Um dos carros-chefes da economia brasileira, o agronegócio tem ido contra a maré da crise econômica e política pela qual o país passa e vem puxando o crescimento do Brasil. É um dos setores que mais cresce e o que mais contrata. Representa quase um quarto do PIB brasileiro – cerca de 450 bilhões de dólares.
Em outras palavras, é difícil discordar de que o país seja uma potência do agronegócio.
É esse mercado, com suas cifras expressivas, que tem sido palco de atuação para uma nova geração de startups que buscam levar inovação para o campo. São as chamadas agritechs ou agtechs, e representam um ciclo efervescente no ecossistema empreendedor brasileiro: segundo a Associação Brasileira de Startups, em 2016 havia 72 empresas do tipo no país, mas a expectativa era que esse número triplicasse durante 2017.
O Brasil já tem até o seu “Vale do Silício Agritech”, em Piracicaba, onde estão 38% das startups de tecnologia agrícola do Estado de São Paulo.
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Os desafios do campo
Não é como se o campo não fosse um ambiente tecnológico ou moderno – muito pelo contrário. Em termos de biotecnologia, por exemplo, somos bastante avançados. Instituições como Esalq, UFV, UFLA, Embrapa, IAC, Aprosoja e as próprias multinacionais do setor têm desenvolvido pesquisas de ponta já há um tempo.
Contudo, custo alto e baixa produtividade são sempre um problema. Existe um desafio, hoje, em ajudar a produzir mais com a mesma quantidade de terra, promover a conexão da cadeia agrícola, melhorar a eficiência dos processos.
Do ponto de vista de gestão, a tendência é essa: as coisas devem se tornar mais complexas nos próximos anos. O processo de decisão precisa ficar cada vez menos subjetivo e mais técnico e estatístico, e a tecnologia tem papel essencial nessa mudança.
O Brasil, pelo clima generoso, já conta com a vantagem de ter duas safras no ano, o que é impensável para muitos países mais ao norte. O avanço, agora, deve vir no sentido de produtividade.
“Temos histórias muito empreendedoras no mundo agro, mas também temos muito para melhorar em termos de boas práticas de negócios”, explica Mateus Borges, gerente de produtos e operações da ProdutorAgro.
“Temos bastante inovação técnica”, continua. O que falta, na sua opinião, é um salto em transformação digital. E é aí que entra a sacada da startup em que trabalha: o marketplace.
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A ProdutorAgro
“A gente é uma startup pé na roça”, resume Mateus. “Todos do time vieram do interior e tiveram um bom contato com o campo, além de sermos muito orientados a dados e querermos levar para o campo as melhores práticas de negócios”, explica.
O que tem de inovador nessa primeira proposta de atuação da startup é entregar ao produtor rural transparência de preço, rastreabilidade da utilização de defensivos e outros produtos agrícolas (saber quanto, quando e onde usou), além de acesso facilitado a crédito. E é o modelo via marketplace que tem permitido isso.
Mateus está bastante otimista com as perspectivas desse mercado, e da própria startup. “No agronegócio tudo é grande, tudo são bilhões. Se o Brasil consegue ser competitivo em uma indústria, é essa”, opina. É nesse contexto que a ProdutorAgro quer se transformar na “futura Amazon do agronegócio”.
[A equipe da ProdutorAgro / Foto: Divulgação]
Hoje, já é possível comprar pelo marketplace (que conecta fabricantes, revendedores e produtores) fertilizantes e nutrição, máquinas e equipamentos, sementes de pastagem… Mas a ideia é expandir para tudo que o produtor rural precise. Além disso, a plataforma também facilita o acesso às linhas de crédito. O crédito rural, inclusive, é cada vez mais importante para os grandes bancos.
Mas, ainda que repleto de oportunidades, esse é um mercado complicado de se atuar.
Trabalhar de um escritório em São Paulo, na região na Av. Engenheiro Luís Carlos Berrini enquanto os seus clientes estão distribuídos pelos rincões do país e distantes dos grandes centros, não é fácil. “Muita gente deu errado por achar que era muito simples”, conta Mateus.
A verdade é que não existe ainda um player sólido de vendas online no agronegócio brasileiro. Quem quer entrar nesse jogo e dar certo precisa ter uma combinação não tão comum: entender muito da parte técnica e tecnológica, e também entender muito de campo.
“A gente tem que estar junto com o agricultor, tomando sol”, explica Mateus, acrescentando que a equipe viaja com frequência para o interior, para apresentar a ideia e se conectar aos produtores. “Todo mundo aqui teve experiência em agro, o que facilita muito o contato com o nosso cliente.”
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Trajetórias de carreira
Engenheiro formado pela Unicamp, ele foi o primeiro funcionário da empresa depois dos sócios. Seu background é conectado ao meio rural. Filho de pai leiteiro e mãe costureira, vem de uma família de pequenos agricultores em Minas Gerais. “Nas férias, costumava ajudar meu tio na colheita de morango”, recorda.
Entre a infância no campo e o diploma de Engenharia Mecânica em um dos melhores cursos do país, está a premiação em uma Olimpíada de Matemática e uma bolsa em escola particular que veio como consequência do feito.
Durante a faculdade, fez intercâmbio pelo programa Ciências Sem Fronteiras e passou um tempo fazendo pesquisas com drones na região do Corn Belt, ou “Cinturão do Milho”, em português – parte do centro-oeste dos Estados Unidos que reúne os principais estados produtores de milho, como Missouri (onde Matheus estava), Kansas, Iowa, Illinois e Nebraska.
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A equipe, que hoje tem 8 pessoas, recentemente contratou dois estagiários, que devem passar por um job rotation em mais de uma área. São eles Lucas Mendonça e Regiane Latorre. Lucas é aluno do último ano de Economia na Universidade Federal de Viçosa (UFV) e apaixonado por inovação como pilar do desenvolvimento.
“O setor do agronegócio, hoje, é importantíssimo para a economia brasileira mas perde em eficiência. Para resolvermos isso, vamos precisar ser disruptivos”, opina. Chegou a cogitar se candidatar aos tradicionais programas de trainee, mas logo mudou de ideia: preferia participar da construção de algo desde o início.
Já Regiane Latorre, aluna de Engenharia de Alimentos na Unicamp, chegou a cogitar a carreira acadêmica, mas sentiu falta do lado mais prático. Percebeu que não era o caminho para ela quando começou a investir tempo em autoconhecimento, e acabou chegando na ProdutorAgro atraída pela quantidade de gente boa que existe ali.
Em comum, os três entrevistados para essa reportagem participaram do Liderança Na Prática 32h, o curso de formação de lideranças da Fundação Estudar. A conexão da rede fez com que a trajetória profissional deles se cruzasse. Mateus, inclusive, faz parte da rede de Líderes Estudar, que reúne jovens de alto impacto.
Hoje, não são muitos os jovens que sabem das possibilidades de atuação no agronegócio.
Sobre a recente onda de críticas em relação ao setor e desmatamento, Mateus é pragmático: uma coisa não precisa estar ligada à outra. “Podemos ser o celeiro sustentável do mundo, com o uso correto de defensivos e sem desmatar”, afirma.
Ele também reconhece um problema de percepção da indústria, para ele um tanto quanto infundado, que tem efeitos na atração de talentos: “O jovem não vê o agronegócio como algo sexy, vê como um tabu”.
Do mais, um mercado mais eficiente também evolui em termos de impacto, diminuindo a pegada ecológica.
Para ajudar a esclarecer dúvidas e fomentar o ecossistema das agritechs, o contato com universidades e jovens tem sido um dos pontos de atuação da ProdutorAgro. Hoje, atuam com uma frente de educação que oferece cursos e palestras tanto em universidades como para sucessores de fazenda, e estão abertos para contatos de parceiros interessados.