Desde 2006, quando dois empreendedores holandeses visitaram o Vale do Silício e perceberam que Amsterdam também poderia ser um hub mundial de inovação e co-criação, o termo “piquenique” deixou de significar um lanchinho ao ar livre sob uma toalha quadriculada. A palavra ganharia uma nova simbologia ao batizar o maior festival europeu de tecnologia, criatividade e entretenimento, com edições anuais, sempre em setembro. Em 2016, no entanto, este grande encontro internacional de empreendedores criativos mudará de data e de local pela primeira vez. Você adivinhou: o PICNIC será feito no Brasil e quem está por trás disso é Daniela Brayner, 40, idealizadora da consultoria Nuvem Criativa e uma das mentes mais atuantes no universo da economia criativa no Rio de Janeiro.
Conhecida por conta de suas palestras e curadorias, Daniela foi convidada pela organização do festival holandês para acompanhar de perto a edição de 2014, em Amsterdam. Ficou maravilhada com a maneira fluida com a qual eles misturam teoria e prática, com as performances de hackers em hackathons gigantes, os encontros entre empreendedores e investidores, as exposições criativas e a frente maker nos laboratórios e workshops.
Agora, a convite da organização, está trazendo tudo isso para o Rio de Janeiro: dentro do calendário de comemorações dos 450 anos da cidade, o PICNIC Brasil encerrará a agenda de março no Parque Lage. Será a primeira edição completa do festival fora da Holanda. Para entender como uma consultora brasileira chegou até aqui, vale a pena revisitar sua trajetória pessoal, essencialmente inquieta.
Descoberta de indústrias criativas
Desde sempre, como diz, Daniela teve dificuldade de se enquadrar em padrões seguidos pela maioria. “Quando eu estava no jardim de infância, minha mãe foi chamada na escola porque eu não estava respeitando as professoras. Me dava muito bem com os coleguinhas, mas não conseguia entender por que precisava obedecer às regras daqueles adultos”, conta. Ela fez sua formação básica em uma escola pública, o Colégio de Aplicação da UFRJ, e desde o Ensino Fundamental era engajada em movimentos políticos por causa das greves e comparecia a passeatas de mobilização dos estudantes em prol de diferentes causas.
Na época do vestibular, não conseguia pensar em um curso que merecesse quatro anos de sua dedicação exclusiva. “Gostava de cosmologia, física e matemática, mas acabei entrando para o curso de Direito porque meu pai tinha um escritório. Sou daquela época em que você poderia escolher entre ser médico, advogado ou passar fome”, diz. Depois de dois anos no curso, mudou para História, ficou um semestre, em seguida pulou para Psicologia e ainda passou para Filosofia onde, enfim, se formou. Mas sempre soube que não queria trabalhar exatamente naquelas áreas.
Durante a faculdade, fez trabalhos paralelos, o primeiro deles como produtora na recém surgida ConspiraçãoFilmes, onde produziu clipes de bandas como Skank e Paralamas do Sucesso. Um trabalho levava a outro, e depois de produzir alguns filmes como freelancer, entrou para a equipe do Canal Brasil. Nessa época, decidiu mandar seu currículo para uma vaga na área de marketing da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), onde começou a trabalhar em 2006.
Ela conta: “Em 2006, descobri o que eram indústrias criativas. A Firjan precisava fazer um mapa do desenvolvimento do Rio de Janeiro para os próximos anos, e este estudo apontava três setores principais para a cidade: óleo e gás, turismo e indústrias criativas”.
Daniela se tornou uma grande interessada pelos setores culturais que alavancam a economia de tantos países. Quando a Firjan lançou o primeiro estudo brasileiro do tema, em 2008, ela já era uma pesquisadora autônoma deste universo e, assim, foi convidada a entrar para a área de Economia da Federação. Lá, participou de uma missão para o Reino Unido e Barcelona com o objetivo de conhecer espaços (públicos e privados) que eram pioneiros no setor.
Criando o novo
Ela voltou ao Brasil com muitos planos, mas os trâmites burocráticos do trabalho na Firjan, como na maior parte das grandes empresas, não davam vazão ao ritmo dinâmico que Daniela percebia existir na economia criativa. “A esta altura, já não conseguia mais ver sentido em cumprir horários fixos, entregar metas estabelecidas com muita rigidez. Reuni, então, todos os contatos que havia feito em todo aquele tempo e fundei a Nuvem Criativa”, conta. Foi o salto para o empreendimento — e todas as incertezas que ele traz.
Como Daniela era a pessoa, na Firjan, que mais fazia apresentações ao público sobre o estudo inédito sobre indústrias criativas, quando ela se lançou ao mercado, continuou a ser convidada para dar palestras sobre o tema. Agora, no entanto, ela aparecia como sua própria empresa. E qual era a missão desta nova empresa? “Colocar as ideias da Daniela em prática”, diz. O ano era 2011 e a Nuvem Criativa nascia como uma consultoria e produtora.
Os serviços da Nuvem Criativa são definidos por projeto. Quando contatada por algum potencial cliente, ela prepara uma apresentação individual para entender como pode atender àquela demanda específica. Assim, participou de eventos importantes, como o Portugal Criativo, organizado pela Agência para o Desenvolvimento das Indústrias Criativas (ADDICT) do país, como curadora e produtora. Também fez consultoria para o Sebrae sobre a participação do órgão no festival Anima Mundi, trabalhou estratégia de marca e conteúdo para a presença do Conselho Britânico em um Festival de Cinema do Rio e, no Festival Sesi Cultura Digital, atuou como consultora (fez a curadoria) e produtora do evento.
Home office
Daniela começou trabalhando de casa e, atualmente, tem um pequeno escritório no bairro da Gávea, no Rio de Janeiro. A estratégia de funcionamento de seu negócio é agir sob demanda, e como ela e os sócios – a irmã, Sabrina Brayner, e o produtor cultural Marcos Corrêa, que estão juntos desde o começo da empreitada –têm muitos contatos, “todo mês temos algum evento”. Ela comenta os problemas do empreendimento criativo, tais como a dissonância entre o fluxo de trabalho e o fluxo de caixa: “O problema é que tem projetos muito extensos, então já ficamos três meses sem receber nenhum dinheiro. Confesso que não pensei no meu modelo de negócios antes de abrir a empresa. Não sabia direito o que iria surgir pela frente, então nosso planejamento foi sendo feito no dia a dia”.
A leveza típica do pequeno empreendedor tem suas vantagens. Ela mesma criou o site da Nuvem, um amigo criou a marca, e Daniela convidava outros amigos para ajudá-la a elaborar os projetos para editais, enquanto encontrava colaboradores que a assistiam na parte jurídica. Tudo de maneira informal e despretensiosa. Era um risco, mas com o passar do tempo (já são quatro anos de operação) ela percebeu que tinha cravado bases sólidas num mercado que, afinal, conhece como poucos.
Ela representa com exclusividade no Brasil a metodologia holandesa “Design-a-thon”, em que crianças são desafiadas a pensar, criar e prototipar soluções para seu bairro ou cidade. É um evento maker que acontece a cada dois anos em cinco cidades do mundo inteiro, com conexão real timevia internet. A primeira edição, em 2014, incluiu Rio de Janeiro, Nairobi, Berlim, Dublin e Amsterdam. “Em 2016 faremos novamente, provavelmente com mais países envolvidos, e esse ano começo a organizar o Designathon Brasil, que deve acontecer em novembro”, conta.
Hoje em dia, Daniela toca dois eventos internacionais – o PICNIC, que falamos no início deste texto, e também a edição mini do maior encontro de makers do mundo, a Maker Faire, que também será realizada em 2016 no Rio. Neste caso, a Nuvem Criativa vai preparar a abertura de um espaço cultural e de economia criativa na Praça Tiradentes, no centro da cidade, já batizado de T.E.I.A (Tecnologia, Entretenimento, Inovação e Arte). O local terá também um makerspace para adultos e crianças, estimulando trocas e encontros entre polos irradiadores de diversos setores culturais.
E para 2015, o que ainda esperar? Daniela respira fundo e reconhece que este ano está sendo bem tranquilo, o que considera um “repouso” entre os eventos importantes ocorridos em 2014 e o “ano apogeu”, que ela aposta que será 2016, no Rio de Janeiro. Mercados e projetos oscilarem não a assustam, já que ela sempre gostou do modelo de progressão contínua (imprevisível, por que não?) e simultânea que caracterizam a Economia Criativa. É trabalhar para ver.
Este artigo foi originalmente publicado em DRAFT