora pedagógica da escola de professores.
Dois meses depois, também passou a integrar a rede Talentos da Educação, da Fundação Lemann, uma organização que apoia a formação de lideranças nas áreas de Educação, Gestão Pública e Saúde Pública.
Dia a dia em Sobral, no Ceará
“Sobral é uma estrela que brilha no céu”, empolga-se Carolina. “Há vinte anos, houve vontade política para mudar e um gestor colocou a educação de qualidade como prioridade.”
O resultado é famoso: hoje Sobral tem o maior Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) do Brasil.
O índice avalia a qualidade das escolas e das redes através da aprovação escolar e provas de desempenho com alunos. Foram diversas as mudanças necessárias para fazer esse case acontecer – e ao longo de sucessivas gestões municipais.
Entre as transformações estão: a seleção de diretores e coordenadores escolares com base no mérito; ações de valorização do magistério; e a formação continuada dos professores, através da iniciativa que Carolina hoje dirige.
Ela explica que este é um aspecto fundamental para transformar a educação no país, visto que muitos professores entram em sala sem experiência pedagógica ou com dúvidas sobre métodos e o próprio conteúdo.
Como ensinam os outros, fica claro que porque devem estar sempre atualizados e preparados da melhor maneira.
Na Esfapege, 1700 professores da rede pública de Sobral tem entre 40 e 80 horas mensais de formação, que pode ser atualizada para retratar outros pontos importantes.
Na época da conversa com o NaPrática.org, por exemplo, logo após um aluno entrar em uma escola goiana e atirar nos colegas, Carolina disse que já havia um material sobre bullying sendo preparado para entrar em sala.
No dia a dia, ela acompanha as formações, gere os vinte professores da escola e ajuda a levar educação de qualidade para os cerca de 37 mil alunos na ponta.
“Para mim, investir na formação de professores é a grande chave”, fala. “Não dá para esperar que eles sozinhos resolvam os problemas. Temos que apoiá-los.”
Como encontrar sua carreira em educação
Para fazer sua transição de carreira, Carolina usou uma receita simples: entender profundamente quais eram as oportunidades e desafios em sua nova área de interesse.
Foram incontáveis horas pesquisando os principais atores, entidades, fundações, políticas e projetos educacionais no país, ampliando o escopo conforme solidificava sua base.
“Eu tinha mapeado quem eram as principais instituições que revolucionavam a educação no Brasil”, explica. “Em seguida, fui para os nomes.”
Com as referências em mãos, estreitou seu foco e pode estudar melhor aquilo que lhe interessava.
“É uma área enorme, então você precisa saber o que quer. Identifica-se com o ensino infantil, médio, superior?”, exemplifica ela, que optou pela educação básica. “Essas coisas precisam ser organizadas.”
Ganhar experiência como voluntária – um passo prático e interessante para quem quer obter experiência em uma nova área – também foi essencial.
“Ainda bem que buscar voluntariado está começando a entrar na moda no Brasil”, comemora, citando os diversos e-mails que o Mapa Educação recebe de interessados em ajudar. “Hoje vejo muitas oportunidades para isso, especialmente no terceiro setor.”
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Educação como prioridade
Em tempos de crise política, em que projetos caem pelas frestas durante constantes trocas de gestão, Carolina mantém o otimismo.
“Procuro sempre as histórias individuais que me dão esperança”, fala. “Conheci recentemente uma professora que não tinha asfalto na frente de sua casa e agora está indo para o doutorado. Como perder a fé no Brasil se, no Brasil profundo, consigo encontrar pessoas tão motivadas?”
Para ela, um compromisso firme com a transformação da educação pode alavancar os ganhos de todos muito mais rapidamente do que se imagina.
Em um ano, garante, é possível melhorar o Ideb de um município (“e quanto mais baixo for, mais fácil mudar”). Em oito anos de melhoria contínua, um aluno passa por praticamente todo o ciclo da educação básica, o que o deixa mais preparado para a fase seguinte.
Não são só os cearenses que têm interesse nessa melhoria. Gestores do Brasil todo batem à porta de Carolina em busca de dicas e conselhos para melhorar a educação em suas próprias regiões, tão diversas quanto uma cidade no interior gaúcho ou uma escola indígena bilíngue no Amazonas.
“Nossa imensidão é um desafio enorme”, reconhece. “Mas o poder da educação é transformador.”
Leia também: Como seguir carreira em impacto social, segundo o diretor executivo da Fundação Lemann
Para saber mais
- Understanding by Design, por Grant Wiggins e Jay McTighe
“Pode ser utilizado por professores de quaisquer áreas, desde a Educação Básica até o Ensino Superior. Ensina a criar planos de curso de forma prática e que funcionam muito bem (o chamado planejamento reverso)”
- Make It Stick, por Peter C. Brown
“Ensina como as pessoas conseguem reter melhor informações, o que auxilia o professor a pensar em estratégias educacionais que facilitem a compreensão de conteúdos.
- Formando Mais Que Um Professor, por Elizabeth Green
“O Instituto Península lançou um livro que tem como foco trabalhar formação de professores. É um assunto que está na moda atualmente, sobretudo após o Ministério da Educação lançar o Programa de Residência Pedagógica e de Formação de Professores.
- Blog do Mapa Educação
“Recomendo para discussões atuais sobre educação e políticas educacionais.”
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