Dos protestos da adolescência aos corredores de Wall Street, onde se estabeleceu como advogado corporativo, Andrea Armeni levou algum tempo para descobrir como retomar um sonho de juventude e trabalhar para tornar o mundo melhor.
Há quatro anos, depois de passar pelas Universidades Columbia e Yale, parou para pensar no que fazer com seus talentos. “Eu já era familiarizado com finanças e com as pessoas do mercado e comecei a pensar em como elas poderiam ajudar a criar um mundo progressista e socialmente justo”, explica. “E como eu poderia influenciar as decisões? Estando na sala ao invés de do lado de fora.”
Ao lado da sócia Morgan Simon, fundou a Transform Finance em 2014. A organização, que conta com uma rede de investidores e apoio para empreendedores sociais, foca no engajamento comunitário e no impacto social através de investimentos financeiros.
“De certa maneira é um nicho, mas crescente”, conta. Quando participaram do primeiro SOCAP, evento centrado em capital social que acontece nos EUA, o espaço reservado para eles era pequeno. Em 2015, já estavam no palco principal. “Acho que é o conceito, mais do que a organização, que começa a se estabelecer.”
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Resumidamente, o conceito é o seguinte: construir um mundo justo usando o capital como uma força para criar mudanças transformadoras e seguindo uma cartela de princípios. Ao unir investimentos financeiros e justiça social, Andrea quer unir também os mundos de investimentos de impacto, filantropia e negócios sociais.
“De onde ficam à linguagem que usam e até ao jeito que se vestem, o mundo financeiro é muito excludente”, fala ele. “Queremos criar um espaço mais acolhedor, em que mais vozes são representadas – é uma ponte.”
Na prática, a missão se traduz em identificação de oportunidades e criação de ferramentas para ajudar na criação de abordagens financeiras diferentes. Para guiar e escolher os projetos, a Transform Finance utiliza três princípios: é preciso adicionar mais valor do que se extrai, equilibrar riscos e retornos e envolver ao máximo a comunidade impactada, que deve ser proprietária do projeto quando possível.
A comunidade de investidores – que inclui também fundações, governos e ONGs além de pessoas físicas – também tem um viés educacional. Há webinars mensais, pesquisas e briefings temáticos para enriquecer a discussão. “O mais recente, por exemplo, era sobre fair trade: ele é realmente justo? Como poderia ser mais justo? É uma jornada de aprendizado mais que qualquer outra coisa”, resume Andrea.
Abaixo, ele conta mais sobre a missão ao Na Prática e avisa: “É preciso checar se estamos realmente sendo inclusivos ou se há alguém que deveríamos estar ouvindo”.
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Por que transformar finanças?
Finanças são apenas uma ferramenta que deveria ser usada para fazer coisas acontecerem. Historicamente, foi utilizada para impulsionar a economia mas, em algum momento do último século, saiu dos trilhos e tornou-se autorreferente, com uma visão de fazer apenas mais dinheiro. E na segunda metade do século 20, as pessoas começaram a notar que o dinheiro delas fazia coisas e que era possível associá-los aos seus valores, como por exemplo na época do apartheid [a partir dos anos 1960, um protesto global contra o sistema sul africano se deu através de um movimento de desinvestimento]. Então por que não fazer tudo de uma vez? Que mundo você quer ver? Com isso em mente, o que precisamos fazer?
Como disseminam a ideia da Transform Finance?
A primeira parte é explicar aos detentores de capital o que significa influenciar uma mudança social positiva de verdade. Quem determina esse impacto? Eu, o JP Morgan Chase ou as pessoas afetadas? Não podemos usar o capital para resolver os problemas do mundo sem pensar de forma holística nas causas raízes. Não dá para só dar luz solar para as crianças de Gana sem pensar em por que elas não têm eletricidade.
É preciso olhar para dentro e criar as circunstâncias para que eventualmente o investimento não exista mais, as pessoas estejam empoderadas, tenham agência e meios. A segunda parte é ativar pessoas que normalmente não olhariam para finanças. Atualmente pode ser uma coisa ruim, mas o capitalismo é uma realidade e beneficiaria todos se tivesse gente com todo tipo de background.
Como aplicar finanças sociais no Brasil?
No Brasil há muitos problemas, especialmente quando se trata de desigualdade de renda e racial, que poderiam ser abordados pelo capital. Não se trata apenas de resolver um problema de água ou educação, mas de empoderar essas pessoas. Como finanças sociais é um campo que está bem no começo, o país deveria acertar desde o início. Não é só copiar o modelo e continuar trabalhando como sempre. É preciso pensar de maneira aprofundada sobre como criar um ambiente financeiro que é mais inclusivo.
Qual é a importância da rede dos investidores?
Vemos um grande papel para investidores, que devem pressionar para obter políticas melhores e que eles acham que funcionariam. Temos uma rede de investidores, que é uma comunidade de prática antes de qualquer outra coisa. Eles podem fazer coisas com outras pessoas que pensam de maneira similar ou que já aprenderam lições.
Quais são os maiores desafios para empreendedores sociais?
Empreendedorismo social tem se tornado mais “sexy” e muitos são atraídos por ele sem realmente pensar sobre a parte social. Se é visto como enriquecer às custas dos outros, não é o caso. Temos percorrido aceleradores e incubadoras para discutir como eles podem se engajar mais profundamente com a parte social. Quais são as perguntas a serem feitas? Como funciona minha supply chain? Quem fica rico? Quem se beneficia? Como meus funcionários são tratados?
Esse foi um grande tema esse ano, conforme as finanças sociais vão ganhando fama e bilhões de dólares. Do mesmo jeito que filantropos e agentes humanitários ainda estão tentando acertar, nós devemos realmente pensar sobre o que estamos fazendo. Temos que parar, olhar para trás e checar se estamos realmente sendo inclusivos ou se há alguém que deveríamos estar ouvindo.
Por que a Transform Finance destaca tanto a qualidade dos empregos criados, por exemplo?
Isso vem do fato de que muitos investidores, especialmente nos EUA, têm essa tese sobre criação de empregos. Mas criar empregos ruins que mantêm as pessoas no ciclo da pobreza, que dão salário mínimo e nenhum benefício: qual é a raiz do problema? Começamos então a falar sobre o que é um bom trabalho do ponto de vista do trabalhador. Como posso aprimorar a qualidade dos empregos que afeto? Posso oferecer mais treinamento através de programas de governo, por exemplo? Uma força de trabalho mais saudável é mais produtiva e investidores estão em uma boa posição para fazer essa mudança em todo o portfólio.
Como a Transform Finance mede o impacto de seus investimentos?
Em conjunto com investidores membros, desenvolvemos ferramentas que fluem de nossos três princípios. Quem se envolveu? Quem se beneficiou? Medir apenas por medir serve para pouca coisa. Administrar o impacto é o que importa. Relatórios financeiros resultam em ajustes e o mesmo deveria acontecer com impacto. ‘Construímos 300 poços, feito!’ Ótimo, esse é o primeiro ponto. Como subimos daqui? Conforme crescemos o espaço, crescemos o impacto.
Onde podemos aprender mais sobre finanças sociais?
Ao escutar de verdade e abertamente as comunidades afetadas. Está falando de habitação a preços acessíveis? Converse com as pessoas do serviço social que trabalham com isso há décadas e têm o que falar. Saneamento? Engage as comunidades locais. Não vai ser um paper que vai te ajudar, mas o diálogo que criar.
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