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Promoção ou cilada? O que fazer quando só aumentam as responsabilidades

Ser promovido com direito a aumento de salário e novo cargo é o sonho de muitos funcionários, mas nem sempre as oportunidades de crescimento aparecem embrulhadas nesse tipo de papel de presente.

Em muitos casos, os profissionais passam a acumular responsabilidades sem receber uma contrapartida imediata, seja porque a liderança quer testar sua capacidade antes de oficializar o aumento, seja porque os recursos financeiros estão limitados naquele momento.

Essa realidade se torna ainda mais comum em um cenário de crise econômica, devido ao enxugamento das equipes. Isso não é um privilégio do mercado brasileiro.

Segundo uma pesquisa feita pela consultoria Robert Half nos Estados Unidos em 2018, 39% dos empregadores admitiram que essa é uma prática comum e 64% dos profissionais disseram estar dispostos a passar por essa situação.

O grande desafio para quem recebe uma “promoção fantasma” é saber diferenciar se a movimentação trará chances de subir a escada corporativa ou se será um mero acúmulo de funções com um gostinho amargo de não ser reconhecido.

Movimentações sem contrapartida financeira podem ser uma excelente oportunidade de mostrar comprometimento com a empresa e conquistar a confiança da liderança, mas não devem ser aceitas pelos funcionários a ­qualquer custo.

“Se a empresa mantém a pessoa no mesmo lugar, e ela apenas acumula responsabilidades, aí não é tão interessante”, afirma João Villa, especialista em gestão de pessoas e processos, da consultoria especializada em pequenas empresas Blue Numbers.

Além de dinheiro

Para valer a pena, a proposta deve atender a, pelo menos, os seguintes benefícios: autonomia para tomar decisões, exposição a diferentes círculos de relacionamento e novos aprendizados alinhados com os objetivos profissionais.

Se houver essas experiências, será mais provável que o profissional impulsione sua carreira e consiga melhorar seu currículo, mesmo sem ter uma mudança de cargo. Com isso, ficará mais fácil conseguir uma contrapartida dentro da empresa ou até mesmo em outra posição no mercado no futuro.

Thaís Barreto de Souza, de 24 anos, enfrentou esse desafio. Formada em ciências contábeis, ela entrou em uma empresa importadora de utilidades domésticas como auxiliar de cobrança em fevereiro de 2018. Apenas um ano depois conseguiu um cargo de líder do setor financeiro, com um aumento de 40% no salário.

Mas o processo para chegar lá não foi fácil. Primeiro, foi promovida a analista, mas com função de coordenação da área de cobrança, comandando uma equipe de cinco pessoas. “Eu sabia fazer todo o serviço, e a empresa disse que eu teria a oportunidade de coordenar o departamento. Se desse certo, havia a possibilidade de um aumento, mas não era certeza”, diz Thaís.

Nesse processo, ela contou com o apoio de um consultor de gestão contratado pela empresa, que oferecia sessões semanais de mentoria. Seis meses depois, Thaís assumiu também a ­coordenação da área de contas a pagar, passando a liderar uma equipe de nove pessoas.

Com um ano completo na posição de coordenação, veio o esperado aumento salarial e o crachá de líder. “Em um período curto tive muitas oportunidades e o total suporte da empresa, e isso eu não teria em ­qualquer lugar”, diz Thaís.

O dinheiro fez falta, mas não chegou a atrapalhar a vida pessoal, porque ela mora com os pais e conta com o apoio financeiro da família.

Período limitado

Para quem está vivendo uma situação parecida, um ponto importante é avaliar o tempo de duração dessa experiência. De acordo com os especialistas em carreira, o ideal é que a empresa se posicione em relação ao desempenho do profissional até seis meses depois da promoção fantasma.

Nessa conversa, o funcionário deve saber se está correspondendo às expectativas, o que é esperado dele e como poderia melhorar. Mesmo que a companhia não consiga dar um aumento após seis meses, a situação não deve passar de um ano sem uma definição.

“Pode ser que a empresa não enxergue que a pessoa tem as habilidades necessárias ou pode haver outra restrição. É fundamental ter uma conversa transparente”, diz Roberto Picino, diretor executivo da consultoria de recrutamento Michael Page.

Embora falar sobre remuneração ainda seja um tabu, os especialistas recomendam que o profissional traga o assunto à tona na hora que for convidado para assumir a nova função e mantenha um diálogo aberto nos meses seguintes.

O ideal é mostrar que está disposto a aceitar o desafio, mas deixar claro que gostaria de ter uma conversa sobre seu crescimento profissional no futuro.

“A pessoa deve questionar se existe a perspectiva de receber um au­mento no médio prazo ou não. Senão o gestor vai pensar que ela está feliz e não está esperando nada”, diz Bruno Andrade, líder de soluções digitais de RH da Mercer.

Na hora de conversar sobre o ­assunto, evite apelar para o senso de justiça da companhia. O melhor é levantar dados concretos sobre seu desempenho para demonstrar que você está fazendo um bom trabalho.

“Fica mais fácil convencer a liderança quando o profissional mostra indicadores positivos, como número de novos clientes, melhorias no clima e redução nas reclamações”, diz Costabile Matarazzo, consultor de liderança da How2do.

Continuar ou sair?

Levar em conta os objetivos pessoais e profissionais é fundamental na hora de decidir aceitar ou não uma promoção sem contrapartida. Foi o que aconteceu com Alexandre Abdalla, de 34 anos, formado em engenharia da computação.

No início da carreira, ele já havia ficado dois anos em um cargo de gestão sem ­receber aumento, em uma consultoria de tecnologia. Depois foi trabalhar em um grande banco e vivenciou a mesma situação.

Contratado como analista de sistemas, passou a atuar num cargo de gerente de projetos, liderando equipes sem ter nenhuma compensação financeira ou mudança de cargo.

Na ocasião, o banco havia acabado de passar por uma fusão com outra instituição financeira e deixou claro que não faria nenhum tipo de promoção nos dois anos seguintes.

Como Alexandre era recém-casado e sua esposa estava empreendendo na área de comércio, ainda sem obter retorno do negócio, ele avaliou que seria mais interessante deixar o banco para buscar uma posição com a remuneração adequada em outra empresa.

“Eu já havia trabalhado pela filosofia de crescimento e isso me trouxe ganhos, mas naquele ­momento eu precisava cuidar do lado financeiro também”, afirma.

Com a mudança para uma consultoria, ele conseguiu um cargo de gerente para exercer a mesma função que tinha no banco, com um aumento salarial de 80%.

Leia também: Quer saber a hora certa para sair do emprego? Ex-funcionária do Google (e empreendedora) responde

Sinais de alerta

Depois de avaliar as prioridades, as emoções também devem ser levadas em conta. “O mais importante é que não fique uma sensação de injustiça ou exploração, até porque isso vai impactar o desempenho do profissional e prejudicar sua carreira no futuro”, diz Maria Elisa Moreira, psicóloga especialista em liderança nas organizações e professora no Insper.

Nessa hora, vale a pena fazer uma leitura do contexto para avaliar se existe uma boa razão para a falta de contrapartida.

Se a empregadora está vivendo um momento de restrição financeira ou testando uma nova frente de atuação, pode ser interessante aceitar responsabilidades sem um retorno imediato.

“Nesses casos a empresa pode não conseguir ­reconhecer no ato, mas vê o po­tencial daquele profissional e pode reconhecer no futuro”, afirma Cristina Fortes, diretora da consultoria Lee Hecht Harrison.

Agora, caso a companhia tenha um histórico de não cumprir promessas e não esteja promovendo ninguém no último ano, é preciso acender o sinal vermelho.

A lei ­trabalhista prevê que o funcionário contratado deve realizar todas as funções compatíveis com seu preparo técnico, mas as empresas não devem gerar um acúmulo de tarefas nem colocar o empregado em uma área incompatível com o contrato de trabalho estabelecido.

Quando isso ocorre, é possível buscar a Justiça do Trabalho para obter uma compensação financeira.

Para isso, é necessário comprovar que existia outra pessoa na empresa realizando exatamente as mesmas funções com um salário superior para conseguir uma equiparação salarial, o que nem sempre é fácil.

“Quando a empresa tem um plano de cargos e salários definido, é mais fácil verificar, mas na maioria das vezes isso não acontece”, diz ­Beatriz Tilkian, advogada trabalhista do escritório Gaia Silva Gaede Advogados.

Os trabalhadores que conseguem ganhar na Justiça obtêm a correção do salário e de todos os benefícios, como 13º salário, férias e horas extras.

Em casos de má-fé por parte da empresa, é possível ainda buscar compensação por danos psicológicos e morais.

 

Texto originalmente publicado no portal parceiro EXAME.

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