Entrevista com a VP de marketing da Heineken

Garrafas de cerveja da Heineken

Daniela Cachich, aos 41 anos, é desde 2014 vice-presidente de marketing da Heineken Brasil, liderando um time de 40 pessoas. Ela chegou à empresa em 2010, como diretora de inovação. E passou também, sempre na estrutura de Marketing, pela posição de diretora de marcas premium.

Dani é formada em Administração pela Universidade Mackenzie e tem MBA em Marketing pela ESPM, em São Paulo. Trabalhou cinco anos na Unilever, com as marcas Dove e Omo, antes de vir para a Heineken. Também passou pela IBM, pela Aventis e pela agência Wunderman.

Vale dimensionar um pouco a Heineken no Brasil. A cervejaria, holandesa, chegou ao país em maio de 2010, adquirindo a divisão de cerveja do Grupo FEMSA. Hoje, tem 2 mil funcionários e produz 19 milhões de hectolitros de cerveja por aqui todo ano (aproximadamente 10% do volume total vendido pela empresa nos mais de 70 países em que atua), com as seguintes marcas: Heineken, Desperados, Sol, Kaiser, Bavaria, Xingu, Amstel, Sagres e Gold. A Heineken ainda importa as marcas Dos Equis, do México, Birra Moretti, da Itália, Edelweiss, da Áustria e Murphy’s Irish Stout, da Irlanda.

Conversamos com Dani sobre inovação no marketing e no branding, sobre publicidade e brand content, sobre storytelling e storydoing, sobre a necessidade de alinhamento global e de ousadia local, sobre mídia tradicional e novas mídias. As perguntas e respostas, que você lê a seguir, foram se acumulando como uma pilha de bolachas de chope no centro da mesa.

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Você chegou na Heineken, vinda da Unilever, como diretora de Inovação. Quais são os cases de inovação de que você mais se orgulha na sua gestão de marca nessas duas empresas?

O Brasil é a segunda maior operação da Unilever no mundo. Então as inovações feitas aqui impactam muito o resultado global da corporação. Lancei o Invisible Dry, o desodorante que não marca roupas pretas. O creme Summer Tone, que deixa a pele com efeito bronzeado. Uma variante específica de Dove Hair para cabelos enrolados, que não havia no portfolio da marca, e que foi um sucesso local, uma insistência nossa, que depois a empresa repicou em vários outros países do mundo. Considero a própria campanha Real Beleza, de Dove, uma inovação em comunicação de marca.

Também me orgulho de uma promoção que liderei, na comemoração dos 80 anos da Unilever, em que colocamos códigos em 1 bilhão de produtos, um projeto cross category, cross área, cross tudo, que conectou pela primeira vez numa mesma ação todas as linhas de produto da empresa, de sorvete a sabão em pó. Aqui na Heineken, fizemos o barril de 4 litros de Kaiser e o lançamento da marca Desperados no Brasil. E convencemos a corporação a lançar a Heineken em garrafas de 600 ml, um formato que representa 60% do mercado no Brasil. No resto do mundo a Heineken só existe no formato long neck.

Que outros cases ou empresas você admira pela inovação que realizaram com suas marcas e produtos?

Red Bull é uma marca que não fala de produto. Eles quebram o paradigma de ter que incluir sempre benefícios funcionais na mensagem. É uma marca que abraçou a produção de conteúdo relevante para seus consumidores há muito tempo. O foco da comunicação não pode ser mais o produto, aquilo que a marca quer falar sobre si mesma, mas, sim, o que o consumidor quer ouvir. A Nike faz isso muito bem. A indústria da moda, marcas como Channel, também fazem isso muito bem. Elas sabem falar de estilo de vida. E a gente olha pouco para esses cases do mercado de luxo.

No que a inovação na comunicação e no marketing é diferente da inovação num produto ou num serviço?

Existe uma cadeia de inovação dentro da empresa. No P&D (Pesquisa e Desenvolvimento), há a missão de antecipar ou de criar uma necessidade que o consumidor possa ter. É preciso olhar para a frente, fugir do lugar-comum, atuar na vanguarda do mercado. Isso exige do profissional de marketing e do engenheiro o mesmo exercício de criação e de abstração. Eu adoro quando algo me soa estranho. Geralmente essas são as coisas que depois vão fazer mais sentido. Quando a gente entende e gosta rápido demais de alguma coisa, pode ser que estejamos falando de algo velho e óbvio. O case de iogurte funcional é uma revolução na categoria de iogurtes no Brasil. A categoria operava no lúdico, no infantil. Aí veio para o funcional, com outros atributos. E agora os iogurtes estão indo para a indulgência. A inovação nos leva a explorar esses novos territórios, a experimentar esses novos posicionamentos. Hoje, os segmentos de mercado que mais crescem são o “premium”, para quem está disposto a pagar um pouco mais para se permitir um luxo, e o “economy”, para quem não tem uma relação emocional tão forte com a marca e procura sempre um bom negócio, numa postura de “smart shopper”. Quem está no meio, sem inovar, vai perder.

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Como inovar na gestão de uma marca planetária que precisa atuar localmente, mas sem perder a identidade global?

O termo em voga, agora, é “Glocal”. Quando se está numa companhia global, a pior coisa que um executivo pode dizer é “isso não funciona no meu país”. A empresa tem que ser coerente globalmente. Na Heineken, a gente tem autonomia para desdobrar e aplicar os conceitos das campanhas globais na realidade local. A gente traduziu o conceito global “Open Your City”, no Rio, no projeto de redescoberta da Bossa Nova que estamos fazendo no Beco das Garrafas, onde esse movimento musical nasceu. Em Londres, a aplicação do mesmo conceito foi feita em relação aos “cabs” – os tradicionais táxis londrinos. A pior coisa é a síndrome do “isso não foi feito por mim” – então não presta.

É mais fácil inovar com cosméticos ou com cerveja? Por quê?

As mulheres tem uma tendência muito maior a se engajar com novidades de mercado nas categorias que elas seguem. A diferença de padrão de consumo entre homens e mulheres é enorme. O Brasil é um país muito ligado à beleza – estamos sempre no topo da lista das nações que mais se preocupam com esse tema. Há mulheres no Brasil que gastam 40% do que ganham em produtos cosméticos. Inovar para um público ávido para comprar e experimentar é um pouco mais fácil. Já a inovação em cerveja no Brasil é baixa – servimos só um tipo de cerveja, sempre da mesma forma, na mesma temperatura. Ao tomarmos cerveja tão gelada, inclusive, a diferenciação do paladar e dos ingredientes desaparece. Ao mesmo tempo, está surgindo um brasileiro muito curioso para expandir seu repertório, com a emergência das cervejas artesanais – pale ales, stouts, puro malte. Estamos num momento propício para inovar no mundo das cervejas por aqui, para sairmos do básico. Ano passado, lançamos uma cerveja com tequila. Agora, estamos lançando uma cerveja com limão.

Mídia tradicional ou novas mídias?

Quem manda é a grande ideia. A mídia vem a reboque. A gente coloca de 20 a 30% em digital – enquanto a média da categoria deve estar em 10%. Mas esse uso do digital é uma consequência das ideias que implementamos. A gente não parte desse número como uma regra. Trata-se de uma média anual consolidada. Às vezes a gente coloca 10% no digital em um projeto. E em outro, colocamos 70% – porque a ideia pede isso. A gente investe mais na curadoria do conteúdo que oferecemos aos consumidores do que propriamente na ativação desse conteúdo. Investimos muito também em Brand Experience, gerando experiências de consumo do produto – como o Up On the Roof, o Glass Room, o Beco das Garrafas, o Sol Sunday Sessions. O conteúdo vale mais do que os GRPs. Eu desafio muito o meu time a desafiar o status quo. A buscar a grande ideia, o conteúdo relevante. E a engajar as pessoas. As pessoas não consomem meios, elas consomem conteúdo.

Publicidade ou Brand Content?

Os dois. O mercado está evoluindo para o brand content. Mas a publicidade tem seu lugar. Para passar um benefício funcional, para gerar visibilidade, é preciso anunciar. O conteúdo de marca veio para ficar – e ainda vai crescer muito. Inclusive vai precisar passar por uma depuração daqui a pouco. As marcas serão cada vez mais curadoras de conteúdo, atuarão cada vez mais como amigos do consumidor que trazem a ele conteúdos dos quais sabem que ele vai gostar.

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Storytelling ou Storydoing?

Storydoing. As marcas têm que contar histórias. Mas têm que fazer história também. Têm que deixar um legado. Afetar de verdade, positivamente, a vida das pessoas. Nosso projeto de resgate do Beco das Garrafas, e da recriação de um espaço para ouvir Bossa Nova, no Rio, vai nesse caminho.

Nosso mercado publicitário é muito criativo e muito pouco inovador. Você concorda com essa frase?

Somos muito criativos. E somos pouco inovadores porque temos medo de errar, tanto os clientes quanto as agências. Ser ousado, empreendedor – isso envolve riscos. Mas sem arriscar, como eu me diferencio dos meus concorrentes? Precisamos começar a pensar em risco compartilhado. Ainda há muitos clientes que entregam sua verba na mão da agência e dizem – façam. Aí o risco do erro pesa e a agência faz o básico, para não ser responsabilizada pelo que eventualmente não dá certo. Eu sempre digo isso – nunca delegue a sua marca para uma agência. Nunca. A marca é sua. Você é a pessoa que mais entende daquela marca. Tenha parceiros. Mas nunca delegue o seu trabalho. Eu me vejo como uma empreendedora corporativa. É preciso convencer a hierarquia internamente – de que você poder gerar resultados fazendo diferente. Se a gente não se reinventar, se não desafiarmos o status quo todo dia, vamos virar mais do mesmo. A Heineken tem ousado. E tem sido recompensada por isso.

Toda marca precisa mesmo ter uma causa? Qual a diferença entre causa e posicionamento, ou entre propósito e um simples slogan?

Marcas que tem causa tem uma profundidade maior na hora de contar uma história. Mas forçar uma causa para dentro do seu posicionamento não funciona. Não cola. Causas tem que ser abraçadas – e não criadas. Para mim, tem a ver com a verdade da marca. Para que ela existe? O que ela oferece às pessoas e ao mundo? Se isso for verdadeiro, sim, tenha uma causa – e ela vai engajar as pessoas. Se não, não.

Este artigo foi originalmente publicado em DRAFT 

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