“Não existe semigrávida”. Era assim que Hans Stern, fundador da joalheria H Stern, costumava despachar os argumentos de que as pedras brasileiras eram semipreciosas, menos dignas de crédito do que um rubi ou diamante. O judeu alemão, que desembarcou nas areias do Rio de Janeiro fugindo do nazismo na década de 1940, ficou fascinado pelas gemas coloridas que encontrou no país. E foi com elas que construiu sua empresa, que hoje tem 280 lojas espalhadas por 32 países.
Hans, que nunca gostou de dar entrevistas e sempre foi um empresário discreto, agora tem um livro contando sua história. A jornalista Consuelo Dieguez teve acesso a seus arquivos pessoais e entrevistou ex-funcionários que passaram pela H Stern em diferentes momentos para reconstruir sua trajetória. O que mais a fascinou durante a pesquisa foi descobrir que o jovem empreendedor teve sacadas de marketing inovadoras para sua época.
Quando Roberto Stern, seu filho e atual presidente da empresa, convidou Consuelo para escrever o livro, a ideia era fazer um material exclusivo para a família no momento em que a H Stern completaria 70 anos. A família, no entanto, concordou que a biografia se tornasse pública após interesse da editora Record em lançar a edição.
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Ao aceitar o convite de Roberto Stern, Consuelo Dieguez não imaginava o “tesouro” que encontraria em meio aos arquivos. “Comecei a abrir umas caixas em que ninguém mexia, comecei a ver as fotos… Mas aí encontrei também cartas que ele escrevia para os amigos. E um caderno de anotações, que não era um diário, mas em que contava detalhes de sua vida. Aí eu fiquei maluca”, conta a jornalista.
O Rio de Janeiro foi escolhido como destino porque um primo de Kurt já morava na cidade. O momento da chegada à Baía de Guanabara é registrado por Hans, então com 16 anos: “Ao longe, a estátua do Cristo de dezesseis metros, erguida no maior rochedo, cumprimenta de braços abertos os visitantes. E, ao aparecer o símbolo do Rio, o Pão de Açúcar, sabia que não demoraria muito e eu seria um homem livre, uma emoção que não pode ser compartilhada depois de tudo que sofri”.
Após se estabelecer, Hans trabalhou em um armazém, uma casa filatélica (de selos) e em uma empresa de exportação de cristais de rocha e pedras de cor. Em 1945, aos 22 anos, ele vendeu o acordeão que havia trazido da Alemanha e, com o dinheiro, deu início ao seu próprio negócio de comercialização de pedras. Para atrair a atenção do mercado local, Hans e sua equipe colocaram em prática várias ideias inovadoras para a época e para o país.
Garantia: Antes de vender joias, Hans vendia apenas as pedras. Sua primeira grande sacada foi oferecer um certificado mundial de garantia para elas, que permitia trocá-las na Europa ou nos Estados Unidos caso apresentassem algum problema. Isso dificilmente acontecia, mas os clientes viam aquele compromisso como um diferencial, estabelecendo a autenticidade das peças e direito à manutenção.
Controle de qualidade: Incomodados com a falta de uniformidade das peças produzidas pelos ourives, Hans e seu pai resolveram criar uma oficina própria na qual os funcionários seguiam normas de controle de qualidade. Alguns ourives alemães, mais acostumados a seguir instruções que os brasileiros, passaram a integrar a equipe. As joias eram revistas por um examinador e destruídas, se não estivessem dentro de acordo com as diretrizes da empresa. Isso ajudou a elevar o padrão de qualidade do produto final.
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Logo: Hans e seu pai queriam dar à jovem empresa um aspecto de seriedade. Por isso, na hora de criar o logo no início dos anos 1950, usaram letras barrocas. Ao mesmo tempo em que dava à joalheria o aspecto de tradição, a tipologia tinha um apelo junto ao público masculino, que era quem comprava joias.
O público certo: A primeira loja foi aberta em 1949, no saguão de chegada de passageiros no Porto do Rio de Janeiro. Naquele momento, a Europa estava destruída por conta da Segunda Guerra e a boa parte dos turistas americanos preferia viajar para a América do Sul. Hans, ciente de que os brasileiros continuavam admirando mais os rubis e diamantes do que as pedras nacionais, apostou no público estrangeiro. Mais tarde, na inaguração do aeroporto Santos Dumont, a H Stern foi uma das primeiras lojas a fincar sua bandeira no saguão.
‘Charming trip’: Nos anos 1950, a H Stern já havia aberto lojas em outras cidades da América do Sul, como Buenos Aires e Montevidéu. Na época, as famílias que tinham dinheiro para fazer turismo na região tinham por hábito viajar durante várias semanas, visitando diferentes países para fazer valer o preço da passagem. Nesse contexto, a equipe da H Stern criou um programa de retirada de brindes batizado de “charming trip”. Ao visitar lojas na América do Sul, os turistas ganhavam um pingente com o símbolo do lugar visitado. Ao chegarem ao Rio, recebiam, na sede da empresa, o último pingente da coleção juntamente com uma pulseira para pendurá-los.
Lojas: Hans acreditava na necessidade de mostrar a marca (“show the flag”) para aumentar sua visibilidade. Como não havia recursos para investir em grandes campanhas publicitárias, a estratégia da empresa era abrir lojas pelo mundo e em locais por onde passavam muitos turistas internacionais. O ponto de venda era a maneira de entrar em contato com o público. E Hans não perdia tempo. Certa vez, quando estava na Colômbia, quebrou a perna e precisou ficar mais tempo no país que o planejado inicialmente. Durante esse tempo, negociou a abertura de uma loja no hotel Hilton, onde ficou hospedado.
Tour guiado: Outra maneira de se apresentar para os clientes era através de visitas guiadas. A empresa passou a ter tour guiados para mostrar como era feita a lapidação das pedras e fabricação das joias. Havia uma comunicação com o porto do Rio de Janeiro e com os hotéis para que os funcionários da H Stern soubessem quando um grupo grande de turistas chegava à cidade. Alguns representantes iam ao encontro desses turistas e os levavam para conhecer a joalheria. Só no final é que eles chegavam à sala com vendedores. O tour chegou a ter mais de mil turistas em um único dia.
Coleções e parcerias: Foi em uma loja da GAP em Nova York que Roberto Stern, filho de Hans e que ocupou o cargo de vice-presidente durante vários anos, começou a pensar na ideia de criar coleções para a joalheria. Na época, havia apenas os conjuntos de anéis, brincos e pulseiras, mas nenhum padrão que coordenasse várias peças. A primeira coleção foi colocada nas lojas em 1995. A proposta inovadora e o bom momento econômico do país contribuíram para o sucesso. Depois de alguns anos, Roberto passou a convidar personalidades como Oscar Niemeyer, Carlinhos Brown e Diane von Fürstenberg para assinar coleções.
Família não é (sempre) um problema: Hans Stern nunca quis dar uma aura familiar à empresa e tentou mantê-la dentro de uma gestão profissional, sem dar a impressão de que favorecia parentes. Roberto foi preparado para a sucessão gradativamente e assumiu a presidência. Outros dois filhos, Ricardo e Ronaldo, também fizeram parte da empresa na década de 1990. O primeiro ajudou a remodelar o processo industrial da empresa, baseado no sistema da Toyota. O segundo trouxe novas ideias para a área de informática. Bem intencionados e preparados para tocar as mudanças que propunham, levaram muito valor à H Stern apesar da resistência do pai. Foi, aliás, no momento em que todos os filhos se afastaram da empresa que a H Stern passou por mais dificuldades financeiras.
Mude ou morra: Uma empresa não completa 70 anos sem se renovar. Inicialmente, Hans mudou a maneira de fabricar joias no Brasil e se tornou uma referência internacional. Mais tarde, por volta dos anos 1970, a empresa precisou se adaptar ao fato de que a joalheria passava a atrair o público nacional e São Paulo se tornava uma praça importante. Já nos anos 1990, com Roberto na empresa, as mudanças tinham como ponto fundamental a unificação e simplificação de processos.
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Este texto foi originalmente publicado em Época Negócios